Expresso

A vulnerabilidade das cidades da Amazônia quando chove forte

Mariana Vick

28 de março de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h21)

Municípios tomados por inundações no Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins declararam estado de emergência. Incomuns nesta época do ano, temporais também atingiram parte do Maranhão

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FOTO: FELIPE FREIRE/SECOM ACRE

Homem que usa camiseta, bermuda e boné caminha em rua alagada. A água está pouco abaixo de seus joelhos. Ele segura as sandálias na mão esquerda.

Homem caminha em rua alagada em Rio Branco (AC)

Estados do Norte registraram estragos com a chegada de fortes chuvas na região no fim de março de 2023. Tomadas por inundações, cidades do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins declararam estado de emergência, com milhares de famílias desabrigadas ou desalojadas. Temporais também atingiram o Maranhão, no Nordeste.

Atribuídas por especialistas à mudança climática, as tempestades, consideradas incomuns para esta época do ano, expõem as vulnerabilidades das cidades da Amazônia a esse tipo de evento e mostram outro lado da mudança climática na região, conhecida pelos pelos problemas ambientais de suas áreas de floresta.

Neste texto, o Nexo explica o que aconteceu nos estados atingidos pelas chuvas, quais características das cidades amazônicas contribuem para estragos como os de agora e quais medidas elas precisam tomar para se adaptar ao novo cenário do clima. Mostra também qual a importância de ver a Amazônia sob o ponto de vista das cidades.

O que aconteceu na região

Os temporais que atingem os seis estados no Norte e Nordeste desde a terceira semana de março causaram cheias de rios e igarapés e alagamentos em capitais como Manaus, Rio Branco, Belém e Porto Velho, além de cidades vizinhas e comunidades indígenas e ribeirinhas.

Apenas em Rio Branco, onde o volume do rio Acre subiu de forma acelerada, cerca de 32 mil pessoas foram prejudicadas pela enchente, segundo informações oficiais. No Maranhão, 51 cidades estão em estado de emergência, com 31,4 mil famílias afetadas. Manaus registrou mais de 41 ocorrências de alagamentos e deslizamentos no sábado (25), e casas de palafita foram arrastadas pela chuva.

Apesar de chuvas e enchentes serem comuns nesses estados, tempestades assim não são esperadas para esta época do ano no Norte e Nordeste. Pesquisadores afirmam que se trata de um evento climático extremo, que estão ficando cada vez mais frequentes e intensos no contexto da mudança climática.

O governo federal prometeu dar apoio às cidades atingidas. Depois dos desastres, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, visitaram a região Norte no domingo (26). Marina disse na ocasião que o governo discute colocar 1.038 municípios de todo o país em “estado de emergência climática permanente”.

O que torna essas cidades vulneráveis

Embora os temporais no Norte e no Nordeste tenham registrado volume acima da média nas últimas semanas, não foram só eles que causaram os desastres vistos nas regiões nos últimos dias. Pesquisadores afirmam que características do desenvolvimento urbano dessas áreas contribuem para esse tipo de evento.

Segundo Keila Ferreira, coordenadora de Baixo Carbono e Resiliência Brasil da organização Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade) América do Sul, cidades como Manaus e Rio Branco são marcadas pela ocupação desordenada das margens de rios, o que as torna mais vulneráveis nos momentos de cheia.

FOTO: PEDRO DEVANI/SECOM

Imagem aérea mostra diversos quarteirões. Todas as ruas em volta estão alagadas com uma água marrom.

Ruas alagadas em Rio Branco (AC)

Henrique Frota, coordenador do Instituto Pólis, disse ao Nexo que essa não é uma característica exclusiva das cidades do Norte, mas que, no caso delas, esse problema se agrava, já que há uma ampla rede hídrica na região, que fica dentro do bioma Amazônia.

Dados do projeto MapBiomas divulgados em 2022 mostram que as ocupações de margens de rios dobraram no Brasil de 1985 a 2020. Esse processo é marcado pela redução de área de vegetação que serve para drenar a água dos rios, o que aumenta o risco de enchentes.

Apenas em Rio Branco, uma das cidades mais atingidas pelas chuvas de agora, cerca de 14 mil pessoas vivem em áreas de risco hidrológico e geológico, segundo a Defesa Civil Municipal. Sessenta e um bairros monitorados são vulneráveis a deslizamentos e alagamentos.

FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM PREFEITURA DE BURITICUPU – 26.MAR.2023

Crateras enormes ao lado de casas

Crateras abertas pela chuva em Buriticupu, no Maranhão

Apesar dos riscos, Frota disse que essa situação se mantém por dois motivos. O primeiro, comum em todo o Brasil, é a falta de priorização dos governos locais dos problemas que atingem as populações mais pobres e vulneráveis, que são as que vivem nas áreas de risco.

Outro motivo, mais característico da região da Amazônia, é a presença da cultura ribeirinha, marcada pela convivência com as cheias. “Não é à toa que existem as palafitas”, disse. “A questão é que hoje a intensidade das chuvas não é a mesma do passado, então a preparação da população não é mais suficiente para lidar com a cheia. Estamos vivendo outro momento diante da emergência climática.”

A crise do clima

Causas

A mudança climática começa com atividades que emitem grande quantidade de gases que agravam o efeito estufa, fenômeno responsável por tornar o planeta mais quente. Entre os gases emitidos estão o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso. A maior parte das emissões é causada por atividades dos setores de energia, transporte e alimentos.

Efeitos

A emissão de gases como o CO2 agrava o efeito estufa e, como consequência, causa o fenômeno que tem sido chamado de aquecimento global. A principal consequência desse aquecimento é o aumento das temperaturas. Entre outros efeitos, há também a elevação do nível dos mares e o aumento de eventos climáticos extremos. A expressão mudança climática é um sinônimo abrangente de aquecimento global.

Projeções

As projeções do clima mostram que o aquecimento global pode ultrapassar 2ºC ou mais até o fim do século 21 se o ritmo de emissões de gases do efeito estufa não diminuir. Para reduzir esse ritmo, são necessárias transformações em setores como o de energia e transportes. Em um futuro 2ºC, 3ºC ou 6ºC mais quente, a mudança do clima deve afetar (em grau maior ou menor) a economia, a saúde pública e o meio ambiente.

A questão urbana na Amazônia

Os temporais de agora chamam a atenção para um aspecto que pesquisadores dizem ser negligenciado na Amazônia: as cidades. Em coluna para a Ponto Futuro, editoria do Nexo que tem a Amazônia como um dos temas de cobertura, Isabela Avertano Rocha e Sâmyla Blois, da UFPA (Universidade Federal do Pará), escreveram que:

“Parece haver um esquecimento de que, à beira dos rios, abaixo ou entre aquele verde que se pode avistar dos aviões existe uma enorme diversidade de uso do solo, com cidades de diferentes escalas e articuladas entre si”

Avertano Rocha e Sâmyla Blois

pesquisadoras da Universidade Federal do Pará e integrantes da coalizão Vozes da Amazônia, em coluna de dezembro de 2022

Apesar de a Amazônia ser mais conhecida por sua floresta, que é a maior entre as tropicais do mundo, cerca de 75% da população dos estados da Amazônia Legal brasileira — que inclui toda a região Norte mais parte do Maranhão — estão na zona urbana, segundo o texto.

Frota disse ao Nexo que, ao não priorizar políticas para as cidades — como as de habitação, saneamento e desenvolvimento urbano —, os governos locais ignoram os impactos da mudança climática para a maioria de sua população, que não tem a qualidade de vida adequada.

Estudo da associação de pesquisa Iyaleta mostra que as condições de vida em Manaus são afetadas por fatores como o aumento do calor, a má qualidade do ar e a redução da qualidade da água, além dos eventos climáticos extremos. Outro estudo sobre Rio Branco mostra que o município tem passado por mudanças preocupantes de temperatura, com recorde máximo de 39ºC e mínimo de 6ºC.

FOTO: CLÓVIS MIRANDA/SECOM – 26.MAR.2023

Autoridades em entrevista coletiva a jornalistas, ao lado de deslizamento

Os ministros Marina Silva, do Meio Ambiente, e Waldez Góes, do Desenvolvimento Regional, em visita a Manaus, após fortes chuvas. Ao centro da foto, David Almeida (Avante-AM), prefeito da capital

Frota também chamou a atenção para o papel dessas cidades no agravamento da mudança climática. O desmatamento na Amazônia é um dos maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, mas a crise não é só causada por ele, segundo o coordenador do Instituto Pólis.

“A crise climática na região também é provocada pela matriz da mobilidade urbana — que depende muito dos combustíveis fósseis —, da industrialização e da expansão do perímetro urbano. Essas cidades estão no meio da floresta. Quando elas se expandem, elas promovem desmatamento”, disse.

Quais as recomendações para as cidades

Para evitar desastres como os causados agora, as cidades da Amazônia precisam adotar políticas de adaptação à mudança do clima, segundo Frota e Ferreira. Entre elas, estão a instalação de alertas para eventos climáticos extremos, a construção de canais de drenagem, o reassentamento de pessoas que vivem em áreas de risco e a reconstrução de matas ciliares (que ficam nas margens de rios) para evitar casos de enchentes.

Essas medidas são aplicáveis à maioria das cidades brasileiras que têm sofrido desastres cada vez maiores por causa das chuvas, como as do litoral de São Paulo, que em fevereiro registraram tempestades sem precedentes na região. Ferreira disse que na Amazônia é importante dar prioridade às soluções baseadas na natureza (caso da reconstrução de matas ciliares).

Rocha e Bloys escreveram em coluna na Ponto Futuro que até hoje, as cidades amazônicas têm sido muito influenciadas por um “repertório construtivo eurocêntrico”, apesar de os “aspectos climáticos e morfológicos locais serem muito específicos da região”. “Esse repertório ainda é convencionado e reproduzido como regra, ampliando os níveis de impermeabilização do solo, formações de ilhas de calor, e ignorando saberes e culturas que demonstram ter uma relação mais harmônica com a natureza”, disseram.

Ferreira também disse ao Nexo que, ao mesmo tempo em que adaptam as cidades para a mudança climática, os governos locais devem trabalhar para reduzir as desigualdades, que agravam os danos causados pelos eventos extremos. Segundo ela, é importante incluir a sociedade na discussão das soluções.

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