A influência de cargos executivos na gestão pública, em 5 eixos
Marcelo Roubicek
28 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)Governantes escolhidos nas eleições de 2022 terão pela frente a missão de preencher postos de alto escalão e definir diretrizes do trabalho na máquina pública
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Homem caminha em frente ao prédio do Ministério da Agricultura, em Brasília
A população brasileira vai às urnas no domingo (2) para eleger nomes que assumirão, a partir de 2023, a Presidência da República, os governos dos estados e representantes legislativos federais e estaduais.
As pessoas escolhidas para chefiar o Executivo a nível estadual e federal terão pela frente a missão de preencher cargos de alto escalão e definir as diretrizes das políticas governamentais que serão implementadas pela máquina pública.
Essa influência passa por vários pontos, desde quantas pastas serão implementadas e quem as ocupará, até a questão dos aumentos salariais a servidores, passando pela autonomia e transparência dada aos servidores. Neste texto, o Nexo mostra, em 5 eixos, como os cargos executivos influenciam a gestão da máquina pública no Brasil.
Quando alguém assume a chefia do Poder Executivo em qualquer nível, a primeira decisão é sempre a montagem da equipe que irá compor a gestão. É comum que, nesse momento, seja colocada uma dicotomia entre os critérios técnicos e os critérios políticos de indicação.
“No Brasil, a maioria dos cargos públicos de alta direção se tornou apenas uma moeda de troca em alianças partidárias, de modo que o alinhamento político passa a ser o único critério para nomeação ”, escreveram Diogo Lima e Leticia Biaggioni, especialistas em gestão pública e membros do Movimento Pessoas à Frente, em coluna publicada no Nexo Ponto Futuro em agosto de 2022.
Ou seja, é comum no Brasil a escolha a partir de critérios políticos, sem que necessariamente as pessoas indicadas tenham a qualificação adequada para a função.
A condução da política pública sem qualificação técnica é algo negativo para o país, destacou Pedro Abramovay, diretor para América Latina e Caribe da Open Society Foundations, em entrevista ao Nexo em publicada em 16 de setembro de 2022. Mas isso não quer dizer que a escolha deva ser puramente técnica, segundo o especialista. Ele é coautor do livro “A democracia equilibrista: políticos e burocratas no Brasil”, que trata dessa tensão.
“É muito ruim quando os técnicos resolvem substituir a política. Isso tem por trás uma pretensa neutralidade da técnica, como se todos os problemas sociais que o Brasil tem tivessem apenas uma decisão correta e técnica. Não é verdade”
Para além da necessidade do equilíbrio entre técnica e política, a montagem das equipes que ocupam a máquina pública passa também por outras decisões, como os parâmetros de diversidade – de gênero, de raça, ou sob outros critérios. Essa é uma preocupação que cresce em diferentes municípios , estados e países .
Quando Dilma Rousseff assumiu o governo federal em 2011, 9 dos 37 ministérios eram ocupados por mulheres, o maior número em um início de governo no Brasil, e ainda distante de refletir os 51% de mulheres que formam a população brasileira. Seu sucessor, Michel Temer, não indicou nenhuma mulher para o gabinete inicial. Sob Bolsonaro, duas mulheres foram nomeadas para ministérios num primeiro momento.
Também cabe aos governos tomar decisões a respeito de concursos públicos. Primeiro, pela decisão de abrir ou não novos concursos – no nível federal, em que o Ministério da Economia precisa autorizar a realização de concursos (exceto em universidades), o número ficou restrito a partir do final da década de 2010. Segundo, pelas medidas para possivelmente aumentar a diversidade entre servidores concursados, para melhor refletir a composição da população.
Em 2014, por exemplo, o governo federal aprovou uma medida para reservar vagas de concursos para pessoas negras. Nos anos seguintes, houve aumento da parcela de pessoas negras no quadro federal – ainda que esse crescimento tenha se dado em ritmo lento.
Além de decidir quem irá ocupar os cargos de assessoria e chefia dos ministérios, no caso federal – ou secretarias, no caso dos estados –, o Poder Executivo também pode propor a criação ou eliminação de pastas.
A questão da quantidade de ministérios foi bastante discutida na transição do governo Dilma Rousseff para o mandato de Michel Temer, após o impeachment da petista em 2016. No auge, a gestão de Dilma teve 39 pastas com status de ministério.
Temer assumiu o poder com um discurso de austeridade fiscal e sob a promessa de reduzir o tamanho do Estado . Uma de suas primeiras medidas foi a redução do número de ministérios, de 32 para 23 . Em entrevista ao Nexo em 2016, James Giacomoni, professor aposentado da UnB e especialista em orçamento público, disse que “a redução de ministérios, do ponto de vista do gasto, não representa muito. Isso tem um sentido simbólico ”.
O discurso de redução do Estado apareceu também na eleição de 2018, com Bolsonaro – também um defensor da agenda liberal, naquele momento. O governo Temer chegou ao fim com 29 ministérios. Com Bolsonaro, caiu para 22 .
Presidente Jair Bolsonaro e ministros em cerimônia do Dia da Bandeira, no Palácio da Alvorada
Além da possibilidade de aumentar ou diminuir o número de pastas, o Executivo também pode propor a criação, extinção ou venda de empresas estatais. Quando estatais são privatizadas, é normal que haja demissões, geralmente por PDVs (Planos de Demissão Voluntária). Quem permanece na empresa passa a ter vínculo com um ente privado.
Privatizações – em torno das quais há intenso debate sobre a necessidade e os resultados para a sociedade como um todo – levam a uma redução dos gastos públicos com pessoal, já que o quadro fica menor. Além disso, o governo também costuma contar com a entrada de dinheiro nos cofres públicos.
Além de decidir sobre a formatação da máquina pública e quem irá preencher os cargos mais altos, a chefia do Executivo também define as diretrizes de atuação de cada órgão.
Na prática, os ministérios, secretarias e outros órgãos terão que conviver com o que Abramovay chamou de uma “tensão produtiva e necessária entre política e burocracia”. Ou seja, política e técnica são aspectos que, juntos, ajudam a definir a execução das políticas públicas.
Há diversos exemplos na história brasileira de forte sobreposição da política sobre a burocracia, resultando em perda de autonomia. Na pandemia de covid-19, por exemplo, o negacionismo adotado pelo governo federal – e, por tabela, por boa parte do alto escalão do Ministério da Saúde – foi resultado de uma orientação política do presidente Bolsonaro. A CPI da Covid expôs em 2021 a pressão exercida por pessoas próximas ao presidente sobre servidores, sobretudo no caso da denúncia de possível corrupção na compra de vacinas Covaxin .
Sob Bolsonaro, houve também desmonte de órgãos ambientais . O presidente descontinuou medidas que contribuíam para o controle do desmatamento e tirou poderes e recursos de órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). É mais um exemplo de sobreposição da política à burocracia.
Abramovay afirmou, no entanto, que isso não significa que a solução seja inverter a relação, tornando a técnica prevalente sobre a política – até porque a burocracia não é neutra politicamente. O pesquisador defende uma articulação equilibrada entre as duas partes.
“A política, quando muito bem articulada com a técnica, conquistou para o Brasil coisas fundamentais, especialmente depois da Constituição de 1988. Uma ampla inclusão dos mais pobres, a universalização do ensino fundamental, a criação do Sistema Único de Saúde”, afirmou.
Além das diretrizes e da autonomia da gestão pública, outro tema importante para as chefias do Executivo é a transparência. Os governos municipais, estaduais e federal têm órgãos de controle para fiscalização do trabalho dos gestores públicos.
A nível federal, alguns deles são: o TCU (Tribunal de Contas da União) – que teve papel no impeachment de Dilma Rousseff ao rejeitar as contas de seu governo –; a CGU (Controladoria-Geral da União); e até mesmo a PGR (Procuradoria-Geral da República).
O histórico brasileiro mostra diferentes tipos de posturas possíveis com relação a esses órgãos. E revela que é possível exercer diversos graus de influência e pressão sobre eles.
No governo Bolsonaro , por exemplo, o procurador-geral da República indicado pelo presidente tem se esquivado de sua prerrogativa constitucional de investigar o governo. Bolsonaro também atuou contra a autonomia de investigações e contra a transparência pública. Órgãos de controle, cujas atividades são fundamentais para a detecção de corrupção e outros ilícitos, também foram enfraquecidos, seja pela perda de funções ou pelo esvaziamento de recursos, seja pelo assédio do governo à autonomia de seus servidores.
A transparência pública também sofreu forte recuo na gestão Bolsonaro, impedindo uma avaliação sobre a regularidade da atuação governamental. Isso aconteceu tanto pela operação de “ gabinetes paralelos ”, caso da Saúde e da Educação, quanto pelo uso abusivo que a Presidência e seus ministérios fizeram da legislação para manter sob sigilo as mais variadas informações de interesse da sociedade, como compras públicas e agendas de autoridades. Tudo isso ocorreu com a complacência da CGU, que é submetida à Presidência.
Outro ponto pelo qual chefes de Executivo podem afetar o funcionamento da máquina pública é via remuneração.
Há um elemento político que entra no cálculo dessa definição, já que servidores públicos costumam se organizar em categorias fortes, inclusive podendo impactar a popularidade de governantes. Em um exemplo hipotético, se funcionários da Receita Federal fizerem um congestionamento da entrada de passageiros em aeroportos, isso poderá levar a um caos aéreo, com possíveis efeitos sobre a imagem do governo.
Auditores do trabalho durante ação de fiscalização
A questão dos reajustes salariais frequentemente pressiona os mandatários, seja a nível municipal, estadual ou federal. Isso aconteceu, por exemplo, na pandemia de covid-19.
Em maio de 2020, no início dapandemia de covid-19, o Congresso Nacional aprovou o congelamento de salários de servidores públicos nas esferas federal, estadual e municipal até o final de 2021. A medida foi articulada a pedido de Paulo Guedes , o ministro da Economia, como contrapartida ao socorro financeiro prestado pela União aos estados e municípios.
Em 2022, os reajustes voltaram a ser permitidos por lei. Segundo levantamento do portal G1, todos os governadores concederam aumentos ou enviaram às assembleias legislativas propostas para ampliar os salários dos servidores estaduais.
A nível federal, Bolsonaro chegou a prometer, no final de 2021, que iria conceder reajuste a todos os servidores federais em caso de aprovação da PEC dos Precatórios . A proposta foi aprovada, mas o governo reservou dinheiro apenas para aumentos de servidores da segurança pública – Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário. O caso desencadeou uma crise do Executivo com o funcionalismo. Houve mobilizações como greves e paralisações . Nenhum aumento saiu do papel – a promessa de reajuste ficou para 2023 .
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