Expresso

Quais as propostas para substituir o teto de gastos

Marcelo Roubicek

12 de dezembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h51)

Futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad terá que definir nova âncora fiscal nos primeiros meses de governo. O ‘Nexo’ resume as principais ideias que circulam no debate público

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 09.DEZ.2022

Close no rosto de Haddad, que olha para o horizonte

Fernando Haddad em entrevista coletiva da equipe de transição em Brasília

Fernando Haddad, escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério da Fazenda a partir de 2023, disse na sexta-feira (9) que uma das prioridades de sua gestão será a criação de uma nova regra fiscal . A norma irá substituir o teto de gastos , regra que começou a valer a partir de 2017 e que coloca um limite na despesa da União, corrigido anualmente pela inflação.

O teto de gastos foi furado em diferentes momentos sob Jair Bolsonaro e, segundo a leitura ampla de economistas, perdeu sua credibilidade . Eleito em outubro de 2022, Lula também negocia uma licença para driblar a regra – a PEC da Transição, que libera R$ 168 bilhões além do teto, foi aprovada no Senado em 7 de dezembro e aguarda análise da Câmara dos Deputados. Se aprovada, a PEC também obriga o Executivo a apresentar uma nova regra fiscal nos primeiros oito meses de governo.

Há diferentes propostas colocadas no debate público para a nova âncora fiscal. Neste texto, o Nexo explica por que esse debate existe e detalha algumas das principais ideias.

Por que se discute uma nova âncora

O Congresso aprovou o teto de gastos em 2016 num contexto de crise econômica e política . O Brasil estava em recessão desde 2014 e uma das marcas desse quadro era a deterioração das contas públicas sob a presidente Dilma Rousseff. Após o impeachment de Dilma, Michel Temer assumiu com a promessa de austeridade fiscal e saneamento dos cofres federais.

A principal medida nesse sentido foi justamente o teto, que buscava limitar as despesas do governo federal, impedindo o crescimento delas acima da inflação. O teto não computa alguns gastos, como repasses para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), créditos extraordinários (concedidos em situações urgentes e imprevisíveis), transferências obrigatórias para estados e municípios e o pagamento de juros da dívida pública. Também não entra na conta o dinheiro que vai para gastos eleitorais e para aumentar o capital das empresas estatais.

Sob Bolsonaro, o teto foi alvo de diversos dribles – uns pela necessidade de ampliar despesas na pandemia, outros simplesmente para gastar mais em ano eleitoral. Segundo cálculo publicado nas redes sociais pelo economista Felipe Salto, secretário da Fazenda de São Paulo, os furos totalizaram R$ 520,6 bilhões em 2020; R$ 114,2 bilhões em 2021 e R$ 155 bilhões em 2022.

FOTO: BRUNO DOMINGOS/REUTERS/ 15.10.2010

Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil

Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil

Na prática, os sucessivos dribles fizeram com que o teto perdesse credibilidade – afinal, o limite existia, mas não estava mais sendo respeitado. Por isso, economistas cobram que o novo governo de Lula proponha uma nova âncora fiscal que cumpra melhor a função de mecanismo de controle das contas públicas. A nova regra deve ser elaborada no primeiro ano de governo, para valer a partir de 2024.

Para 2023, o petista articula uma licença para gastar acima do teto de gastos e garantir o cumprimento de promessas de campanha, como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 e o complemento de R$ 150 por criança de até seis anos. A PEC da Transição foi aprovada no Senado em 7 de dezembro e aguarda análise da Câmara dos Deputados.

A PEC também diz que o novo governo precisará encaminhar até 31 de agosto de 2023 uma nova proposta de regra fiscal “com objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”. A definição da nova regra fiscal, portanto, irá ocorrer nos primeiros meses do novo governo Lula. Abaixo, o Nexo mostra algumas das principais propostas discutidas no debate público.

Propostas de âncora fiscal

ELAS NO ORÇAMENTO

O grupo Elas no Orçamento , formado por mulheres especialistas em planejamento, Orçamento e finanças públicas, elaborou uma proposta para a nova regra fiscal que consiste em uma meta de endividamento público de médio prazo, aliada a limites quadrienais para a despesa primária (gastos do governo, exceto com juros da dívida). Ou seja, haveria uma espécie de teto de gastos que se aplicaria ao longo de quatro anos, devendo o governo cumprir uma meta para a dívida pública. A proposta também prevê que o governo tenha uma estratégia de desenvolvimento social e econômico de longo prazo, com metas para os principais indicadores.

TESOURO NACIONAL

Em 14 de novembro, técnicos do Tesouro Nacional apresentaram uma proposta para flexibilizar o teto de gastos. A ideia é que a despesa do governo deixará de ser rígida e poderá crescer acima da inflação a depender do nível e do crescimento da dívida líquida do governo geral – um indicador que considera as dívidas de governo federal, estaduais e municipais, mas sem contar estatais e o Banco Central. Se a dívida estiver muito alta e estiver crescendo bastante, o governo não poderá aumentar o gasto em termos reais – ou seja, aplica-se praticamente a mesma norma do teto de gastos. Mas se a dívida estiver baixa e em queda, o governo poderá aumentar as despesas em até 2% . Ou seja, haverá maior espaço para manobra se as contas públicas estiverem melhorando.

ARMINIO FRAGA E MARCOS MENDES

Os economistas Arminio Fraga (ex-presidente do Banco Central) e Marcos Mendes (pesquisador do Insper) publicaram em 16 de novembro no jornal Folha de S.Paulo uma proposta de regra fiscal que atua em duas frentes. A primeira é uma meta para a dívida pública: a relação dívida/PIB – usada muitas vezes para medir a saúde financeira de um governo – teria que chegar em 2032 em 65% ( estava em 76,8% em novembro de 2022, com projeções de subir em 2023). A cada três anos seria feita uma projeção das receitas e, então, o gasto permitido seria calculado com base no valor necessário para atingir a trajetória desejada da dívida. Na prática, trata-se de um novo teto de gastos que seria ajustado a cada três anos para cumprir uma meta da dívida pública.

FELIPE SALTO

O secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, sugeriu também uma nova regra para substituir o teto, semelhante à de Fraga e Mendes. A proposta, já entregue ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, é baseada em metas para o nível de endividamento do governo, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. Assim, a relação dívida/PIB teria que chegar em 2036 em 78%. Haveria também uma meta intermediária para 2026. O governo teria que apresentar todos os anos projeções de despesas e receitas que fossem compatíveis com essas metas. Além disso, o teto de gastos continuaria valendo, mas seria flexibilizado por um mecanismo de crescimento das despesas acima da inflação. O Bolsa Família ficaria permanentemente de fora do teto.

JOSÉ SERRA

O senador José Serra (PSDB-SP) protocolou no final de novembro de 2021 uma PEC que substitui o teto de gastos por um limite de endividamento do governo. Esse limite deveria ser enviado pelo Executivo ao Congresso em até seis meses após a promulgação do texto. Ou seja, o governo iria propor um teto para sua dívida, que precisaria ser aprovado pelos parlamentares. O texto também prevê o fim da chamada regra de ouro, pela qual o governo não pode se endividar para pagar despesas correntes, como salários de servidores. Por fim, os gastos do governo passariam por uma revisão periódica.

As sinalizações de Haddad

Na sexta-feira (9), após ser apontado publicamente como futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad disse que irá dialogar com diferentes setores da sociedade para definir a regra fiscal que será proposta pelo governo. “Vou ouvir os técnicos do Tesouro, a academia, vou ouvir economistas que confio”, afirmou.

Ao jornal Folha de S.Paulo, Haddad disse que o debate sobre a nova âncora fiscal “é uma decisão de governo, não da transição, que aponta necessidades e projeta cenários”. Apesar de sinalizar que irá aprofundar as discussões quando tiver uma equipe montada, o futuro ministro também disse que há apontamentos vindos da equipe de transição da Economia, que conta com nomes como Nelson Barbosa, Guilherme Mello, e Pérsio Arida e André Lara Resende, ligados ao Plano Real , de 1994.

De acordo com Haddad, a única restrição colocada pelo grupo diz respeito ao uso de metas fixas para a dívida pública – ponto que aparece em algumas das principais propostas do debate público sobre a nova regra. O raciocínio é que a dívida pública e a razão dívida/PIB muitas vezes são afetadas por fatores fora de controle do governo – como choques externos, juros e inflação. Por isso, adotar uma meta rígida para a dívida não é considerada uma ideia desejável pela equipe de transição.

Haddad tem até agosto de 2023 para elaborar e apresentar uma proposta de âncora fiscal.

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