Expresso

Como o furacão Beryl mostra os riscos de oceanos mais quentes

Mariana Vick

03 de julho de 2024(atualizado 05/07/2024 às 13h27)

Região onde tempestade se formou registrou temperaturas 3ºC acima da média, segundo meteorologistas. Fenômeno ganhou força com mais rapidez que o comum e chegou ao Caribe antes da época tradicional

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FOTO: Samir Aponte/Reuters - 02.jul.2024Homem, fotografado de costas, caminha ao lado de carro inclinado e parcialmente afundado em rua alagada. O dia está claro.

Homem caminha ao lado de carro danificado por passagem do furacão Beryl em Cumanacoa, na costa da Venezuela

O furacão Beryl, classificado como “extremamente perigoso” pelo Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos, formou-se em 25 de junho e na primeira semana de julho passou por países do Caribe como Jamaica e Granada. Nove pessoas já morreram em diferentes ilhas.

Essa foi a primeira vez que um furacão de categoria 4 atingiu o Caribe no mês de junho. A temporada de furacões na região costuma durar de junho a novembro, e a formação de uma tempestade tão intensa no início desse período é rara. Meteorologistas dizem que o Beryl ganhou força com muito mais velocidade que o comum, e sua formação pode sinalizar que 2024 terá uma temporada de furacões para rivalizar com 2005, ano da passagem nos EUA do Katrina.

Neste texto, o Nexo explica o que é o furacão Beryl e quais foram seus impactos até agora. Mostra também qual a relação entre o fenômeno e o aquecimento dos oceanos, como o aumento das temperaturas nas águas impacta outras dinâmicas marinhas e quais são os efeitos desse cenário no longo prazo. 

O que é o furacão Beryl

O furacão Beryl começou como uma instabilidade na atmosfera no dia 25 de junho. Ganhou força com o passar do tempo e no dia 28 transformou-se numa tempestade tropical, seguindo em direção ao Caribe, com previsão de ventos de 56 km/h. Dois dias depois, a velocidade dos ventos aumentou, e ele passou a ser classificado como furacão.

Inicialmente, o Beryl foi classificado como furacão de categoria 3, numa escala que vai até 5. Ainda no dia 30 de junho, ele passou para a categoria 4, registrando ventos de até 240 km/h. Um dia depois, foi reclassificado para a categoria 5, a mais intensa da chamada escala Saffir-Simpson: 

  • categoria 1: tem ventos de 119 a 153 km/h 
  • categoria 2: tem ventos de 154 km/h a 177 km/h 
  • categoria 3: tem ventos de 178 km/h a 208 km/h 
  • categoria 4: tem ventos de 209 km/h a 251 km/h 
  • categoria 5: tem ventos de mais de 252 km/h 

O Beryl ficou na categoria 5 até a manhã desta quarta-feira (3). Já à tarde, o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (conhecido pela sigla NHC) o pôs de novo na categoria 4, por estar com ventos de 225 km/h. Furacões com essa intensidade podem causar danos catastróficos, derrubando casas e postes de energia, com prejuízos à rede elétrica por semanas ou meses.

Quando surgiu, o Beryl estava no oceano. O furacão tocou o solo pela primeira vez na segunda-feira (1º), em uma ilha de Granada, país no sudeste do Caribe.  

9

pessoas já morreram por causa da passagem do Beryl, três em Granada, três na Venezuela e três em São Vicente e Granadinas, segundo autoridades locais 

O que o tornou tão intenso

O Beryl saiu do estado de tempestade tropical para o de um grande furacão em apenas 42 horas. O feito é muito raro na história dos furacões do oceano Atlântico. De acordo com meteorologistas, essa intensidade se deve ao aquecimento dos oceanos — a temperatura da água na região onde o Beryl se formou está até 3ºC acima da média. 

Quanto mais calor há no oceano, mais umidade é levada para a atmosfera, segundo as explicações. Essa umidade, em grande quantidade, torna-se combustível para a formação rápida de grandes tempestades. A Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA) já havia dito em maio que a temporada de furacões de 2024 seria “extraordinária”, com diversas tempestades de categoria 3 ou maiores.

FOTO: Marco Bello/Reuters - 03.jul.2024Homem negro, de capa de chuva amarela, manuseia dois barcos coloridos. O dia está nublado.

Pescador verifica barcos à medida que furacão Beryl se aproxima de Kingston, na Jamaica

A temperatura dos oceanos em 2023 foi a mais quente já registrada na história, segundo relatório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) publicado em junho. Regiões como a do oceano Atlântico Tropical e a dos oceanos Austrais tiveram aquecimento acima de 2ºC, acima da meta do Acordo de Paris. A taxa de aquecimento dos mares duplicou nos últimos 20 anos.

O quadro preocupa pesquisadores e ambientalistas, já que os oceanos têm papel fundamental na regulação do clima global. A previsão é que o Beryl se mantenha como furacão até sexta (5), mas com menor intensidade, na categoria 2. Autoridades da Jamaica disseram nesta quarta (3) que devem enfrentar seu maior evento climático em 40 anos.

Por que os oceanos estão mais quentes

A mudança climática é a principal responsável pelo aquecimento dos oceanos. A maior parte do calor retido na Terra por causa das emissões de gases de efeito estufa (geradas por atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento) é absorvida pelos mares. Essa absorção se traduz no aumento de suas temperaturas. 

Além de o aquecimento dos oceanos ter dobrado nos últimos 20 anos, o nível do mar, também por conta das mudanças climáticas, aumentou 9 cm em três décadas, segundo a Unesco. Os oceanos perderam 2% de seu oxigênio desde os anos 1960. Já sua acidez aumentou 30% desde o período pré-industrial, e o valor pode chegar a 170% até 2100. 

FOTO: Pilar Olivares/Reuters - 08.jun.2023Pessoas lado a lado dão aos mãos na praia, em frente ao mar, durante o dia. A câmera as mostra de longe, vistas do alto.

Pessoas se reúnem em homenagem a Dia do Oceano na praia de São Conrado, no Rio de Janeiro

O aumento do nível do mar e a perda de oxigênio dos oceanos se devem ao aumento das temperaturas. Quanto mais quente é a água, menos solúvel o gás oxigênio é no mar. Já a acidificação se deve às emissões de CO2 (dióxido de carbono), que, quando absorvido pelos oceanos, reduz o pH da água e a torna corrosiva.

Desmond McKenzie, ministro do Governo Local e Desenvolvimento Comunitário da Jamaica, que recebeu o Beryl nesta quarta (3), disse à CNN que as alterações climáticas estão “contribuindo significativamente para o que estamos vivendo hoje”. “Como um pequeno Estado insular, estamos sujeitos ao que o mundo que nos rodeia apresenta”, disse. Além de serem vulneráveis a grandes tempestades, esses países estão mais sujeitos a danos causados pelo aumento do nível do mar.

Quais são os efeitos no longo prazo

O aquecimento dos oceanos tem efeitos de curto e longo prazo. Além de tornar as tempestades mais intensas e contribuir para o aumento do nível do mar — já que a água mais quente ocupa mais espaço do que a água fria —, o aumento das temperaturas prejudica a vida marinha. Grande parte das espécies dos oceanos é sensível a esse tipo de mudança.

Os corais estão entre as formas de vida que ficam vulneráveis nesse cenário. O aquecimento dos oceanos pode provocar neles estresse térmico e pode branqueá-los — situação em que perdem as algas que vivem em seu interior e que lhe fornecem energia. O branqueamento nem sempre significa a morte de um coral, mas, sem sua principal fonte de alimento, eles podem morrer.

FOTO: Jorge LimaCoral completamente branco aparece no fundo do mar.

Corais em processo de branqueamento na Costa dos Corais, em Japaratinga (AL)

A perda de corais e de outras espécies marinhas provoca danos para a biodiversidade e para as sociedades humanas — que dependem delas, por exemplo, para a alimentação e para atividades econômicas como a pesca e o turismo. Os corais também são agentes importantes contra a mudança climática. Os animais, com seu esqueleto de calcário, formam barreiras que protegem a costa contra a erosão, inundações e outros processos intensificados pelo aquecimento global, além de variações do nível do mar.

Mesmo agora, com o surgimento do furacão Beryl, os corais têm ajudado os países caribenhos a se proteger de desastres ainda maiores. Quando esses animais morrem, seus esqueletos enfraquecem, e a barreira de proteção contra eventos climáticos extremos falha. O branqueamento de corais hoje é generalizado nos oceanos, e pesquisadores se esforçam para alertar sobre os riscos desse cenário.

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