Expresso

PEC da Transição: o debate sobre o prazo da ‘licença para gastar’

Marcelo Roubicek

16 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h49)

Equipe de Lula negocia benefícios por fora do teto de gastos. Proposta entregue no Congresso pede caráter permanente para a medida, mas centrão e agentes de mercado preferem duração mais curta

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FOTO: PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO – 03.NOV.2022

Alckmin fala diante de diversos microfones. Atrás, aliados como Jean Paul Prates, Aloísio Mercadante e Fabiano Contarato

Geraldo Alckmin fala à imprensa após reunião da equipe de transição


A equipe de Luiz Inácio Lula da Silva apresentou nesta quarta-feira (16) a lideranças do Congresso o texto prévio da PEC da Transição . A medida permitirá bancar benefícios sociais por fora do teto de gastos , regra que limita as despesas da União.

O texto apresentado pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin pede que essa licença para driblar as regras fiscais tenha caráter permanente. Os parlamentares discutirão se é o caso de manter essa previsão ou de fixá-lo em um ano ou quatro anos, período do mandato de Lula.

Neste texto, o Nexo explica por que há diferentes opções na mesa de debate e quais são os argumentos principais para cada cenário.

O que é a PEC

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição é uma medida elaborada pela equipe de transição de Lula. O petista foi eleito para a Presidência da República em 30 de outubro após vencer Jair Bolsonaro em segundo turno.

A PEC foi sugerida para permitir que o novo governo consiga bancar gastos com políticas sociais e cumpra outras promessas de campanha. A proposta consiste em autorizar que o Auxílio Brasil – principal programa federal de transferência de renda, que deve voltar a se chamar Bolsa Família – possa ser pago por fora do teto de gastos, a regra que limita a despesa da União a um nível pré-determinado.

A proposta de Orçamento para 2023 enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso previa R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil. Mas isso num cenário em que o benefício voltaria para R$ 400 – a partir de agosto de 2022, as parcelas foram elevadas para R$ 600, com duração somente até o final do ano.

Esses R$ 105 bilhões serão retirados do teto, abrindo espaço para outros gastos – como recomposição do programa Farmácia Popular e aumento real do salário mínimo . Outros R$ 52 bilhões serão acrescidos por fora do teto para garantir que o auxílio seja de R$ 600 e não R$ 400. Mais R$ 18 bilhões serão usados para bancar um benefício extra de R$ 150 por cada criança de até 6 anos. Por fim, há uma previsão para até R$ 22 bilhões em despesas extras com investimentos públicos em caso de excesso de arrecadação.

R$ 198 bilhões

deve ser o montante total passado por fora do teto de gastos, embora o valor ainda não tenha sido fechado e possa ser menor

O prazo da licença por fora do teto de gastos é alvo de discussão entre articuladores políticos em Brasília. O debate ocorre num momento de desconfiança de agentes de mercado com a equipe de Lula e de esforços de aliados do petista para mostrar que equilíbrio fiscal e social não se opõem .

Por que se discute prazo indeterminado

O senador Marcelo Castro, emedebista do Piauí, relator do Orçamento de 2023 e um dos articuladores da PEC da Transição, endossa a proposta de Lula e defende que as mudanças do texto tenham caráter permanente. Ou seja, quer que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos por prazo indeterminado .

A ideia, no entanto, desagrada agentes do mercado financeiro, que veem a possibilidade de uma “ licença para gastar ”. O temor é que a medida abra caminho para um crescimento descontrolado dos gastos públicos sob Lula, levando a um forte aumento da dívida pública. Isso, por sua vez, poderia causar uma elevação dos juros no país – alguns economistas também argumentam que a piora fiscal pode levar a um novo impulso inflacionário, embora isso não seja consenso.

Por que se discute prazo de um ano

Para muitos economistas, a PEC deveria ter um prazo de um ano. Ou seja, a ideia é que a exceção à regra fiscal ocorra somente em 2023. Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda (que apoiou Lula nas eleições) disse em evento em Nova York que “a proposta para extrapolar o teto e garantir o auxílio é necessária, mas a licença para gastar tem de ter um limite ”.

A resistência a um prazo indeterminado não vem apenas do mercado financeiro. Vem também do Congresso.

O centrão, bloco que compôs a base governista de Bolsonaro, também defende que o prazo seja de apenas um ano . O entendimento é que um prazo indefinido retiraria poder de barganha dos parlamentares.

Ou seja, se as negociações sobre o financiamento de benefícios sociais forem anuais, há mais possibilidades para que o Congresso obtenha contrapartidas por seu apoio a projetos do governo Lula. Foi assim com Bolsonaro: na véspera de votações de projetos que propunham driblar o teto de gastos, como a PEC dos Precatórios e a PEC das Bondades , o governo liberou valores bilionários em emendas parlamentares, dentro do esquema do orçamento secreto .

Por que se discute prazo de quatro anos

Nesse contexto, a possibilidade de um prazo de quatro anos para a PEC aparece como uma espécie de meio termo – sem necessariamente agradar os agentes de mercado. Nesse cenário, o Bolsa Família ficaria fora do teto de gastos por todo o mandato de Lula, entre 2023 e 2026.

De acordo com diversos veículos de imprensa, Lula e o presidente do Senado Rodrigo Pacheco conversaram sobre o prazo de quatro anos em reunião no Egito na terça-feira (15). O petista deu sinais de que estaria disposto a abrir mão de uma PEC com prazo indefinido.

Para Lula, a aprovação de uma vigência de quatro anos significaria não precisar negociar o tema com a nova composição do Congresso , eleita em 2 de outubro com bons resultados para o bolsonarismo . Isso porque a PEC seria votada ainda em 2022, com duração até 2026.

O pano de fundo da discussão

O pano de fundo do debate sobre o prazo da PEC da Transição é o entendimento amplo entre economistas de que o teto de gastos perdeu sua credibilidade e precisa ser substituído por uma nova regra fiscal.

Essa perda de credibilidade ocorreu durante o governo Bolsonaro. O teto foi alterado em diversos momentos, por iniciativa do governo.

Em 2020, por exemplo, o teto foi basicamente suspenso para comportar o aumento de gastos com a pandemia de covid-19. Em 2021, uma autorização semelhante foi dada pelo Congresso. Em 2022, via PEC dos Precatórios e PEC das Bondades , o governo Bolsonaro conseguiu liberação para aumentar gastos e turbinar benefícios sociais em ano eleitoral. Apesar do desrespeito às regras fiscais e eleitorais, o presidente não conseguiu vencer nas urnas e ficou sem o segundo mandato.

O gráfico abaixo, elaborado com números publicados por Felipe Salto, secretário da Fazenda de São Paulo, mostra o tamanho do furo no teto em cada ano desde 2020.

TETO FURADO

Montante passado por fora do teto de gastos, por ano. Em 2020, foram R$ 520,6 bilhões. Em 2021, R$ 114,2 bilhões. Em 2022, R$ 155 bilhões.

Economistas cobram que o novo governo Lula proponha uma regra que substitua o teto e dê segurança de que não haverá descontrole de gastos na gestão do petista. Uma proposta foi apresentada na segunda-feira (14) por técnicos do Tesouro Nacional para flexibilizar o teto. O senador tucano José Serra também deve colocar uma nova proposta para substituir a norma. Salto, secretário de São Paulo, entregou na terça-feira (15) uma sugestão ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Os economistas Arminio Fraga e Marcos Mendes também publicaram na Folha de S.Paulo uma proposta de modelo na quarta-feira (16).

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