Expresso

Fórmula E: por que há uma corrida só de carros elétricos

Lucas Zacari

23 de março de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h34)

Competição automobilística sem combustíveis fósseis estreia no Brasil. Modalidade serve como laboratório para fabricantes de veículos, que são menos poluentes

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FOTO: CARL BINGHAM/FIA FORMULA E – 25/02/2023

Corrida de Fórmula E na Cidade do Cabo, África do Sul. Carros de corrida em um traçado sinuoso, com asfalto avermelhado. Estão próximos da barreira que separa o traçado. Ao fundo, uma fachada branca de um estádio

Corrida de Fórmula E na Cidade do Cabo, África do Sul

O Brasil vai receber pela primeira vez uma etapa da Fórmula E , categoria de automobilismo exclusivamente realizada com carros elétricos. O E-Prix de São Paulo acontece no sábado (25), no Sambódromo do Anhembi, com a classificação para o grid de largada na parte da manhã e a prova à tarde.

A modalidade já está em sua nona temporada. A Fórmula E foi criada pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo) para ser o primeiro campeonato oficial do esporte somente com carros elétricos. Além de querer ser uma vitrine para o tipo de veículo, menos poluente que carros movidos a combustíveis fósseis, as corridas agem como teste para novas tecnologias da área.

Neste texto, o Nexo explica sobre a modalidade, os modelos de carros elétricos, a relação com a sustentabilidade e a atuação brasileira na categoria.

O que é a Fórmula E

Criada em 2014, a Fórmula E foi idealizada pelo empresário espanhol e presidente da categoria Alejandro Agag e o francês Jean Todt, ex-presidente da FIA. A principal motivação para a criação da modalidade foi demonstrar a capacidade e o potencial dos carros elétricos, considerados parte importante da transição energética que busca reduzir a queima de combustíveis fósseis que contribuem para o efeito estufa.

A categoria se propõe a ser uma espécie de laboratório para as equipes. As provas são realizadas em circuitos de rua, o que permite a realização de testes de tecnologias que podem ser aplicadas, posteriormente, em carros de passeio. É por esse motivo, por exemplo, que o E-Prix de São Paulo irá acontecer dentro e nos arredores do Sambódromo do Anhembi, e não no Autódromo de Interlagos , já consagrado em outras categorias automobilísticas.

Essa possibilidade de testes atraiu grandes e tradicionais montadoras a participarem da modalidade. De acordo com relatório anual da Fórmula E sobre a sustentabilidade da temporada, as empresas Jaguar, Mercedes e Nissan desenvolveram soluções para carros elétricos convencionais a partir da participação na corrida, sobretudo envolvendo a performance da bateria.

Em 2023, são 11 equipes com dois pilotos cada. Além da Jaguar e da Nissan — a Mercedes decidiu não continuar na categoria —, também participam as montadoras ABT Cupra, Avalanche Andretti, DS Penske, Envision Racing, Mahindra, Maserati, NIO, e a estreante McLaren.

A Fórmula E chega ao Brasil pela primeira vez na sexta etapa, de um total de 16 corridas, da nona temporada. Esta temporada da modalidade já teve provas no México, na Arábia Saudita, na Índia e na África do Sul.

O carro elétrico

FOTO: FIA FÓRMULA E

Lançamento do Gen3, carro que está sendo utilizado nesta temporada. Uma montagem colorida, com cores como o azul, amarelo, laranja e rosa. Está presente um carro de corrida de frente. Ele é pontudo, com a parte de trás retangular

Lançamento do Gen3, carro que está sendo utilizado nesta temporada

A temporada de 2023 marca a estreia do Gen3, a terceira geração de carros elétricos da Fórmula E. Os veículos atuais são considerados os mais rápidos, leves, potentes e eficientes carros de corrida elétricos já desenvolvidos.

Na comparação com o primeiro modelo da corrida, lançado em 2014, o motor do carro teve um aumento de 75% de potência e a velocidade máxima passou de 225 km/h para 322km/h.

As carrocerias do novo modelo usam linho e fibra de carbono reciclados dos carros da geração anterior, buscando reduzir a pegada de carbono da fabricação do veículo. Fibras de carbono recicladas também constituem 26% dos pneus utilizados nas corridas, que são reciclados a cada etapa.

Além disso, o carro foi projetado para que 40% da energia utilizada por ele na corrida fosse proveniente da frenagem regenerativa — conforme o piloto deixa de acelerar, a energia do motor elétrico, que seria dissipada em forma de calor, é transferida e recuperada para a bateria. Na primeira geração dos carros, a bateria não era capaz de armazenar a energia total para completar a prova e a transferência energética era baixa, o que obrigava os pilotos a trocarem de veículo no decorrer da corrida.

Por sua vez, o motor elétrico tem eficiência de energia de 95% e potência acima do dobro de motores de combustão interna comuns, segundo a própria companhia. No entanto, ao comparar com a Fórmula 1 , principal categoria de automobilismo, esses números são bem abaixo: enquanto os carros elétricos chegam a cerca de 450 cavalos de potência, os da F1 superam os mil cavalos.

Essa diferença também influencia na velocidade máxima alcançada pelos pilotos. Um carro de Fórmula 1 consegue chegar aos 360 km/h, 38 km/h a mais do que os de Fórmula E, o que resulta em uma diferença de cerca de 20 segundos.

Outro fator que chama a atenção é a diferença entre as montagens dos carros. Na categoria tradicional, as montadoras possuem certa liberdade para construção dos carros e de suas peças — desde que dentro das regras estabelecidas pela FIA . Já na Fórmula E, o carro é igual para todos, com as equipes podendo atuar apenas no design, no motor elétrico, no inversor da bateria e no câmbio.

Das pistas para as ruas

O desenvolvimento e a popularização da Fórmula E segue a tendência do uso de veículos elétricos pela população. De acordo com dados da IEA (Agência Internacional de Energia, em inglês), a quantidade mundial de carros elétricos , movidos a bateria ou híbridos, foi de 710 mil em 2014 — ano de fundação da categoria automobilística — para 16,2 milhões em 2021.

Atualmente, existem dois principais tipos de veículos elétricos: os totalmente elétricos, que utilizam apenas o motor elétrico e são recarregáveis; e os híbridos, que além do motor elétrico, também são movidos por combustíveis fósseis. Até 2021, segundo a IEA, 11 milhões de carros 100% elétricos estavam em circulação no mundo.

Em relação aos carros de combustão interna, a eficiência energética é muito maior, tendo em vista que mais de 90% da energia produzida no carro elétrico é aproveitada, contra no máximo 30% dos veículos a combustão. Além disso, os carros elétricos possuem uma potência três vezes maior e o preço do combustível é muito menor.

No entanto, ainda há poucos pontos de abastecimento nas cidades, o que restringe a recarga e dificulta a popularização. Além disso, o preço desses veículos e a baixa autonomia em relação à gasolina são alguns pontos contrários aos carros elétricos.

Os impactos da queima de combustíveis fósseis nas mudanças climáticas tornaram a busca por fontes de energia alternativas no transporte uma necessidade. Embora os carros elétricos sejam mais limpos que os movidos a gasolina, por exemplo, ainda há problemas ambientais a serem resolvidos, como a garantia de que a energia usada seja produzida por usinas menos poluentes. O planejamento urbano sustentável também defende a priorização do transporte público, bicicletas e outras formas de locomoção menos poluentes ou coletivas.

O impacto ambiental da categoria

A modalidade se apresenta como o primeiro esporte a alcançar o certificado de “carbono zero ”, o que consiste no compromisso contínuo de que o status líquido de carbono da atividade será igual a zero.

Mas ainda que os carros em si tenham baixa emissão de carbono, a fabricação dos veículos e a operação das etapas das corridas geram emissão indireta de gases estufa. Em 2022, a Fórmula E informa ter reduzido em 24% as emissões em relação à temporada anterior. Ainda assim, cerca de 2.115 toneladas de dióxido de carbono por corrida foram liberadas na atmosfera. Esse número equivale à pegada de carbono de, aproximadamente, 51 viagens de avião, ida e volta, entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Essas emissões indiretas acontecem principalmente pelo frete dos carros e dos equipamentos e pelas viagens das equipes, segundo o relatório de sustentabilidade da categoria. As emissões diretas, que representam 1,2% do total, decorrem do consumo de energia e eletricidade nos espaços de prova e nas sedes das equipes.

Para compensar as emissões, a Fórmula E investe na produção de energia renovável em projetos ao redor do mundo. Em 2022, o parque eólico mexicano Piedra Larga Wind Farm ll recebeu os investimentos.

Os brasileiros na Fórmula E

A relação do Brasil com o automobilismo é consolidada por títulos e grandes conquistas. Na Fórmula 1 , pilotos como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna e, mais recentemente, Rubens Barrichello e Felipe Massa são expoentes.

Na Fórmula E, seis pilotos brasileiros já correram nos circuitos de rua: Lucas Di Grassi, Nelson Piquet Jr, Bruno Senna, Felipe Massa, Felipe Nasr e Sérgio Sette Câmara.

O paulista Di Grassi é um dos principais nomes da história da categoria. Com passagem pela Fórmula 1 entre 2009 e 2012, ele foi o primeiro piloto a aceitar o convite para participar da Fórmula E e foi vencedor da corrida de estreia da modalidade, no E-Prix de Pequim, em 2014, e o campeão da segunda temporada. Na primeira temporada, o vencedor do campeonato também foi brasileiro, Nelson Piquet Jr.

FOTO: SAM BAGNALL/FIA FÓRMULA E – 31/07/2022

Lucas Di Grassi. Um homem branco, de barba e com a boca aberta, está com os braços abertos e comemorando. Em uma mão, está um troféu e, na outra, uma garrafa de champanhe. Há papéis picados ao redor dele

Lucas Di Grassi

Na atual temporada, Di Grassi e o mineiro Sette Câmara representam o país pelas equipes Mahindra Racing e pela NIO 333, respectivamente. Apesar de um início não tão bom, ambos querem conquistar a primeira vitória do ano no Brasil. “Mal posso esperar para correr em São Paulo”, disse o paulista ao site da Fórmula E.

O protagonismo dos brasileiros na Fórmula E se contrasta com o mercado nacional de carros elétricos, que ainda engatinha. Apesar do crescimento, os números ainda são incipientes se comparados ao total de veículos a combustão, sobretudo pela falta de incentivo e pelos preços elevados. Atualmente, o carro elétrico mais barato no país custa R$ 145.900.

Segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos, cerca de 49 mil veículos eletrificados leves foram emplacados no Brasil em 2022, o que representou 2,5% do total de emplacamentos no ano. Esse número, no entanto, é superior aos 1,8% registrados em 2021.

Ao todo, o Brasil tem uma frota de 126 mil veículos eletrificados, juntando carros híbridos e totalmente elétricos. Comparado aos anos anteriores, houve um aumento de aproximadamente 64% em relação ao conjunto de 2021 e de 199% em relação a 2020.

Em janeiro de 2021, Gustavo Bittencourt, mestre em design estratégico e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, disse ao Nexo que a falta de políticas públicas no setor em conjunto com o descompromisso ambiental à época dificultavam o impulsionamento do setor.

Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, indicou que a indústria de veículos elétricos deve receber aporte nos próximos anos. “É imperativa a redução da emissão de gases de efeito estufa, o estabelecimento de uma política de apoio a uma economia de baixo carbono, privilegiando tecnologias limpas e dando início a um processo produtivo eficiente, seguro e sustentável”, disse em evento em janeiro deste ano.

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