7 pontos comparados dos planos de governo de Lula e Bolsonaro
Isabela Cruz
16 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h40)Ex-presidente petista quer ‘reconstruir’ políticas interrompidas, enquanto atual presidente promete continuidade de governo. Veja propostas dos favoritos à eleição para economia, segurança, saúde, educação e outros
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Imagens de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, em comércio de rua de Brasília
Favoritos à eleição presidencial de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro apresentaram neste mês de agosto suas propostas de governo ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Numa disputa marcada por dois candidatos que já estiveram à frente do governo federal, os documentos se apoiam sobre duas ideias essenciais: “continuar” com as políticas em curso, no caso do candidato do PL, e “reconstruir” políticas interrompidas, no caso do petista.
“Vamos juntos pelo Brasil – compromissos para a reconstrução e transformação do país”, é o título do programa da chapa de Lula com o ex-governador de São Paulo e ex-tucano Geraldo Alckmin, hoje no PSB. O PT concorre aliado a PCdoB e PV, numa federação que está coligada com outras sete siglas : com PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante, Agir e Pros.
O programa de Bolsonaro, por sua vez, repete o nome do plano apresentado por ele na candidatura vitoriosa de 2018, “Caminho da prosperidade”, e acrescenta o subtítulo “ construindo uma grande nação”, para dizer que o programa “complementa e dá continuidade” às políticas em curso. Em 2022, Bolsonaro montou chapa com o general da reserva Walter Braga Netto, que foi seu ministro da Defesa, e fechou aliança com o PP e o Republicanos.
Neste texto, o Nexo organiza em sete chaves o que de concreto Lula e Bolsonaro apresentam em seus programas sobre temas que pesquisas de opinião pública e atos populares recentes apontam como prioritários para os eleitores brasileiros.
Enquanto Bolsonaro promete “prosseguir com o reordenamento do papel estatal na economia, por meio de desestatizações e desinvestimentos de empresas estatais”, Lula fala em “superar o modelo neoliberal que levou o país ao atraso”, assim como em “recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais (…) no processo de desenvolvimento econômico e progresso social”.
Dessa forma, Lula afirma ser contrário à privatização da Eletrobras, que está em curso, assim como às ambições do governo atual de privatização dos Correios e da Petrobras. O petista também defende a revogação do teto de gastos — estabelecido em 2016 e já estourado diversas vezes por Bolsonaro —, e a criação de “um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”,s ao mesmo tempo em que “possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”. O atual presidente, por sua vez, não fala diretamente sobre o teto no programa apresentado ao TSE.
A seguir o Nexo destrincha as promessas de cada um no campo econômico.
BOLSONARO
Defende o estímulo ao empreendedorismo, a necessidade de se “retirar da população o peso do Estado de seus ombros” e a preservação da reforma trabalhista realizada em 2017, de modo a “facilitar as contratações, desburocratizar e desregular as normas para favorecer a criação de empresas”. Num segundo mandato, ele afirma que o governo vai se concentrar “na redução da taxa de informalidade, ainda na casa de 40% da força de trabalho”.
LULA
Propõe, para gerar empregos, “a retomada dos investimentos em infraestrutura e em habitação; a reindustrialização nacional em novas bases tecnológicas e ambientais e a reforma agrária”, entre outros pontos. Também fala em apoio “ao cooperativismo, ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas”. Diz que irá propor “a partir de ampla negociação”, uma nova legislação trabalhista “de extensa proteção social”. Ele cita, por exemplo, o restabelecimento do acesso gratuito à Justiça do Trabalho, derrubado em 2017.
BOLSONARO
Afirma que “um dos compromissos prioritários do governo reeleito será a manutenção do valor de 600 reais para o Auxílio Brasil a partir de janeiro de 2023”.
LULA
Promete um programa Bolsa Família “renovado e ampliado”, que deve viabilizar, de forma progressiva, um futuro “sistema universal e uma renda básica de cidadania”.
BOLSONARO
Promete respeito ao regime de metas da inflação e manutenção da independência do Banco Central (que controla a inflação por meio da política de juros), estabelecida em lei em 2021. Para o presidente, um ajuste fiscal que reduza o peso da dívida pública sobre o PIB (Produto Interno Bruto) também contribuirá para a redução da inflação, atualmente fora da meta .
LULA
Defende medidas mais ativas do governo para segurar a inflação: alteração da política de preços da Petrobras (“que considere os custos nacionais e que seja adequada à ampliação dos investimentos em refino e distribuição”), políticas setoriais para induzir o aumento da produção de bens escassos no mercado internacional, uso de estoques reguladores pelo governo federal, financiamento dos pequenos agricultores que produzem alimentos e atuação sobre a taxa de câmbio.
BOLSONARO
Defende “simplificar a legislação e reduzir a carga tributária”, inclusive para facilitar a abertura comercial do país. Ele afirma que, num segundo mandato, pretende voltar a trabalhar para que o Congresso aprove a proposta do governo de aumentar a faixa de trabalhadores que ficam isentos do Imposto de Renda.
LULA
Propõe uma reforma que simplifique e reduza a tributação sobre o consumo (que atinge em maior proporção a renda dos mais pobres) e aumente as cobranças sobre a renda dos muito ricos, combatendo também a sonegação fiscal. Também fala em “aperfeiçoar a tributação sobre o comércio internacional” e em “desonerar, progressivamente, produtos de maior valor agregado”.
O programa lulista fala em “restabelecer” os instrumentos de combate à corrupção, “reabrir” o governo e “resgatar” a transparência, destacando que, durante os governos petistas, órgãos de fiscalização e controle como a Polícia Federal, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a Receita Federal foram fortalecidos, e a CGU (Controladoria-Geral da União) foi criada.
Numa provável referência à Operação Lava Jato, que levou Lula à cadeia, o documento afirma que um futuro governo Lula “vai assegurar” que o combate à corrupção respeite as regras legais, “de modo a impedir a violação dos direitos e garantias fundamentais e a manipulação política”. Não ficou claro como o Executivo federal agiria para assegurar esse comportamento do sistema de Justiça.
Já o programa bolsonarista enumera ações tomadas pelo governo na esfera da integridade, mas não menciona as intervenções de Bolsonaro em órgãos como a Polícia Federal , o Coaf e a Receita Federal .
Bolsonaro propõe, num segundo mandato, “a implementação da Estratégia Federal de Integridade Pública”, instituída durante seu governo para articular as políticas de integridade dos órgãos federais. Também propõe um estudo sobre regras de transparência para os “beneficiários finais” de recursos públicos, sem especificar quem seriam essas pessoas ou entidades.
Nenhum dos dois programas deixa claro como será o processo de escolha do futuro procurador-geral da República, cargo responsável por investigar e processar tanto o presidente e seus ministros quanto senadores e deputados federais. Diferentemente de Lula, Bolsonaro optou por escolher para a cadeira um nome que não estava na lista tríplice feita pelo próprio Ministério Público Federal, Augusto Aras. Desde 2019, Aras vem atuando como aliado do presidente , engavetando dezenas de indícios de crimes por parte das mais altas autoridades do país.
Lula aposta em potencializar o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), o sistema de integração de forças policiais e secretarias de segurança aprovado pelo Congresso em 2018, durante o governo Michel Temer, e deixado em segundo plano no governo Bolsonaro. Também falou no programa em implementar as “Diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos policiais ”, editadas pelo governo Lula em 2010. Na prática, o petista propõe para a esfera federal:
Bolsonaro, por sua vez, não menciona o Susp em seu programa de governo, mas fala em “coordenação entre as instituições federais e os órgãos estaduais e municipais”. Ele também promete blindar juridicamente policiais que matem em serviço, além de ampliar a política armamentista em curso , que já fez disparar o número de armas registradas no país. Na prática, as propostas do candidato do PL são:
Em termos de propostas concretas, além da valorização do SUS (Sistema Único de Saúde) como rede pública de atendimento universal, Lula defende “a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular, bem como a reconstrução e fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde”.
O programa Mais Médicos, lançado pelo governo da petista Dilma Rousseff, contratou em parceria com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) médicos cubanos para atuar em lugares longínquos do país, sem exigir a revalidação de diplomas no Brasil. Contrário à iniciativa, Bolsonaro alterou a estrutura dela e propôs substituí-la pelo Médicos pelo Brasil, que só saiu do papel em 2022 . Lula não deixa claro, porém, sob que forma o Mais Médicos seria retomado, nem se seriam feitas parcerias com governos estrangeiros.
Bolsonaro, por sua vez, cita diversos programas federais em curso, inclusive alguns que são legados de governos passados. O atual presidente também afirma a necessidade de se aprimorar o SUS, mas, diferentemente de Lula, fala em “ampliar e melhorar a articulação entre os setores público e privado (complementar e suplementar)”.
Aparecem com destaque no programa iniciativas para a digitalização do serviço de saúde criadas por governos anteriores, como o Cartão Nacional de Saúde da gestão Fernando Henrique Cardoso, para cadastro e acompanhamento de pacientes, o Programa Telessaúde Brasil Redes da gestão Luiz Inácio Lula da Silva, para facilitar o acesso às consultas, e o aplicativo Conecte SUS, lançado no governo Dilma Rousseff sob o nome de Cartão SUS Digital.
O programa de Lula considera que “o projeto democrático de educação foi desmontado e aviltado”, destacando que o fortalecimento da educação deverá ocorrer “da creche à pós-graduação”. O texto ressalta que o ensino deve ser “socialmente referenciado”, laico (desvinculado de orientações religiosas) e inclusivo.
Já o programa de Bolsonaro afirma que “serão priorizados os investimentos e ferramentas na Educação Básica”. Segundo o texto, o ensino deve se orientar pelas demandas do mercado de trabalho e formar alunos que exerçam pensamento crítico “sem conotações ideológicas” Na visão de Bolsonaro sobre a educação, existe no Brasil uma “violência institucional contra crianças e adolescentes” que precisa ser combatida “sob a premissa de que são os pais os principais atores na educação das crianças”, e não o poder público.
Ambos os candidatos falam nas necessidades de articulação entre todos os níveis federativos (União, estados e municípios), de atenção especial aos alunos que tiveram algum tipo de defasagem no ensino em razão da pandemia e de valorização dos professores.
Para Lula, que conseguiu quedas expressivas do desmatamento nos seus governos, a “completa omissão do governo atual” agrava um modelo predatório de exploração e produção que coloca ecossistemas em risco e precisa ser superado. O petista afirma que se compromete “com o destravamento do potencial econômico e social da economia da biodiversidade”, se referindo ao desenvolvimento de ciência e inovação a partir dos recursos dos biomas brasileiros.
O ex-presidente promete “combate implacável” ao crime ambiental “promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei”. Promete também promover o reflorestamento dos biomas, de modo que o Brasil apresente “desmatamento líquido zero” (isto é, que o desmate, mesmo que legal, seja compensado pela recomposição de áreas degradadas), sem no entanto especificar que instituições ou programas serão mobilizados para isso.
Bolsonaro traz outras prioridades na área do meio ambiente, destacando temas como a soberania nacional sobre a Amazônia e ponderando que as iniciativas de preservação devem ser “coerentes, realistas e socioeconomicamente viáveis”. Ele defende que “todo brasileiro possa ter garantido seu desenvolvimento (…) através da utilização racional dos recursos naturais”, inclusive por meio de atividades como “pecuária, agricultura e mineração”, entre outras citadas. Também defende “regularização fundiária e a concessão de florestas para a iniciativa privada” como meios de “exploração racional e sustentável da Amazônia”.
Após quatro anos sendo cobrado por números recordes de devastação ambiental e negando a credibilidade de dados registrados por órgãos federais como o renomado Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o presidente diz também que o país precisa “desenvolver metodologias que consolidem as bases de dados e harmonizem os resultados”, uma vez que, segundo ele, os dados ambientais “podem ser extremamente díspares” a depender da metodologia e da tecnologia empregadas.
Bolsonaro afirma em seu programa de governo que são “valores caros aos brasileiros”: “eleições livres e transparentes; liberdade de associação; de opinião e de imprensa; segurança jurídica; igualdade e respeito aos poderes constituídos e sua independência constitucional”.
Para Lula, no entanto, a soberania e a democracia nacionais “vêm sendo constantemente atacadas pela política irresponsável e criminosa do atual governo”, que já falou abertamente em atropelar a Constituição, em fechar Poderes, em não realizar eleições e em não acatar o resultado eleitoral.
O petista se compromete com “diálogo permanente e respeitoso entre os poderes da República e entre os entes da Federação” e afirma “repudiar qualquer espécie de ameaça ou tutela sobre as instituições representativas do voto popular e que expressam a Constituição”.
Os dois candidatos defendem em seus programas liberdades individuais garantidas pela Constituição, como a liberdade religiosa. No próprio texto eles discordam, no entanto, quanto à liberdade de expressão, tema de inquéritos em curso no Supremo contra o atual presidente.
Enquanto Bolsonaro fala em “estimular e garantir” a liberdade de expressão, destacando que isso deve ocorrer “inclusive nas redes sociais”, Lula defende ser preciso “coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio”. Para isso, o petista fala em “fortalecer a legislação, dando mais instrumentos ao Sistema de Justiça para atuação junto às plataformas digitais”.
Nesse campo, Lula menciona um ponto não citado por Bolsonaro: a concentração dos veículos de mídia, um tema que já causou polêmicas em eleições anteriores. Sobre isso, o ex-presidente afirma ser necessário “um amplo debate no Legislativo” para regulamentar a comunicação no país, como previsto na Constituição, de forma a garantir “pluralidade, diversidade e democratização do acesso aos meios de comunicação”.
“Atuaremos para que o Brasil volte a ser considerado um país no qual o livre exercício da atividade profissional do jornalismo seja considerado seguro, onde a violência contra jornalistas, meios de comunicação, comunicadores e todos os profissionais de imprensa sejam coibidas e punidas”, consta no plano de Lula.
“Os indivíduos e os órgãos de imprensa têm liberdade para investigar, divulgar e opinar sobre fatos de interesse próprio e da sociedade”, é o que está no texto de Bolsonaro.
ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto afirmava que o Cartão Nacional de Saúde, o Programa Telessaúde Brasil Redes e o Conecte SUS são iniciativas do governo Jair Bolsonaro. Na verdade, eles foram criados em governos anteriores. A informação foi corrigida no dia 26 de agosto de 2022, à 0h08.
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