O saldo das sabatinas dos candidatos no Jornal Nacional
Malu Delgado
26 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h40)Entrevistas batem recorde de audiência e mobilizam redes. Especialistas em ciência política e marketing eleitoral analisam ao ‘Nexo’ se Lula e Bolsonaro conseguiram furar a bolha e atingir eleitores indecisos
Temas
Compartilhe
Pessoas assistem à sabatina de Lula no Jornal Nacional em um bar no Rio de Janeiro
Pela expressiva audiência e mobilização que provocaram nas redes sociais, as sabatinas com os candidatos à Presidência da República promovidas pelo Jornal Nacional da TV Globo entre os dias 22 e 26 de agosto foram o grande marco da disputa eleitoral de 2022 até o momento.
Mais de 40 milhões de brasileiros assistiram às entrevistas do presidente Jair Bolsonaro (PL), na segunda-feira (22), e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na quinta-feira (25), de acordo com dados do Kantar Ibope , que mede a audiência, divulgados por blogs especializados. Nos dois casos, as sabatinas levaram a maior emissora de televisão do país a bater recordes de audiência em toda a grade de programação de 2022, de janeiro até agora.
A média de audiência de Bolsonaro atingiu 32,6 pontos e a de Lula, 32,4, de acordo com informação do Observatório da TV , do UOL. A entrevista com os candidatos teve audiência próxima à da novela Pantanal, fenômeno mais recente da Globo. Além dos dois líderes nas pesquisas, também foram entrevistados os candidatos Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
As entrevistas de Bolsonaro e Lula superaram a de Ciro , que ficou com a média de 29,2 pontos. Esses números ainda não são oficiais, e foram antecipados por jornalistas especialistas em TV. Como a sabatina de Tebet foi a última, na sexta-feira (26), os dados não tinham sido divulgados até a publicação deste texto.
Neste texto, o Nexo mostra como as sabatinas mobilizaram as redes sociais do país e traz análises de cientistas políticos e especialistas em marketing político-eleitoral sobre o desempenho dos principais candidatos, cujos votos estão bastante cristalizados. Eles avaliam que Lula foi mais capaz do que Bolsonaro de “furar a bolha” e passar mensagens para além de seus eleitores já declarados.
O cientista político e sociólogo Antonio Lavareda considera que as sabatinas no Jornal Nacional funcionaram como uma espécie de reality show. Segundo ele, a televisão é “perfeita” para as campanhas eleitorais exatamente por combinar jornalismo, novela, esporte (“é uma competição”) e entretenimento.
Na opinião de Lavareda, é preciso analisar os desempenhos de Bolsonaro , Lula e Ciro e Tebet em perspectiva. Os líderes nas pesquisas, na opinião de Lavareda, tiveram um saldo positivo, considerando o cenário possível. A performance do petista, classificou ele, foi “ótima”; a de Bolsonaro, “boa”, a de Ciro, “muito boa”, e a de Simone Tebet, “regular”.
“Bolsonaro teve um bom desempenho, porque não se esperava dele que contivesse sua raiva vulcânica. Ele se saiu bem. Chegou até a produzir algumas frases bem-humoradas. Ciro, o campeão da loquacidade, estava num momento excepcional de verbalizar propostas e soluções, numa velocidade vertiginosa. Saiu-se muito bem. Lula foi ótimo”, disse ao Nexo .
Já a senadora Simone Tebet, afirmou Lavareda, teve o azar de ser entrevistada após os três melhores colocados nas pesquisas e, entre os candidatos, é a que tem menos a mostrar no currículo, por sua trajetória. “O modelo dela é – como ela mesma disse – é Presidente-Prefeita. Bolsonaro e Lula exibem currículos presidenciais. Ciro, de governador do Ceará; ela, prefeita de Três Lagoas. Teve a pouca sorte de vir após os três”.
Há duas razões, segundo Lavareda, que explicam o desempenho destacado de Lula: em primeiro lugar, o ex-presidente foi confrontado com questões delicadas, como a corrupção. “Lula desenvolveu um posicionamento convincente, equilibrado, bem-humorado, e acrescentou, além de tudo isso, dois ingredientes: fez um resgate de suas realizações como presidente por oito anos, lembrando a todo tempo que foi o melhor presidente do Brasil [ele deixou o cargo com 83% de popularidade]”, disse.
Além da “disputa de medalhas”, em que lembrou a boa situação do PIB brasileiro em 2010 quando terminou o segundo mandato e os programas sociais que implementou em oito anos, o petista, aponta o analista,“fez isso com entusiasmo e de forma muito positiva”. A despeito de ser o candidato à Presidência mais velho do Brasil, com 76 anos, Lula trouxe, na opinião de Lavareda, um elemento “rejuvenescedor”, mostrou disposição para encarar os desafios futuros, se eleito.
Renato Dorgan, proprietário do Instituto Travessia Estratégia e Marketing, especialista em pesquisas eleitorais qualitativas, também pontua que “Lula volta ao jogo 16 anos depois, passando o magnetismo de um político profissional e uma sensação positiva, de segurança”.
“Lula é o último político de envergadura da época da reabertura [pós-ditadura militar]. Ele discutiu a política, durante a sabatina no Jornal Nacional, e não costumes, factóides. Falou de gestão, do que é ser presidente, de crises políticas. Acho que ele cristalizou o eleitor dele. Se fosse em 1987, possivelmente teria ganho a eleição ontem”, ponderou Dorgan, lembrando que os tempos são outros e que os efeitos da televisão são combinados com o mundo das redes sociais.
Empresas especializadas em medir interações nas redes sociais divulgaram dados que mostram que as menções à sabatina do petista extrapolaram seu círculo tradicional de apoiadores. “As interações foram além do cluster petista mais atuante nos temas de política nas redes”, afirmou ao Nexo o cientista social e pesquisador do Cepesp/FGV Leonardo Barchini, da Consultoria Arquimedes.
Enquanto no dia de sua entrevista Bolsonaro obteve 1,55 milhão de menções no Twitter em língua portuguesa, Lula teve um desempenho melhor, com 2,25 milhões menções no dia 25, de acordo com a consultoria que faz análise de mídias sociais.
Só que a diferença entre as menções, ainda que ambas tenham sido expressivas, é “acachapante”, diz Barchini: no caso de Lula, 77% foram de reações positivas e 23% contrárias e críticas; já para Bolsonaro, 70% das reações foram negativas. O analista conclui que as redes deram indicativos de que Lula conseguiu alcançar eleitores para além de seus simpatizantes habituais, enquanto para Bolsonaro o jogo ficou no “zero a zero”.
“É difícil vaticinar que indecisos vão votar nele depois do Jornal Nacional, porque é muito difícil ver isso especificamente na rede. Mas a análise é um quebra-cabeças, juntando a coleta nas redes, comentários das notícias, clusterização do debate. A rede é uma caixa de ressonância que vai mostrando caminhos”, observou Barchini. “No caso do Bolsonaro, no Twitter ele não extrapolou sua bolha ativista. Isto é, perfis, digamos, não fanáticos, ainda que eventualmente votem no Bolsonaro, preferiram não se manifestar defendendo-o nas redes”, concluiu.
O monitoramento feito por pesquisadores da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (Fundação Getulio Vargas), compartilhado com o Nexo , também aponta que as menções a Lula no Twitter (2,8 milhões) superaram as de Bolsonaro (2,5 milhões). Segundo o texto do relatório, “a base de apoio bolsonarista apresentou uma capacidade de engajamento significativamente mais fraca em comparação à base petista e apoiadores de Lula durante a entrevista do candidato”. Enquanto os temas economia, educação e meio ambiente trouxeram menções mais favoráveis a Lula, o petista foi bastante criticado pela direita quando os temas passaram por corrupção e segurança.
As menções mais negativas para Bolsonaro, de acordo com o monitoramento da Escola de Comunicação da FGV, foram referentes a saúde, quando o presidente negou ter feito imitações de pessoas com falta de ar , vítimas da covid-19. A recusa de Bolsonaro em demonstrar arrependimento foi alvo de comentários acalorados, segundo o estudo.
Em pesquisas qualitativas que conduziu após as entrevistas de Bolsonaro e Lula, Renato Dorgan afirma ter captado que, no caso do mandatário, tanto bolsonaristas quanto antibolsonaristas assistiram à entrevista. Já no dia da entrevista de Lula, como há uma tensão com a Rede Globo entre os eleitores de Bolsonaro, “quem assistiu foram os indecisos ou os eleitores do petista”.
O fato de tanto eleitores de Bolsonaro quanto seus críticos terem acompanhado a sabatina do presidente pode explicar a audiência maior, segundo Dorgan. “Existe uma enorme resistência à TV Globo no eleitorado bolsonarista”, justificou. “Bolsonaro não perdeu nem ganhou. Foi uma disputa de torcidas”, concluiu o estrategista.
Enquanto a eleição presidencial de 2018 foi uma “eleição atípica, disruptiva, com altíssimo grau de tensão, crise econômica, polarização ideológica que quebrou a polarização vigente em duas décadas entre PSDB e PT”, a disputa de 2022 volta a certos parâmetros da normalidade, salienta Antonio Lavareda. Normalidade, explica ele, no sentido clássico da literatura da ciência política.
“O que é normal? Uma eleição travada entre as forças políticas ‘tradicionais’, as forças que estão no tabuleiro político”, explica. Se Bolsonaro se elegeu com o discurso de outsider em 2018, em 2022 o presidente será cobrado por sua gestão. Além disso, Bolsonaro, segundo Lavareda, é hoje um “candidato normalizado”. “Ele agora vestiu o figurino de candidato tradicional, com muito dinheiro do fundo eleitoral, um partido grande, uma coligação grande.”
Neste sentido, o especialista em marketing, Renato Dorgan, considera que falta a Bolsonaro a compreensão ampliada da política e da gestão. “Ele não é um político nato como o Lula. Ele discute como um cidadão, não como um político, mas isso mostra fragilidade. Num momento de crise econômica, pós-pandemia, o eleitor olha para um líder como ele e pensa: esse cara não vai me tirar do buraco.”
Dorgan acredita que Bolsonaro se comunica muito bem com as camadas médias que já gostam dele. Já para o eleitor indeciso, que é uma fatia bem pequena do eleitorado, “o vazio de ideias” não basta. As perguntas feitas a Bolsonaro no Jornal Nacional, na opinião do analista, foram fortes e ele não mostrou “domínio da situação”.
O eleitor das classes D e C, onde está um naco expressivo dos indecisos, sustenta Dorgan, normalmente opta por votar em candidatos que mostrem segurança, possibilidade de resolver problemas. “A massa gosta de votar em um protetor. Neste sentido, Bolsonaro aparece mais como o amigão. Lula, como um pai. Para o eleitor indeciso, o discurso de Bolsonaro não foi bom.”
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
Navegue por temas