O que avançou na COP27. E o que ficou no meio do caminho
Da Redação
20 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h49)Países desenvolvidos concordam em criar fundo para ressarcir perdas e danos de nações mais afetadas pelas mudanças climáticas, mas texto final não traz compromissos de reduzir o uso de combustíveis fósseis
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Delegados aplaudem leitura do texto final da COP27 em Sharm El-Sheikh, Egito
A Conferência Mundial para Mudanças Climáticas das Nações Unidas de 2022 divulgou neste domingo (20) seu texto final prevendo a instalação de um fundo para reparação por perdas e danos para os países mais afetados pela crise do clima.
Sediada na cidade egípcia de Sharm El-Sheikh, a COP27 representou um avanço na posição de países desenvolvidos em arcar com a conta do aquecimento global. No entanto, a conferência também foi marcada por um acordo mais tímido do que a da edição de Glasgow em 2021, com medidas pouco ambiciosas com relação à redução na emissão de carbono proveniente de combustíveis fósseis.
Neste texto, o Nexo mostra quais foram os principais pontos do texto final e o que ficou pelo meio do caminho nas discussões sobre o clima no Egito.
O texto final dos acordos das conferências do clima é o resultado de duas semanas de negociações entre delegados dos países-membros das Nações Unidas. Ele estabelece compromissos, princípios, metas e regras a serem seguidos pelos signatários.
O Acordo de Paris, de 2015, é considerado até hoje o mais ambicioso de todas as conferências. Nele, os países se comprometeram de forma ampla com a transição energética. Na COP26, em Glasgow, os membros concordaram em reduzir o uso de carvão e em limitar o aquecimento global em 1,5ºC até 2100.
O texto final precisa ser resultado de consenso entre os países, sem objeção de nenhum membro. Esses acordos são sinais importantes para a comunidade internacional, e sua implementação depende, em larga medida, de questões domésticas de cada um dos signatários.
Financiamento climático é o termo usado pelas Nações Unidas para se referir ao dinheiro que deve ser destinado a ações de combate à mudança do clima e às consequências que ela traz, principalmente para as pessoas que vivem em países com menos condições de enfrentá-la.
Essa discussão parte da premissa de que os países desenvolvidos devem financiar medidas associadas à mudança climática em países em desenvolvimento, pois, desde o início do processo de industrialização, as nações mais ricas foram as principais responsáveis pela maior parte das emissões que causaram a crise.
Os valores em torno do financiamento climático se delinearam no Acordo de Copenhague em 2009, que estabeleceu que os países desenvolvidos destinem US$ 100 bilhões anuais – meta nunca atingida – para as nações mais afetadas pela mudança do clima. Esse financiamento se daria em três frentes:
Em Sharm El-Sheikh, a discussão específica sobre perdas e danos entrou na agenda oficial das conferências do clima pela primeira vez. E este acabou sendo o ponto de avanço mais significativo da edição de 2022.
A União Europeia e os Estados Unidos relutaram inicialmente em se comprometer a indenizar países menos desenvolvidos, alegando que poderiam assinar um cheque em branco para um grupo de nações que poderia incluir potências econômicas como a China e grandes poluidores como os países árabes produtores de petróleo.
Mas após rodadas de negociações que se estenderam por dois dias após o prazo final da conferência, as nações desenvolvidas concordaram em destinar recursos por mais de uma década para países “particularmente vulneráveis a mudanças climáticas”.
De acordo com a Convenção do Clima da ONU de 1992, se encaixam nesse conceito “países com zonas costeiras baixas, áridas e semiáridas ou zonas sujeitas a inundações, secas e desertificação, e os países em desenvolvimento com ecossistemas montanhosos frágeis”.
O resultado foi comemorado por representantes de nações que sofrem com eventos climáticos extremos e países-ilha que tem sua existência ameaçada pelo aumento dos níveis dos oceanos.
Na prática, o acordo de Sharm-El Sheikh prevê a instalação de um comitê de transição que formulará recomendações a serem analisadas na COP28, que acontece em novembro de 2023. O comitê vai analisar, entre outros pontos, quem vai financiar o fundo, quais nações receberão recursos, qual a forma de pagamento e quais os prazos para os repasses.
“A decisão é bem vinda. Apesar de claramente não ser o suficiente, é um sinal necessário para reconstruir a confiança perdida. As vozes que estão na fronteira da crise do clima precisam ser ouvidas”, afirmou neste domingo (20) o secretário-geral da ONU, António Guterres.
QUEM PAGA
Há consenso de que União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido estão entre os países ricos que devem pagar pelo fundo. Num recado para chineses e árabes, o texto final prevê que o fundo está aberto para doações de economias em desenvolvimento
QUEM RECEBE
Na definição de países “particularmente vulneráveis” enquadram-se países-ilha da Oceania e do Caribe e mais de 50 nações da Ásia e da África – algumas delas sofreram com eventos climáticos extremos em 2022, como as enchentes no Paquistão e a seca na Somália. Os países ricos trabalham para que China e países árabes não estejam entre os beneficiários do fundo.
VALORES
Nos termos estipulados pelo Acordo de Copenhague em 2009 e reforçados pelo Acordo de Paris em 2015, os países ricos se comprometeram a pagar US$ 100 bilhões a título de financiamento climático para as nações mais afetadas pelo aquecimento global. A princípio, a reparação por perdas e danos estaria englobada nessa quantia.
Forma de pagamento
Ao longo da COP27, os países menos desenvolvidos cobraram ajuda “de verdade” aos países mais ricos, criticando as condições impostas por bancos de desenvolvimento ao financiamento climático. Espera-se que o dinheiro para reparações venha de doações, e não empréstimos – já que países pobres poderiam se endividar além da conta.
PRAZOS
Caso as recomendações do comitê de transição sejam aceitas na COP28 em 2023, a previsão é que os pagamentos comecem a ser feitos a partir de 2024, ao longo de pelo menos uma década.
O principal objetivo da COP27 era manter viva a meta estabelecida na edição anterior de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2100. A temperatura média do planeta já cresceu 1,1ºC em relação àquela época, e projeções apontam que, caso mantidas as emissões nos níveis atuais, esse aumento será de 2,8ºC até o fim do século.
O texto final de Sharm El-Sheikh voltou a citar a meta de 1,5°C, mas não avançou com relação a sua implementação. Não houve compromissos claros e reajustes mais detalhados sobre as medidas a serem tomadas pelos signatários para alcançarem esse número.
Isso inclui a falta de previsões claras sobre a redução no uso de combustíveis fósseis. Como na COP26 de Glasgow os países se comprometeram em diminuir o uso de carvão em suas matrizes energéticas, observadores esperavam que isso fosse estendido para o petróleo e o gás natural – o que acabou não ocorrendo.
O texto final acabou estipulando que os países se comprometem a “melhorar o mix de energias limpas, incluindo energias renováveis e de baixa emissão”. De acordo com o Observatório das Mudanças Climáticas, a redação é “insuficiente para a ciência e deve acabar justificando uma sobrevida ao gás natural”.
Segundo Simon Stiell, secretário-executivo das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, o acordo entabulado no Egito coloca em risco a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. “Os países não acrescentaram nada nesse sentido” afirmou.
“Melhoramos a distribuição do remédio, mas não avançamos no tratamento da doença”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Sem um aumento significativo na ambição das metas nacionais e sem atingir o nível de financiamento adequado para adaptação e mitigação, o fundo de perdas e danos será um eterno trabalho de Sísifo, vencido constantemente por uma realidade climática cada vez mais violenta. Não vai haver recurso de perdas e danos que baste.”
A COP27 foi marcada pela presença maciça de lobistas das indústrias do petróleo, mineração e agronegócio, atividades econômicas responsáveis pelo aumento na emissão de carbono. Observadores da sociedade civil e negociadores apontaram sinais de captura do evento por essas corporações, que mantiveram estandes em Sharm El-Sheikh e chegaram a reunir mais de 600 representantes ao longo das duas semanas da conferência.
A COP28 acontecerá em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em 2023. O país é um dos principais produtores de petróleo do mundo. Por isso, especialistas temem que uma presença ainda mais intensa de representantes dessa indústria dificultem ainda mais as negociações em torno da redução do uso de combustíveis fósseis.
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