Como o negacionismo climático se renova nas plataformas
Mariana Vick
21 de janeiro de 2024(atualizado 22/01/2024 às 18h58)Pesquisa avaliou vídeos publicados entre 2018 e 2023 e identificou mudança de perfil em mensagens anticientíficas. Sem poder negar completamente o aquecimento global, foco agora é estimular inação
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Trabalhador anda em frente a escritório do YouTube em Londres
O negacionismo climático se renovou nas plataformas digitais. Com os recordes de calor recentes e a ocorrência cada vez maior de eventos extremos do clima, ficou difícil defender a falsa ideia de que o aquecimento global não existe. Em vez disso, antigos porta-vozes da teoria agora minimizam a mudança climática ou desacreditam as soluções para o problema.
Essa é a conclusão do relatório “The new climate denial”, publicado na terça-feira (16) pela organização britânica Center for Countering Digital Hate. A publicação chama de “novo negacionismo” o fenômeno observado a partir de postagens no YouTube. O discurso renovado tem escapado das atuais políticas da plataforma para combater desinformação.
Neste texto, o Nexo explica o que diz o relatório e quais são os tipos de negacionismo disseminados sobre a mudança climática. Mostra ainda quais são os impactos da desinformação sobre o tema, o que dizem as plataformas e qual é o panorama da situação no Brasil.
A pesquisa mostra que houve uma mudança no discurso de negacionistas do clima nas plataformas entre 2018 e 2023. Enquanto antes predominava o chamado “velho negacionismo” climático, agora prevalece o “novo”. Postagens no YouTube que disseminam o discurso renovado dobraram em seis anos, segundo a análise:
35%
era quanto o “novo negacionismo” representava do total de postagens negacionistas sobre o clima no YouTube em 2018
70%
era quanto ele representava do total de postagens negacionistas sobre o clima no YouTube em 2023
A publicação atribui ao “velho negacionismo” afirmações como a de que a mudança climática não existe ou de que sua causa não tem relação com as atuais emissões de gases de efeito estufa. Já o “novo negacionismo” busca desacreditar os cientistas, os movimentos pelo clima e as soluções para a crise (como a energia renovável). Também há quem diga que os impactos do aquecimento global são inofensivos ou benéficos.
A mudança de narrativa se deve às evidências crescentes da mudança climática em curso, na avaliação de pesquisadores citados no relatório. Segundo eles, negar o aquecimento global tornou-se insustentável, e agora os negacionistas buscam minar, por meio da desinformação, a reivindicação de políticas para o clima. Para o climatologista e geofísico Michael Mann, o objetivo é promover o “inativismo”.
Esses resultados foram obtidos a partir da análise de transcrições de 12.058 vídeos de 96 canais do YouTube em língua inglesa conhecidos pela disseminação de negacionismo climático. Os pesquisadores utilizaram uma inteligência artificial para analisar as declarações dos autores das postagens. Testes prévios mostraram que a ferramenta, chamada de Cards, tem 78% de precisão ao categorizar os diferentes tipos de negacionismo.
600
transcrições foram avaliadas por pesquisadores para verificar a precisão da inteligência artificial, dentro de um universo de mais de 12 mil
Enquanto o novo tipo de negacionismo ganha força, o YouTube ganha dinheiro, segundo a pesquisa. A plataforma fatura US$ 13,4 milhões a cada ano por meio de anúncios veiculados nos canais avaliados pelo relatório. Juntos, os 12.058 vídeos analisados acumularam 325 milhões de visualizações entre 2018 e 2023.
O YouTube tem uma política para não monetizar produtores de conteúdo que disseminam desinformação sobre o clima. Em 2021, quando a mesma organização que produziu o relatório de terça (16) afirmou que o Google e o Facebook patrocinavam conteúdos negacionistas, o dono do YouTube prometeu reforçar essas ações. O que a plataforma definiu como conteúdo negacionista, no entanto, já não reflete a realidade atual, segundo a pesquisa.
Pessoa caminha em praça protegendo o rosto do sol durante onda de calor em Atenas
A publicação recomenda que as plataformas atualizem suas políticas para contemplar novos discursos negacionistas. Para os pesquisadores, é preciso desmonetizar e tirar o alcance de conteúdos sobre o tema. O texto também recomenda que ativistas climáticos e formuladores de políticas públicas reconheçam a mudança no discurso negacionista, sob o risco de “perder” no debate necessário para impulsionar as soluções para o clima.
A plataforma se manifestou depois da publicação. Em declaração ao jornal britânico The Guardian, um porta-voz afirmou que a política do YouTube “proíbe a publicação de anúncios em conteúdos que contradizem o consenso científico bem estabelecido em torno da existência e das causas da mudança climática”. Outros debates são autorizados:
“São permitidos debates ou discussões sobre temas relacionados às mudanças climáticas, inclusive em torno de políticas públicas ou pesquisas. No entanto, quando o conteúdo ultrapassa os limites do negacionismo, deixamos de apresentar anúncios nesses vídeos. Também exibimos painéis informativos em vídeos relevantes para fornecer informações adicionais sobre mudança climática e contexto dado por terceiros”
Porta-voz do YouTube
em declaração publicada na terça-feira (16) pelo jornal britânico The Guardian
Pesquisa de 2023 do Center for Countering Digital Hate mostrou que conteúdos sobre negacionismo climático podem ter grande influência sobre quem usa as redes sociais. Quarenta e três por cento dos adultos americanos que gastavam muito tempo na internet disseram na época que concordavam com a afirmação de que “os seres humanos não são a principal causa do aumento das temperaturas”. O percentual foi ainda maior para adolescentes: 56%.
Esse impacto tem potencial de atrasar as ações de combate à mudança climática. Em relatório de 2022, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) criticou a “retórica e informações enganosas que sabotam as ciências climáticas e ignoram os riscos e urgência” do tema. Para o painel, “interesses econômicos e políticos velados” contribuem para a disseminação desses conteúdos.
Homem anda sobre solo seco na China
Tanto o negacionismo clássico quanto o “novo negacionismo” podem gerar esse resultado. Se um youtuber diz que a mudança climática não existe, que ela não é tão ruim assim ou que as propostas de solução não adiantam, o espectador pode sentir que não há mais o que se fazer sobre o tema. Mesmo produtores de conteúdo bem intencionados podem gerar resultados negativos ao difundir ideias derrotistas ou fatalistas.
Para cientistas, embora a mudança climática já esteja em curso — o que pode despertar, de fato, algum ceticismo sobre suas soluções —, manter tudo como está tende apenas a piorar a crise. Evitar esse agravamento ainda é possível, segundo relatórios do IPCC. Mitigar e adaptar os países aos efeitos do novo clima pode fazer diferença importante para a atual e as próximas gerações.
A publicação desta terça (16) não englobou o Brasil. Outros estudos, no entanto, tentam descrever o cenário no país. Em 2023, o projeto Mídia e Democracia, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (Fundação Getulio Vargas), por exemplo, mostrou que o debate sobre o clima ganhou grande repercussão nacional no último ano, mas também registrou discursos negacionistas e conspiracionistas.
Parte dos discursos difundidos busca negar o papel das atividades humanas na crise ambiental. Outros definem as “narrativas” sobre a mudança climática como uma “agenda global” que visa a dominação política e econômica. Postagens com essas mensagens estão em diferentes plataformas e envolvem diferentes atores, que às vezes também disseminam discurso de ódio a cientistas e ambientalistas.
Homem carrega garrafas de água ao andar em rua alagada em Duque de Caxias (RJ)
Alguns parlamentares estão entre os atores que disseminam desinformação no Brasil, segundo a pesquisa. Em seus perfis oficiais nas redes sociais, eles buscam contestar a existência da mudança climática e usá-la como instrumento de disputa partidária. De acordo com o projeto, o debate sobre o tema no país é marcado pelo alto grau de politização.
Nesse cenário, 87% dos brasileiros estão preocupados com a desinformação climática, segundo outra pesquisa divulgada em 2023 pelo Instituto Reuters. O percentual, registrado no último ano, representa um crescimento de 5% em relação ao ano anterior. O consumo de notícias sobre o tema também aumentou no país.
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