Expresso

Como o ataque de Jefferson expõe o extremismo brasileiro

Marcelo Roubicek

24 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h47)

Aliado do presidente atira e joga granadas em policiais que tentavam prendê-lo. O ‘Nexo’ conversou com um cientista político e um historiador sobre as parcelas mais radicalizadas do bolsonarismo

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 09.JUL.2020

Roberto Jefferson faz sinal "de arminha" enquanto veste boné com desenhos de um coração, uma cruz e uma arma.

Roberto Jefferson em ato pró-armas em Brasília

Desde 2020, Roberto Jefferson xinga ministros do Supremo e defende ações armadas em nome da “liberdade”, expondo a face mais radicalizada do bolsonarismo, um movimento de extrema direita estimulado pelos discursos do presidente Jair Bolsonaro. Em 2021, o ex-deputado e ex-presidente do PTB foi preso — e depois mandado para prisão domiciliar — por insuflar violência contra ministros da mais alta corte do país.

No domingo (23), Jefferson colocou em prática aquilo que já vinha sugerindo que faria: atirou de fuzil e lançou granadas em policiais federais que foram até sua casa, na cidade deComendador Levy Gasparian, no interior do Rio de Janeiro, a fim de levá-lo para a cadeia por causa da reincidência de ataques ao Judiciário. O caso expõe o extremismo brasileiro que veio à tona com a chegada de Bolsonaro ao poder e segue uma escalada desde então.

Neste texto, o Nexo relembra o episódio e traz análises de cientistas políticos sobre as características do extremismo brasileiro.

O que veio antes dos tiros e granadas

Na sexta-feira (21) a ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) havia solicitado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a revogação da prisão domiciliar e a decretação da prisão preventiva de Roberto Jefferson, após a publicação de um vídeo feito por Jefferson xingando a ministra Cármen Lúcia e chamando o Tribunal Superior Eleitoral de “latrina”.

Na gravação ele compara a ministra com “prostitutas”, “arrombadas” e “vagabundas”. O vídeo foi publicado nas redes sociais da filha do ex-deputado, já que ele está impedido de usar seus perfis por determinação de Moraes.

FOTO: REPRODUÇÃO

Jefferson levanta duas pistolas, uma em cada mão. Ao fundo, bandeira do Brasil

Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB, em vídeo distribuído via WhatsApp

O ex-deputado insultou Cármen Lúcia por não concordar com a decisão do TSE que concedeu direito de resposta à coligação do candidato à presidência Lula, do PT, na rádio Jovem Pan, após jornalistas da emissora afirmarem que o petista não foi inocentado e sim “descondenado” pelo Supremo.

Jefferson já era alvo de inquéritos no Supremo – razão pela qual estava em prisão domiciliar. Após as ameaças à Cármen Lúcia, veio a ordem para ele voltar à cadeia.

Na noite de domingo (23), após os tiros contra a PF, Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e das milícias digitais no Supremo, determinou uma nova prisão contra Jefferson, desta vez por tentativa de homicídio.

A violência de Roberto Jefferson

O ex-parlamentar bolsonarista disparou mais de 20 tiros de fuzil , além de ter lançado duas granadas nos policiais federais, segundo investigação da PF. Foram atingidos por estilhaços o delegado Marcelo Vilella, na cabeça e na perna, e a policial Karina Lino de Miranda, na cabeça. Eles foram encaminhados a uma unidade de saúde. De acordo com o portal G1, ambos tiveram ferimentos leves .

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS

Carro da Polícia Federal com vidro estilhaçado após ser atingido por tiros dados por Roberto Jefferson

Carro da Polícia Federal com vidro estilhaçado após ser atingido por tiros dados por Roberto Jefferson

Jefferson usou câmeras do circuito interno de segurança da sua casa para monitorar a movimentação da PF do lado de fora de sua casa. Ele filmou a tela da TV que transmitia as imagens das câmeras. A filmagem foi publicada no Twitter da filha do ex-presidente nacional do PTB, a ex-deputada federal Cristiane Brasil, que teve sua conta suspensa também neste domingo (23).

“Chega de opressão. Eles já me humilharam muito e a minha família”, disse Jefferson no vídeo. Em resposta a uma mulher que questionava sobre os tiros disparados contra os policiais, ele diz: “mas eu não tô atirando em cima deles, eu dei perto”.

Um vídeo gravado dentro da casa de Jefferson durante a negociação, que circula em grupos de mensagens de policiais e foi obtido por jornalistas, mostra um agente da PF conversando em de forma amistosa com o ex-deputado. Ele chega a dizer a Jefferson: “O que o senhor precisar a gente vai fazer”.

Nas horas que se passaram até que Jefferson se entregasse, bolsonaristas se concentraram em frente à casa do ex-deputado. Um cinegrafista de uma TV afiliada da Rede Globo foi agredido por eles.

O extremismo brasileiro no bolsonarismo

Para Odilon Caldeira Neto – professor de história contemporânea da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e um dos coordenadores do Observatório da Extrema Direita –, Roberto Jefferson “assumiu um ponto de referência para as tendências mais radicais do bolsonarismo”. Ou seja, ele se tornou um foco de mobilização entre determinados setores mais radicais do bolsonarismo.

Mas esse papel já foi cumprido por outras pessoas – Caldeira Neto citou, por exemplo, os blogueiros bolsonaristas Oswaldo Eustáquio e Allan dos Santos, o caminhoneiro Zé do Trovão e o próprio ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.

“Essas figuras que fazem a ligação entre o núcleo duro do bolsonarismo e as bases são cotidianamente colocadas como ‘bucha de canhão’ do processo de radicalização constante, depois são largadas no mar. Mas o processo continua. E em crescente”, disse o professor ao Nexo .

FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM BLOGDOJEFFERSON8

Jefferson aponta arma para a foto

Roberto Jefferson, presidente do PTB

Vinicius do Valle, doutor em ciência política pela USP e diretor do Observatório Evangélico, afirmou ao Nexo que a palavra “fundamentalismo” pode ser usada para descrever as ações de Jefferson. Mas não em um sentido religioso, mesmo que Jefferson utilize a religião em seu discurso.

“Se for falar de fundamentalismo religioso, não acho que Jefferson se enquadre. Porque ele faz uso de uma retórica religiosa, mas não é propriamente um religioso”, disse do Valle. “Agora, existe um fundamentalismo que não tem exatamente um cunho religioso, que é um fundamentalismo bolsonarista. É esse grupo mais violento, que usa a violência como retórica e ação política”.

Segundo o dicionário Houaiss, “fundamentalismo” pode ser definido como “qualquer corrente, movimento ou atitude, de cunho conservador e integrista, que enfatiza a obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios básicos”.

Para o cientista político, esse grupo mais radicalizado não representa o todo, mas é parte importante dos apoiadores do presidente. “É essa face do bolsonarismo que faz com que a gente possa classificar esse movimento como de extrema direita. É o uso da violência não só como performance e imagem, mas como ação política”, afirmou.

O impacto das ações de Jefferson

Para Caldeira Neto, do Observatório da Extrema Direita, o caso de Jefferson “diz respeito a essa necessidade de uma mobilização e de uma pulsão constante dessas possibilidades de rupturas institucionais pelo próprio bolsonarismo e pelo núcleo duro da campanha de Bolsonaro”.

O professor da UFJF falou sobre como essa mobilização pavimenta um caminho para uma ação de contestação das eleições presidenciais, cujo segundo turno está marcado para 30 de outubro. Bolsonaro está atrás de Lula nas pesquisas de intenção de voto do segundo turno.

“É um discurso que começa a galgar, dia após dia, desconfiança com o processo eleitoral e tentar, em certa medida, mobilizar as bases mais radicais para uma eventual derrota no processo eleitoral e a contestação do resultado”, afirmou. Sobre a contestação do resultado, ainda disse: “Não somente do ponto de vista de uma contestação jurídica, que envolva as falsas teses sobre as urnas eletrônicas, mas também na questão de uma base que vai fazer uso do acesso às armas como instrumento de radicalização”.

O pesquisador também afirmou que o discurso contrário ao Judiciário – reforçado pelo presidente e aliados após o atentado de Jefferson – ganha mais força após o caso “porque é o ponto central” da mobilização bolsonarista. “A identidade política do bolsonarismo em relação às instituições é justamente a contrariedade à atuação delas”, disse.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 07.SET.2022

Homens e mulheres vestidos em verde e amarelo, alguns com a mão do lado esquerdo do peito, olham para cima

Bolsonaristas em ato no dia 7 de setembro de 2022, na Avenida Paulista, em São Paulo

Já do Valle, da USP, afirmou que a base bolsonarista mais radical não respondeu bem ao repúdio de Bolsonaro a Jefferson e à tentativa de se desvincular do ex-presidente do PTB.

“Isso desagrada alguns apoiadores. Podemos ver uma base bolsonarista triste com a moderação”, disse. Mas essa frustração não deve ter impacto muito forte, segundo o cientista político: “Apesar dessa base mais radicalizada ver esses episódios de moderação como algo ruim, algo negativo, eles continuam com Bolsonaro, porque é o que está mais próximo de seu ideário político. Vejo talvez um efeito desmobilizador, mas não de afastamento”. Também não seria algo que abale a potência do discurso anti-Judiciário entre esses grupos.

Nesse sentido, o pesquisador entende que a moderação do discurso de Bolsonaro visando o segundo turno das eleições não significa que não haja risco institucional. “Depois das eleições, já não temos uma evidência disso [moderação]. Uma importante característica do bolsonarismo e do governo Bolsonaro é sua imprevisibilidade”.

A proximidade das eleições

A imprevisibilidade aparece também na análise de do Valle sobre o possível efeito eleitoral do episódio de violência protagonizado por Jefferson no domingo (23). Segundo o cientista político, a tendência é de impacto mínimo, que deve se limitar a alguns poucos eleitores de classe média indecisos.

Mas, no geral, não é possível saber qual será a repercussão eleitoral. “O bolsonarismo tem em torno de si uma rede comunicacional muito eficiente para oferecer para seus eleitores, seus adeptos e seus seguidores as suas versões dos fatos – e com isso minimizar o impacto eleitoral desses eventos”.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 23.SET.2022

Jair Bolsonaro e Lula estampam toalhas à venda na rua em Brasília

Jair Bolsonaro e Lula estampam toalhas à venda na rua em Brasília

Caldeira Neto, por sua vez, disse que vê na violência de Jefferson um um potencial de comprometer a credibilidade da moderação de Bolsonaro em seu discurso eleitoral. “Tem alguma capacidade de criar algumas fissuras, não sei mensurar o tamanho”.

“Se pegarmos os posicionamentos, as peças de campanha de Bolsonaro na campanha eleitoral, ele tem utilizado um tom mais comedido, justamente para tentar chegar em uma parcela do eleitorado em que precisa aumentar sua capilaridade”, disse. Segundo o pesquisador do Observatório da Extrema Direita, as críticas de Bolsonaro e aliados próximos a Jefferson também podem sinalizar um receio da própria campanha de que o episódio possa ter impactos negativos.

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