Expresso

O teto de gastos vai acabar: a regra que foi de solução a problema

Marcelo Roubicek

27 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h45)

Medida de contenção de despesas foi driblada em diversos momentos. Candidatos falam em acabar com ela. O ‘Nexo’ relembra a trajetória da regra e mostra o que dizem os principais candidatos

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FOTO:SOPA IMAGES / COLABORADOR/GETTY IMAGES – 07.JUN.2021

Moeda de um real sobre notas de diferentes valores

Moeda de um real sobre notas de diferentes valores

O teto de gastos , vigente desde 2017, foi uma das principais medidas aprovadas no Brasil para tentar solucionar a crise das contas públicas a partir de meados da década de 2014. A regra limita as despesas do governo a um nível pré-determinado.

Sob Jair Bolsonaro (PL), o teto foi furado diversas vezes – algumas delas para adequar ao contexto de pandemia de covid-19, e outras para permitir que o governo gastasse mais em ano eleitoral . Economistas afirmaram ao Nexo no final de 2021 que a regra perdeu sua credibilidade , e que o estabelecimento de uma nova norma fiscal seria tema importante do mandato presidencial que se inicia em 2023.

Neste texto, o Nexo mostra como o tema aparece na agenda dos principais candidatos à Presidência da República – há praticamente um consenso de que será necessário mexer no arcabouço fiscal. Também explica por que o teto de gastos deixou de ser visto como uma solução para a crise brasileira, e por que passou a ser visto como obstáculo no governo Bolsonaro.

O teto de gastos nas eleições

LULA (PT)

Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas de intenção de voto, já indicou em diversos momentos da campanha que irá revogar o teto de gastos se eleito. No programa de governo entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o candidato diz que o teto é “disfuncional e sem credibilidade” e que irá propor “um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade. Ainda, que possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”. Segundo informações de bastidores publicadas por veículos de imprensa, o PT estuda uma regra fiscal que permita, de forma previsível , um aumento real de gastos a cada ano, possivelmente deixando algumas exceções, como investimentos . A promessa de acabar com o teto de gastos foi reafirmada no domingo (25), em ato no Rio de Janeiro. Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central que declarou apoio a Lula em 19 de setembro, disse ao jornal O Globo que irá conversar com o petista sobre o tema após as eleições.

BOLSONARO (PL)

Assim como a campanha de Lula, a equipe de Bolsonaro também avalia regras que possam substituir o teto de gastos a partir de 2023. De acordo com o jornal O Globo, a campanha do presidente considera a adoção de uma regra que permita gastos maiores em casos de receitas extraordinárias. Isso permitiria, por exemplo, vender estatais para bancar investimentos em infraestrutura ou com programas sociais. Em 20 de setembro, Guedes criticou a regra, dizendo que “ o teto foi mal construído ”. O ministro já havia dito que “há casos em que visivelmente o teto, apesar de ser um símbolo de austeridade, não funciona ”. O programa de governo de Bolsonaro diz que, em um eventual segundo mandato, ele “focalizará no aprimoramento do sistema de planejamento e orçamento público, com o objetivo de reduzir a rigidez do orçamento, aumentar a previsibilidade da execução e a transparência dos gastos públicos”.

CIRO GOMES (PDT)

Ciro Gomes é outro que critica abertamente o teto de gastos, chamando a norma de “ aberração ”. Ele afirmou em 13 de setembro que irá acabar com a regra. “Eu estou propondo acabar com o teto de gastos e mudar: diminuir os impostos sobre a população mais pobre e de classe média, diminuir os impostos na comida, na gasolina, no telefone, nos remédios e aumentar os impostos dos super-ricos”, disse. O candidato chegou a falar publicamente na possível adoção de uma regra de teto para a dívida pública , semelhante à que existe nos EUA. O programa de campanha do pedetista fala em “financiar políticas públicas mantendo o equilíbrio fiscal e a sustentabilidade das contas públicas”.

SIMONE TEBET (MDB)

Em seu plano de governo , Simone Tebet diz que irá “reorganizar as regras fiscais e torná-las executáveis, dando maior clareza, coerência e transparência aos indicadores das contas públicas”. Também afirma que irá “recuperar a confiança em políticas de controle de despesas, diminuindo a rigidez orçamentária” – ela fala em cortar gastos ineficientes para aumentar o espaço para políticas sociais. Publicamente, Tebet disse em mais de uma ocasião que pretende manter o teto de gastos, mas dando maior flexibilidade para investimentos e pagamento do Auxílio Brasil .

O que é o teto de gastos

O teto de gastos é a regra pela qual o governo não pode aumentar seus gastos reais em relação ao ano anterior. É um instrumento, portanto, para limitar o nível de despesas da União.

O teto não computa os repasses para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), créditos extraordinários (concedidos em situações urgentes e imprevisíveis), as transferências obrigatórias para estados e municípios e o pagamento de juros da dívida pública. Também não entra na conta o dinheiro que vai para gastos eleitorais e para aumentar o capital das empresas estatais.

Subtraídas essas despesas, o limite estabelecido corresponde aos gastos restantes, ajustados pela inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, principal índice da inflação brasileira). Assim, os gastos do governo não poderão ter aumento real, podendo ficar, no máximo, no mesmo nível em que estavam no ano anterior.

Feitas as exclusões iniciais, o teto limita o total dos gastos , sem distinguir as despesas obrigatórias e discricionárias (não obrigatórias, que incluem desde investimentos em obras até a conta de luz de prédios públicos).

O teto de gastos tem validade de 20 anos, até 2036. Originalmente, uma revisão só poderia acontecer até o décimo ano. O texto prevê que, caso o limite de gastos fosse ultrapassado, seriam acionados “gatilhos” que diminuem despesas com pessoal, impedindo quaisquer reajustes em salários de servidores, realização de concursos públicos e concessão de bônus.

Como e por que o teto surgiu

O teto de gastos foi articulado nos primeiros meses do governo de Michel Temer (2016 a 2018), que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff (2011 a 2016). O Brasil passava por uma recessão , marcada, entre outros fatores, pela crise fiscal.

Em 2014 e 2015, o Brasil registrou os primeiros deficits primários do século (as despesas do governo, sem contar o pagamento de juros da dívida, superaram as receitas). A avaliação da administração Temer e de muitos economistas era que o governo de Dilma havia expandido os gastos em demasiado, escolhendo muitas vezes alocar recursos para políticas ineficientes – costumam ser citados o represamento de preços administrados (como combustíveis e energia elétrica) e a expansão de subsídios concedidos ao setor privado.

CONTAS PÚBLICAS

Resultado primário do governo central em relação ao PIB. Sempre no negativo desde 2014.

O teto de gastos foi uma aposta de Temer e sua equipe para atacar a crise fiscal. Ele se tornou uma parte central da agenda de corte de gastos prometida pelo novo governo. A ideia era que a restrição de despesas levaria a um reequilíbrio das contas públicas, impediria o crescimento exagerado da dívida pública, diminuiria o risco de investir no país e levaria a uma queda dos juros brasileiros. Como um todo, esse movimento restauraria a confiança do setor privado no Brasil, atraindo investimentos.

Nunca houve consenso entre economistas sobre o teto. Muitos discordavam (e discordam) da ideia de que cortar despesas públicas incentive fortemente o investimento privado . Também havia, à época da aprovação da regra, economistas que refutavam o diagnóstico inicial e entendiam que o cerne do problema fiscal brasileiro não era o gasto, mas sim a arrecadação pública, que estava em baixa por causa da crise. Muitos também defendiam que a saída da recessão deveria vir de uma expansão dos investimentos públicos, que serviriam como um impulso inicial para a recuperação.

O teto foi promulgado no final de 2016 e passou a valer oficialmente em 2017. A ideia do governo Temer era que, com o tempo, fossem aprovadas reformas para reduzir o gasto obrigatório da União e abrir espaço para outras despesas, como investimentos e programas sociais. A reforma da Previdência de 2019 foi a principal medida que ocorreu nesse sentido. O crescimento das despesas obrigatórias levou a cortes em despesas discricionárias desde 2016.

O teto sob Bolsonaro

Bolsonaro chegou ao poder com a promessa de aprofundar a agenda de reformas e privatizações, tendo como principal defensor dessas pautas o ministro da Economia Paulo Guedes .

Mas o teto de gastos foi alterado em diversas ocasiões sob seu comando. Uma delas ocorreu em 2019, quando o Congresso excluiu do teto os repasses feitos pela União aos estados e municípios pela exploração de petróleo.

Em 2020, a chegada da pandemia de covid-19 levou o Congresso a aprovar o orçamento de guerra e a calamidade pública , medidas que retiraram as amarras fiscais do governo para permitir ação contra a crise sanitária e econômica. Na prática, o governo ganhou permissão para não cumprir o teto de gastos naquele ano – o que era um consenso diante da emergência na saúde.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 22.OUT.2021

Jair Bolsonaro (à esq.) e Paulo Guedes sentados atrás de uma mesa. Bolsonaro fala em um microfone. Guedes, de máscara, ajeita o encaixe no rosto.

Jair Bolsonaro (à esq.) e Paulo Guedes em pronunciamento à imprensa

No início de 2021, duas mudanças foram feitas no teto. Uma delas veio com a aprovação da PEC Emergencial, que alterou as regras para o acionamento dos gatilhos do teto e liberou R$ 44 bilhões por fora do limite para bancar o novo auxílio emergencial, principal política de apoio financeiro à população. Outra aconteceu por um acordo entre Executivo e Congresso, que concordaram em passar despesas ligadas à pandemia por fora do teto – isso incluía gastos com saúde e com o auxílio emergencial.

No final de 2021, o governo articulou mais uma mudança no teto, valendo para 2022. O cálculo do limite de gastos foi alterado – a mudança foi aprovada e promulgada no Congresso como parte da PEC dos Precatórios . A manobra foi articulada para comportar mais gastos no ano da tentativa de reeleição de Bolsonaro. Ela foi mal recebida por agentes de mercado e considerada, na prática, um furo no teto.

Outro drible veio em 2022. O governo conseguiu uma nova autorização para gastar sem respeitar as regras fiscais, na chamada PEC das Bondades . O dinheiro do pacote foi destinado à ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 até 31 de dezembro, e também para programas voltados para taxistas e caminhoneiros (tradicionais apoiadores de Bolsonaro).

O debate sobre a regra em 2022

Em dezembro de 2021, pouco após a aprovação da PEC dos Precatórios, economistas já haviam dito ao Nexo que a credibilidade do teto havia sido esvaziada pela manobra. Eles projetaram que a regra ficaria sujeita a novas alterações e dribles, perdendo sua efetividade.

Isso de fato aconteceu. Em 2022, o novo drible na forma da PEC das Bondades acentuou a percepção de que o teto de gastos perdeu credibilidade .

Os economistas também disseram ao Nexo no final de 2021 que uma revisão das regras fiscais já se colocava como tema importante do primeiro ano do mandato presidencial que se inicia em 2023.

O próprio Tesouro Nacional reconheceu isso. Segundo informações de bastidores dos jornais Valor Econômico e Folha de S.Paulo, técnicos do Ministério da Economia finalizaram o desenho de uma nova regra fiscal, a ser proposta na forma de PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Não há informações sobre quando o texto seria enviado ao Congresso.

De forma geral, a nova regra seria uma espécie de teto de gastos repaginado. A ideia é que a despesa do governo poderá crescer acima da inflação a depender do nível e do crescimento da dívida líquida do governo geral – um indicador que considera as dívidas de governo federal, estaduais e municipais, mas sem contar estatais e o Banco Central.

De forma geral, a regra funcionaria da seguinte maneira: se a dívida estiver muito alta e estiver crescendo bastante, o governo não poderá aumentar o gasto em termos reais – ou seja, aplica-se praticamente a mesma norma do teto de gastos. Mas se a dívida estiver baixa e em queda, o governo poderá aumentar as despesas em até 2% .

Ou seja, haverá maior espaço para manobra se as contas públicas estiverem melhorando.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 03.JAN.2019

Sede do Ministério da Economia em Brasília

Sede do Ministério da Economia em Brasília

De acordo com o Valor Econômico, a proposta tem por trás a percepção de que o teto de gastos em seu modelo vigente está apertado demais , não permitindo que o governo dê conta de demandas como o Auxílio Brasil.

Em 2022, o governo Bolsonaro tem feito uma série de cortes no Orçamento para conseguir cumprir o teto de gastos. Mais de R$ 10 bilhões foram bloqueados pelo Executivo em diferentes áreas.

O governo também propôs cortes no Orçamento de 2023, como no programa Farmácia Popular , importante para o acesso da população de baixa renda a remédios, normalmente para doenças crônicas não transmissíveis.

O próprio Ministério da Economia diz que a medida foi tomada para garantir a alocação de recursos para as emendas do relator, protagonistas do “orçamento secreto”. A promessa é que o corte de verba seja revisto após as eleições de outubro. O orçamento secreto é um esquema pelo qual o Congresso, sobretudo o chamado centrão , se aproveita da falta de regulamentação das emendas do relator (uma modalidade de emenda parlamentar) para operar fatia orçamentária superior a de ministérios, sem a transparência devida.

Isso acontece com o aval do governo federal, que é o responsável pela liberação dos recursos e costuma fazer isso às vésperas de votações importantes no Congresso, privilegiando parlamentares fiéis ao Executivo. Além do uso para a sustentação parlamentar do governo, sobram indícios de corrupção na alocação dessas verbas .

A crise fiscal virou tema central da política brasileira a partir de meados da década de 2010, tendo sido assunto importante das eleições de 2014 e 2018. Em 2022, ela aparece também na forma de discussão sobre o futuro do teto de gastos.

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