Expresso

Como o acordo UE-Mercosul aparece nas eleições brasileiras

Marcelo Roubicek

29 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Bolsonaro menciona tema ao defender política ambiental no ‘Jornal Nacional’. Já Lula diz que pode rediscutir o tratado, que está praticamente paralisado desde 2019

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FOTO: MIKE BLAKE/EDGARD GARRIDO/REUTERS

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

O acordo comercial assinado em 2019 entre Mercosul e União Europeia – blocos de países da América do Sul e da Europa, respectivamente – é tema das eleições presidenciais brasileiras de 2022. Apesar de assinado, o tratado está travado por causa de disputas sobre compromissos ambientais do Brasil.

Países europeus criticam a política de proteção ambiental de Jair Bolsonaro e resistiram por anos a ratificar o documento. Mas problemas ligados à pandemia e à guerra na Ucrânia levaram as conversas a avançarem em 2022 – algo que tem sido usado como trunfo pelo presidente brasileiro em sua tentativa de reeleição. Por sua vez, o líder nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva, diz que pode reabrir discussões com os europeus se eleito.

Neste texto, o Nexo relembra o que é o acordo e mostra como ele aparece no discurso dos principais candidatos à Presidência da República em 2022.

O que é o acordo comercial

Os dois blocos assinaram em junho de 2019 um amplo acordo de livre comércio que vinha sendo negociado havia duas décadas. Ao abranger Mercosul e União Europeia, o acordo inclui cerca de 25% da economia global.

De forma resumida, o pacto reduz as barreiras tarifárias para o comércio internacional entre países dos dois blocos. Mas o documento não se restringe somente à questão das tarifas. Entre os pontos abordados estão:

  • Redução ou eliminação de taxas sobre produtos brasileiros, como suco de laranja e carne, e produtos europeus como maquinário e químicos;
  • Trâmite simplificado para exportações e importações, como menores exigências em barreiras sanitárias;
  • Maior concorrência nas licitações públicas, com possibilidade de participação de empresas dos países dos dois blocos;
  • Implementação do Acordo de Paris , com combate ao desmatamento e redução de emissão de gases do efeito estufa.

O texto estabelece que os países não poderão diminuir o nível de proteção ambiental para obter ganhos comerciais. Não há , no entanto, previsão de sanção para casos em que um país não age para impedir danos ao meio ambiente.

O governo brasileiro estima que o ganho econômico para o país pode ser de entre US$ 87,5 bilhões e US$ 125 bilhões em 15 anos. Isso ocorreria via aumento do comércio com a Europa e também investimento no Brasil.

Por que o acordo travou

Apesar de ter sido assinado em junho de 2019, o acordo comercial ainda não está valendo. Para entrar em vigor, a parte referente às relações comerciais precisa ser aprovada no Parlamento Europeu e nos países do Mercosul. O restante (a parte não tarifária) deve ser analisado e acatado por cada um dos países.

FOTO: JORGE SILVA/REUTERS – 29.06.2019

Lado a lado da esquerda para a direita: Emmanuel Macron, Pedro Sánchez, Angela Merkel, Donald Tusk, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri. Atrás, painel com os dizeres em inglês "Cúpula de Osaka 2019". Eles se preparam para foto oficial do encontro.

Na reunião do G20, Jair Bolsonaro ao lado de outros líderes. Da esq. para dir.: Emmanuel Macron (presidente da França), Pedro Sánchez (premiê da Espanha), Angela Merkel (premiê da Alemanha), Donald Tusk (presidente do Conselho Europeu) e Mauricio Macri (presidente da Argentina)

Após a assinatura, o tratado travou . O principal impasse diz respeito à questão do meio ambiente. Mais especificamente, à política ambiental do governo Bolsonaro.

O avanço acelerado do desmatamento na Amazônia e o desmonte das políticas de proteção ambiental – com esvaziamento de órgãos e discurso de minimização ou até negação dos problemas – fizeram com que países europeus bloqueassem o avanço do tratado .

Em outubro de 2020, o Parlamento Europeu se manifestou contra a ratificação do acordo – embora não tenha oficialmente votado contra a assinatura. A emenda simbólica aprovada pelos representantes dizia que “o acordo UE-Mercosul não pode ser ratificado na sua forma atual”.

Desde a assinatura do documento, diversos países sinalizaram contra ao acordo em sua forma original. Entre eles, estão Áustria e Holanda, que efetivamente rejeitaram a ratificação; e França , Alemanha , Bélgica, Irlanda e Luxemburgo, que colocaram em dúvida a continuidade das conversas.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 28.SET.2021

Vista aérea de um terreno com poucas árvores preservadas, e um quadrante de árvores queimadas

Área de floresta amazônica desmatada em Rondônia

Boa parte dos países europeus defendem que seja incluído no acordo um anexo que amplie os compromissos e exigências ambientais. O alvo desse anexo seria justamente o governo brasileiro – a iniciativa tem como pano de fundo a desconfiança com a administração de Bolsonaro no meio ambiente. O documento ainda não foi finalizado e entregue.

Entre outras fontes de impasse estão as críticas de países sul-americanos ao protecionismo europeu . Além disso, reportagem da CNN Brasil mostrou em 19 de agosto que a instabilidade econômica da Argentina e as eleições presidenciais no Brasil aparecem como outros obstáculos para avanço do texto em 2022. Isso sem falar em detalhes técnicos e burocráticos que também podem atrasar a tramitação, como a revisão legal do documento.

O que há de novo na discussão

O ano de 2022 teve como marco a eclosão da guerra na Ucrânia. A Rússia invadiu o país vizinho em 24 de fevereiro.

O conflito no leste europeu levou à disparada no preço de commodities – produtos primários com baixo valor agregado, como madeira, grãos, petróleo e outros. O acesso de países europeus a mercados de alimentos e commodities energéticas (como petróleo e gás natural) ficou restrito.

Nesse cenário, países-membros da União Europeia passaram a defender , nos bastidores, um avanço em tratados com outros blocos comerciais. Uma reportagem do portal Bloomberg mostrou em maio de 2022 que ao menos nove países , incluindo Alemanha e Espanha, passaram a defender o avanço de tratados de livre comércio. A França aparece como foco de resistência .

O argumento dos nove países é que os acordos podem reduzir a dependência de produtos vindos do leste europeu e diminuir a vulnerabilidade da economia do bloco no contexto da guerra. Entre os tratados citados estavam o documento assinado com o Mercosul em 2019.

FOTO: EDUARD KORNIYENKO/REUTERS – 07.JUL.2016

Plantação de trigo focada de perto. Ao fundo, uma máquina de colher passa pelo campo.

Plantação de trigo na região de Stavropol, na Rússia

Além da guerra na Ucrânia, a economia global ainda enfrenta problemas ligados à desorganização das cadeias de produção por causa da pandemia de covid-19.

Em 16 de agosto de 2022, a Reuters mostrou que representantes da União Europeia entraram em contato com o governo brasileiro para retomar as discussões e avançar com o acordo. De acordo com a agência de notícias, houve uma conversa preliminar entre as partes e uma reunião foi agendada para o fim de setembro para planejar uma agenda de encontros. A ideia é que o anexo com compromissos ambientais seja entregue até o final de 2022.

Como o acordo entra no discurso eleitoral de Bolsonaro

A retomada das conversas sobre o acordo tem sido usada como trunfo pelo governo Bolsonaro. E aparece também na campanha de reeleição do presidente, que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na sabatina de segunda-feira (22) no Jornal Nacional, da Rede Globo, Bolsonaro respondeu a uma pergunta sobre o aumento do desmatamento em seu governo com uma menção ao acordo Mercosul-União Europeia. “Hoje, o mundo vê o Brasil como um destruidor de florestas. O que o senhor vai fazer para mudar essa imagem?”, perguntou a jornalista Renata Vasconcellos.

“Primeiramente, ‘destruidor de florestas’ é uma mentira. Ninguém quer destruir floresta por livre e espontânea vontade. O acordo Mercosul-União Europeia estava travado. Com os problemas da guerra da Ucrânia e da Rússia, a União Europeia quer acelerar o acordo conosco para o Mercosul”, respondeu Bolsonaro.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro fala durante a cerimônia de lançamento do programa de crédito imobiliário no Palácio do Planalto em Brasília, Brasil, 20 de agosto de 2019

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro fala durante a cerimônia de lançamento do programa de crédito imobiliário no Palácio do Planalto em Brasília, Brasil, 20 de agosto de 2019

O acordo não aparece no programa de governo de Bolsonaro. O documento faz menção à ideia de desenvolvimento da economia e de relações comerciais “por intermédio de acordos bilaterais e multilaterais”. Um exemplo citado são as iniciativas para entrar na OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, grupo que reúne 38 dos países mais desenvolvidos do planeta.

Em junho de 2022, o chanceler brasileiro, Carlos França, havia dito à Agência Brasil que a adesão à OCDE irá ajudar a destravar o acordo com o bloco europeu.

Nos primeiros dias da campanha eleitoral, Bolsonaro também disse que os países europeus que criticam a política ambiental brasileira são os mesmos que procuram diálogo para avançar o acordo. “Lá eles estão com um problema sério. Começa a aparecer o fantasma do desabastecimento. Tanto é que a comunidade europeia quer acelerar conosco o nosso acordo com o Mercosul”, disse em 17 de agosto.

A assinatura do acordo em junho de 2019 foi anunciada à época como uma importante vitória do governo Bolsonaro no início do mandato.

Como o acordo entra no discurso de Lula

Lula, líder nas pesquisas e principal adversário eleitoral de Bolsonaro, também não faz menção direta ao acordo com a União Europeia em seu plano de governo .

O documento fala em “fortalecer novamente o Mercosul” e “estabelecer livremente as parcerias que forem as melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja. É trabalhar pela construção de uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais”.

FOTO: BUDA MENDES/GETTY IMAGES

Lula durante o evento de lançamento da sua pré-candidatura em São Paulo

Lula durante o evento de lançamento da sua pré-candidatura em São Paulo

Em atos de campanha, Lula chegou a falar sobre o tema. Na segunda-feira (22), disse em entrevista a jornalistas estrangeiros que pode rever o acordo Mercosul-União Europeia.

“O acordo não é válido porque não foi sequer concretizado em plenitude. O Brasil não é obrigado a concordar com um acordo que não respeita aquilo que é o desejo do Brasil. O que nós queremos é sentar com a União Europeia e discutir, em função das necessidades da União Europeia e nossas, os direitos que cada um tem”, disse o ex-presidente.

E ainda afirmou: “Acho que negociação tem que ser uma coisa em que todos ganham. Não pode ser uma coisa em que um ganha e o outro não ganha. O que nós queremos na discussão da Europa é não abrir mão do nosso interesse em nos reindustrializar”.

O argumento de Lula é que a redução de tarifas de importação de produtos manufaturados europeus pode prejudicar a indústria nacional. Isso porque as empresas brasileiras teriam de enfrentar uma concorrência maior de produtos europeus por causa da maior abertura comercial.

É possível, portanto, que Lula tente reabrir as negociações do acordo – em vez de complementá-lo com medidas em um anexo, como tem sido proposto por países europeus em 2022.

Outros candidatos

O candidato Ciro Gomes (PDT), que está em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, não fala sobre o acordo Mercosul-União Europeia em seu programa de governo. Aliás, não há uma seção sobre política externa.

Em 2019, quando o acordo foi originalmente assinado, Ciro publicou um texto nas redes sociais em que dizia que o tratado “ pode ser devastador ” para a indústria brasileira.

Simone Tebet (MDB), por sua vez, diz em seu programa de governo que pretende “consolidar e aprofundar o Mercosul” e promover acordos bilaterais e multilaterais. A candidata também diz que irá “formular e implementar plano de redução gradual de tarifas aduaneiras, eliminação de medidas não-tarifárias e negociações comerciais, com ênfase em acesso a mercados”, o que segue a mesma linha do acordo com a União Europeia.

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