As ações do TSE para evitar tumulto e violência na eleição
Malu Delgado
25 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)Justiça Eleitoral proíbe uso de celular em cabine e estuda restringir porte de armas em dia de pleito, enquanto entidades da sociedade civil alertam para riscos por armamento da população e politização de polícias
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Foto de arma em urna eletrônica tirada na eleição de 2018
Os eleitores brasileiros não poderão entrar nas cabines de votação, nas eleições de 2022, com aparelho celular. Os juízes eleitorais poderão solicitar, em casos excepcionais e com fundamentação, a instalação de detectores de metais nas seções eleitorais. Essas duas decisões foram tomadas na quinta-feira (25) pelo plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A corte eleitoral analisa ainda a possibilidade de restringir, por resolução, o porte de armas na véspera e nos dias de eleição.
A Justiça Eleitoral brasileira tem adotado uma série de medidas para reduzir os riscos de episódios violentos na véspera e no dia do pleito, garantir a normalidade da disputa, o sigilo do voto e a credibilidade do resultado das urnas eletrônicas. Além da preocupação com a integridade física dos eleitores e dos candidatos, o TSE também lançou ações em defesa da eficácia e lisura do sistema eletrônico de votação, que tem sido alvo de ataques infundados e constantes do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores.
Neste texto, o Nexo lista algumas das razões que fundamentam o temor iminente do TSE com atos violentos e que possam gerar instabilidade política nas eleições de 2022. Traz, ainda, a análise de especialistas em segurança pública sobre os riscos potenciais de confrontos armados motivados por divergências políticas.
A decisão do TSE tomada na sessão de quinta-feira (25) sobre o uso de celulares tem como objetivo evitar coação e garantir o sigilo do voto, explicou o presidente da corte, Alexandre de Moraes. Segundo o ministro, a preocupação com uso de celulares foi levada ao TSE pelos comandantes das polícias, por serem uma ferramenta que favorece o tumulto. Pela nova regra, o eleitor deve deixar o aparelho e o documento de identificação em posse dos mesários.
Nas eleições passadas, o TSE permitiu o porte de celular na cabine, desde que desligado. No entanto, os mesários não podem verificar se o aparelho é acionado na hora da digitação na urna, pois o voto é inviolável. As redes sociais comprovaram que a regra do celular desligado foi ignorada. Houve uma disseminação de fotos e vídeos de eleitores de Bolsonaro segurando armas ao lado das urnas. O TSE chegou a abrir uma investigação em 2018.
Moraes citou 3 cenários em que o uso do celular – a utilização é crime eleitoral – é preocupante:
Sobre este último exemplo, Moraes exemplificou: “Digita o número não existente ou que seria de presidente para deputado, aí não aparece número, não aparece rosto, e monta um vídeo para indicar que houve um problema nas urnas eletrônicas”. A situação foi registrada na eleição de 2018 e compartilhada como desinformação.
Várias entidades da sociedade civil e ONGs têm manifestado receios de atos violentos e ataques ao Estado de Direito. Essa avaliação foi levada ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes, numa reunião, na terça-feira (23). Um dos pedidos das entidades diz respeito à restrição do porte de armas de civis, na véspera e no dia do pleito. A medida está sendo analisada por Moraes.
“Vivemos um momento histórico de muito acirramento no debate público. Essa não é uma situação nova, é fruto das crises institucional, política e econômica que enfrentamos pelo menos desde 2015. Mas há um elemento novo nesse cenário: a expansão da política de liberação de armas”, afirmou ao Nexo a socióloga Maria Isabel Couto, diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado.
Segundo ela, o afrouxamento das leis de porte propostas no atual governo “não foi acompanhado de novos mecanismos de regulação e controle, muito pelo contrário”.
674 mil civis
têm armas com registro de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) no Brasil
Esse número, segundo dados da ONG Fogo Cruzado, com base em registros oficiais, era de 117 mil em 2018. “O aumento da circulação de armas foi exponencial. Há mais civis armados do que no efetivo de PMs no país, e militares em serviço nas Forças Armadas. Então, sim, há risco real”, disse a especialista. De acordo com o Instituto Sou da Paz, há uma média de 25 mil registros por mês. A ONG trabalha com a estimativa de que, no dia da eleição, haja 800 mil civis armados.
Maria Isabel Couto recorda o assassinato do tesoureiro do PT no Paraná , Marcelo Arruda, durante sua festa de aniversário. Ele foi morto pelo policial federal Jorge Guaranho, que se declara eleitor de Bolsonaro. “E esse não é um caso isolado. Ontem mesmo o Fogo Cruzado mapeou um homem dando tiros em direção a um apartamento na Ilha do Governador no Rio de Janeiro, porque os vizinhos reclamaram do som alto. É nesse clima que ocorrerão as eleições. Retirar armas de circulação nesse dia específico é uma decisão de bom senso para não expor a população a uma possível tragédia”, disse a diretora.
O incentivo ao porte de armas tem sido uma política do governo Bolsonaro. Desde a sua posse, o governo publicou decretos para flexibilizar o porte e a posse de armamentos. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal. Em abril de 2021, a ministra Rosa Weber suspendeu trechos de quatro decretos do Executivo, em caráter liminar, em ações que questionam a constitucionalidade das medidas propostas pelo governo Bolsonaro.
Uma delas, considerada grave por especialistas em segurança pública e ONGs do setor, é a retirada do Comando do Exército do controle da aquisição e o registro de armamentos e equipamentos. Além disso, o governo havia permitido, por decreto, o porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadãos; a prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos de idade completos; dispensa de prévia autorização do Comando do Exército para que os CACs possam adquirir armas de fogo, entre outras medidas.
O julgamento do caso no Supremo, no entanto, foi suspenso a pedido do ministro Kassio Nunes Marques. O ministro indicado por Bolsonaro pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar as ações. Há 10 meses se aguarda uma decisão definitiva sobre os decretos de armas pelo Supremo.
Isabel Figueiredo, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse ao Nexo que, diante da imobilidade do Supremo e do Congresso para debater o efeito dos decretos de posse de armas, uma decisão do ministro Alexandre de Moraes com restrição de porte na eleição é bem-vinda.
“Isso é necessário pelo acirramento político em geral, no país. E já está comprovado que o Exército não tem nenhum controle.” Figueiredo, que já ocupou o cargo de diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública no Ministério da Justiça (2011-2015), cita as investigações recentes, publicadas em reportagens, mostrando como organizações criminosas estão adquirindo armamentos usando, como laranjas, registros de CACs. “O crime tem comprado armas legalmente”, sustenta a advogada.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, recebeu os comandantes de polícias militares dos estados na quarta-feira (24), para debater medidas de segurança preventivas. O TSE e o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares assinaram um termo de cooperação para que sejam compartilhadas informações e relatórios de segurança antes e durante a votação.
Desde que uma ruptura institucional, com a negativa de Bolsonaro em aceitar o resultado do pleito, deixou de ser apenas uma ameaça e passou a ser considerada pelas instituições brasileiras como uma possibilidade real , a adesão tanto das Forças Armadas quanto da Polícia Militar a uma iniciativa golpista passou a ser mais seriamente mapeada.
Bruno Langeani, advogado e gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, pontua que as entidades da sociedade civil consideram “a infiltração política nas polícias” um componente de risco para as eleições.
“Temos visto pesquisas recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrando uma adesão muito grande de policiais militares ao bolsonarismo e teorias de conspiração sobre as urnas eletrônicas tiveram uma penetração muito forte dentro destes grupos”, afirmou ao Nexo . A pesquisa à qual ele se refere foi divulgada em setembro de 2021 e revelou o crescimento da adesão de policiais militares a teses mais extremistas do bolsonarismo, entre elas o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.
Outro dado divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que entrou no radar foi o aumento de 27% das candidaturas de policiais neste pleito, em comparação com 2018. Trata-se do maior número de candidatos oriundos de forças de segurança nos últimos 20 anos, como revelou essa reportagem do Valor Econômico. Só no PL, partido de Bolsonaro, há 35 candidatos a deputado federal que se identificaram como policiais militares ou civis.
Esse alto índice de politização derrubou o comandante da Polícia Militar de São Paulo, Aleksander Lacerda. Ele foi afastado por indisciplina, em agosto de 2021, após ter feito um post nas redes sociais em favor de Bolsonaro e pedindo o impeachment de Alexandre de Moraes. O regulamento da Polícia Militar veda a participação ou promoção de atos político-partidários. O substituto, coronel Ronaldo Miguel Vieira , 51, nomeado pelo governador Rodrigo Garcia (PSDB), avisou que não vai tolerar manifestações políticas dos militares na ativa. “Política, só fora do quartel.”
O diálogo do TSE com o comando das polícias é crucial, na opinião da socióloga Maria Isabel Couto. “Há maneiras de garantir que as eleições transcorram de maneira segura e há tempo para que essas medidas sejam tomadas. É importante privilegiar ações de inteligência, garantir restrições para circulação de armas e estimular a população a participar do processo democrático com respeito e cautela”, disse.
Outro indicador que é citado por especialistas em segurança pública como preocupante é o crescimento dos casos de violência política no Brasil. Estudos conduzidos nos últimos dois anos mostram que lideranças políticas têm sido cada vez mais alvo de ataques.
O Observatório de Violência Política e Eleitoral da UniRio mapeou 1.209 ataques contra políticos, de janeiro de 2019 a junho de 2022. Neste ano, 45 lideranças políticas foram assassinadas. O monitoramento apontou um crescimento de 335% dos casos de violência nos últimos 3 anos.
“Estamos muito preocupados com os dados gerais mostrando aumento de violência política nas últimas eleições”, afirma Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para a advogada, a expectativa das ONGs do setor é que as eleições não transcorram em clima de tranquilidade, como no passado. Por isso, ela considera medidas preventivas necessárias e urgentes, com antecipação de cenários.
Isabel Figueiredo vê com temor as afirmações de Jair Bolsonaro que, segundo ela, saíram da retórica do porte das armas como legítima defesa para um discurso de “resistência”.
“Quero que todo cidadão de bem possua arma de fogo para resistir, se for o caso, à tentação de um ditador de plantão”, afirmou o presidente ao participar de ato político em uma feira agrícola, em maio de 2022. O presidente já disse também que “um povo de bem armado jamais será escravizado”.
Diante deste cenário, também na quarta-feira (24) nove organizações da sociedade civil brasileira pediram proteção internacional para juízes e mesários que vão trabalhar nas eleições de 2022. O grupo quer que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), acompanhe o pleito no Brasil e que faça declarações contundentes em defesa de eleições pacíficas.
“Somado a tudo isso o presidente faz um discurso de desmoralização das urnas eletrônicas, um discurso violento contra opositores. [A restrição do porte de armas] é medida imprescindível para lidar com essa nova realidade”, concluiu Bruno Langeani, do Sou da Paz.
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