Expresso

As fraudes acadêmicas na China. E o cenário no Brasil

Cesar Gaglioni

26 de fevereiro de 2024(atualizado 27/02/2024 às 18h38)

Levantamentos mostram alto número de má-condutas em pesquisas científicas chinesas. Problema, porém, não é exclusivo do país asiático

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FOTO: Reprodução/PixabayMicroscópio de laboratório

Microscópio de laboratório

Desde 2017, a China é o país que mais produz artigos acadêmicos no mundo – com uma média de 750 mil publicações ao ano. Por outro lado, também é o país onde há mais registros de fraudes em pesquisas, como mostrou uma reportagem da revista The Economist de 22 de fevereiro. 

De acordo com levantamento da revista Nature, 46% dos artigos publicados em 2023 que tiveram algum tipo de fraude contavam com colaboração majoritária de pesquisadores chineses. Segundo analistas, o modelo chinês de financiamento de pesquisas favorece a má-conduta de cientistas.

O cenário não é exclusivo da China. Proporcionalmente, países como a Rússia e a Arábia Saudita têm mais casos de fraude. Há também registros do tipo envolvendo autores brasileiros.

Neste texto, o Nexo explica por que a fraude acadêmica é comum na China e qual é o cenário da má-conduta científica no Brasil.

‘Moinhos de pesquisa’

Uma pesquisa realizada pela revista Nature mostrou que, de 50 mil casos de má-conduta científica registrados entre 2021 e 2023, uma parte significativa tinha autores chineses envolvidos.

17 mil

é o número de casos de fraude acadêmica com envolvimento de autores chineses no período

De acordo com os autores do levantamento, o modelo de financiamento de pesquisa da China – que prioriza a quantidade de artigos produzidos, independentemente da qualidade deles – incentiva esse tipo de conduta, criando os chamados “moinhos de pesquisa”, laboratórios e revistas que produzem artigos em ritmo industrial, sobre qualquer assunto, para garantir a continuidade do financiamento.

Algumas ocorrências são muito evidentes e chegam a ser “ridículas”, de acordo com a bióloga holandesa Elisabeth Bik, que se especializou no estudo de fraudes acadêmicas. “Um artigo falava sobre câncer de próstata e dizia que metade dos pacientes estudados eram mulheres. Só homens têm próstata”, afirmou à Economist. “É esse tipo de coisa que vemos saindo desses moinhos de pesquisa. Alguns são mais convincentes, outros não.” 

Os “moinhos de pesquisa” também produzem artigos que são vendidos sem autoria definida para que cientistas possam colocar o próprio nome nos textos e aumentar os índices da própria produtividade.

O governo chinês tem tentado diminuir as fraudes. Em janeiro de 2024, o Estado decretou que universidades precisam investigar todas as denúncias de má-conduta que forem registradas, para saber se houve fraude ou não, com previsão de multas milionárias caso haja comprovação.

“Queremos construir uma nação que valoriza a ciência”, disse Wu Yan, vice-ministro da Educação, em um evento realizado em janeiro. “E isso envolve ter uma ação vigilante em relação a suspeitas de má-conduta por parte de acadêmicos. Estamos comprometidos com essa missão.”

“Me parece uma boa medida investigar retratações e má conduta científica. Isso certamente será bom para melhorar nosso ambiente científico”, disse à revista Chemistry World Shu-Li You, do Instituto de Química Orgânica de Xangai. 

A pesquisadora Wang Fei, especialista em políticas de integridade científica da Universidade de Tecnologia de Dalian, também considera a auditoria uma abordagem promissora, porque os esforços anteriores do governo chinês se limitaram à criação de diretrizes de integridade que até hoje não foram bem implementadas. “Desta vez, o objetivo é claro e o escopo é amplo, envolvendo toda a comunidade de pesquisa universitária”, afirmou à Nature.

Os dados proporcionais

Em números absolutos, a China lidera o ranking de países com mais fraudes acadêmicas. Já em números proporcionais – de comprovações a cada 10 mil artigos publicados –, a Arábia Saudita fica em primeiro lugar, seguida do Paquistão e da Rússia. Os números foram analisados, em dezembro de 2023, pelo site Retraction Watch, que monitora casos de fraude em pesquisas do mundo todo.

A lógica desses países é similar à da China, com o modelo de financiamento que incentiva a quantidade em vez da qualidade. Levantamento do jornal árabe Al-Estiklal mostrou que os “moinhos de pesquisa” do país podem chegar a movimentar US$ 3 bilhões anualmente

A situação no Brasil

Segundo dados do site Retraction Watch, houve 370 casos comprovados de fraude acadêmica envolvendo autores brasileiros entre 2000 e 2023. 

A maior parte deles, segundo o levantamento, tem erros metodológicos que resultaram em conclusões distorcidas. A maioria dos estudos está na área das ciências médicas.

Levantamento feito em 2021 pela revista Fapesp a partir de dados da Universidade de São Paulo – a maior do país – mostra que cerca de 7 mil teses de doutorado e dissertações de mestrado são defendidas anualmente na instituição. Desse total, três ou quatro trazem algum tipo de fraude, que acarreta na perda do título por parte do autor. 

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) é o órgão responsável por estruturar a produção científica do país. Não há dados públicos unificados sobre a quantidade de fraudes no ambiente acadêmico brasileiro, mas a instituição diz que está pronta para ajudar no combate aos casos, por meio da Comissão de Integridade na Atividade Científica.

Segundo o órgão, é função da comissão “examinar, em caráter preliminar, alegações de má conduta em pesquisa ou publicação de pesquisadores apoiados pelo CNPq – detentores de bolsa de produtividade ou auxílio à pesquisa. Caso seja considerado fundamentado, o caso deverá ser encaminhado a técnicos ou especialistas para análise quanto ao mérito.”

Além disso, a comissão deve “propor à Diretoria Executiva ações cabíveis em caso de má conduta na execução ou publicação de pesquisas por pesquisadores apoiados pelo CNPq, bem como sua aplicação nos casos concretos.”

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