
Peixe-leão-vermelho (Pterois volitans)
As águas costeiras do Brasil abrigam um mundo submarino rico em biodiversidade, particularmente especial em virtude da variedade de espécies endêmicas (que não podem ser encontradas em nenhum outro local do mundo). O sudoeste do Oceano Atlântico é lar de mais de 111 espécies endêmicas de peixes recifais e cada um deles desempenha um importante papel na complexa vida marinha desses locais.
Um visitante indesejado, no entanto, chegou a essas águas tropicais: o peixe-leão-vermelho ( Pterois volitans). Conhecido pela sua aparência deslumbrante e seu apetite voraz, o peixe-leão foi identificado pela primeira vez no Atlântico em 1985, no estado da Flórida, e se espalhou por todo o Caribe, matando peixes recifais em larga escala.
Recentemente, o peixe-leão ultrapassou um obstáculo formidável: a foz do rio amazônico Orinoco, que deságua no Atlântico a partir do Nordeste brasileiro. Até agora seu grande volume de água doce funcionou como uma barreira separando as espécies de peixes caribenhas e as que vivem mais ao sul, ao longo da costa brasileira.
Cientistas e ambientalistas alertam que a presença do peixe-leão nas costas brasileiras é um potencial desastre ecológico. Como um biólogo marinho, acredito que mitigar os danos exigirá uma abordagem multifatorial capaz de lidar com os prejuízos ecológicos, sociais e econômicos causados por esse peixe predador.
Rastreando a disseminação do peixe-leão
É fácil entender porque os peixes-leões fascinam os amantes de aquários. Nativo das águas quentes dos oceanos Pacífico e Índico, ele possui um tamanho que varia entre 30 e 40 centímetros de comprimento. A espécie tem barbatanas longas e listras nas cores vermelha e branca. Eles se protegem por meio dos espinhos dorsais que desferem dolorosas picadas venenosas.
O peixe-leão foi encontrado pela primeira vez em águas atlânticas em 1985 na cidade americana Dania Beach , na Flórida. Eles provavelmente haviam sido descartados por um colecionador de peixes. Desde então, eles se espalharam pelo Mar do Caribe, o Golfo do México, Triângulo das Bermudas e Carolina do Norte – uma das invasões marinhas mais bem-sucedidas já registradas. Um parente próximo, o peixe-leão comum ( Pterois miles), invadiu o Mar Mediterrâneo e está se espalhando rapidamente por lá.
Em dezembro de 2020, um pescador local pescou um par de peixes-leão em um recife de corais na zona mesofótica ou “crepuscular”, centenas de quilômetros abaixo do escoamento das águas do rio Amazonas. Um outro peixe-leão foi encontrado no arquipélago de Fernando de Noronha, 350 quilômetros da costa brasileira.
Outros animais da espécie foram encontrados em ambientes marinhos distintos ao longo da costa de oito estados do país. A captura de mais de 350 peixes-leão foi registrada ao longo de uma faixa de 2.765 quilômetros de costa.
Predadores agressivos sem inimigos naturais
Como outras espécies estrangeiras, o peixe-leão não enfrenta mecanismos de controle naturais como outros predadores, tais como doenças e parasitas, que controlam sua expansão no oceano Indo-Pacífico. Em 2011 um estudo concluiu que eles têm alcançado maiores números nas Bahamas do que em seu ambiente natural.
O peixe-leão prospera em muitos habitats marinhos, desde manguezais e leitos de ervas marinhas até recifes de águas profundas e barcos naufragados. Eles são caçadores agressivos e persistentes que se alimentam de peixes menores, incluindo espécies que mantêm os recifes de coral limpos e outros que servem de alimento para espécies comerciais importantes, como pargos e garoupas. Em um estudo de 2008, quando o peixe-leão apareceu nos recifes das Bahamas, as populações de pequenos peixes juvenis diminuíram 80% em cinco semanas.
A costa nordeste do Brasil e sua rica atividade de pesca artesanal está na linha de frente dessa ameaça invasiva. O peixe-leão está presente em manguezais e estuários costeiros – corpos de água salobra onde os rios encontram o mar. Essas áreas servem como berçários para importantes espécies de peixes comerciais. Perdê-los aumentaria o risco de fome em uma região que já enfrenta uma desigualdade social substancial.
Os pescadores também estão expostos ao risco de serem picados pelo peixe-leão. Apesar de não serem letais para os humanos, eles causam feridas dolorosas que podem exigir tratamento médico.
Enfrentando a invasão: os desafios do Brasil
As invasões biológicas são mais fáceis de controlar nos estágios iniciais, quando a população invasora ainda está crescendo lentamente. Infelizmente, o Brasil demorou a reagir à incursão do peixe-leão.
O sudoeste equatorial do Atlântico, onde está ocorrendo a invasão, foi vasculhado de forma menos precisa do que o Caribe. Houve pouco mapeamento em alta resolução do fundo do mar, o que ajudaria os cientistas a identificar potenciais habitats de peixe-leão e antecipar onde o peixe-leão pode se espalhar ou concentrar suas populações. A compreensão da escala da invasão é amplamente baseada em estimativas, que provavelmente não representam sua verdadeira extensão.
Além disso, as águas turvas ao longo de grande parte da costa brasileira dificultam o monitoramento. Apesar de sua aparência distinta, o peixe-leão é difícil de detectar e registrar em águas turvas, o que torna a tarefa de manter um registro preciso de sua propagação ainda mais difícil para cientistas, mergulhadores e pescadores.
Outro fator é que de 2018 a 2022, sob o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil cortou drasticamente o orçamento nacional para a ciência, reduzindo o financiamento das pesquisas de campo. A pandemia da covid-19 reduziu ainda mais a pesquisa devido a bloqueios e medidas de distanciamento social.
Recuperando o tempo perdido
O Brasil tem um histórico de monitoramento inadequado para detecção precoce de invasões marinhas. O peixe-leão não é exceção. As ações até agora têm sido reativas e iniciadas tarde demais para serem totalmente eficazes.
Como um dos muitos cientistas brasileiros que alertaram repetidamente sobre uma possível invasão de peixe-leão na última década, estou desanimado porque meu país perdeu a janela para agir antecipadamente. Apesar disso, pesquisadores marinhos e comunidades locais estão se empenhando cada vez mais.
Dada a extensão da costa brasileira, os métodos tradicionais de monitoramento costumam ser insuficientes. Por isso, recorremos à ciência cidadã e à tecnologia da informação para preencher as lacunas em nosso conhecimento.
Em abril de 2022, um grupo de pesquisadores liderou o lançamento de um painel online, que é atualizado continuamente com dados de pesquisas científicas e autorrelatos das comunidades locais. Essa plataforma interativa é mantida por um grupo de pesquisa liderado pelos cientistas marinhos Marcelo Soares e Tommaso Giarrizzo, da Universidade Federal do Ceará.
O painel permite que qualquer pessoa, de pescadores a mergulhadores recreativos e turistas, carregue dados sobre as observações do peixe-leão. Esta informação apoia esforços de resposta rápida, planejamento estratégico para medidas preventivas em áreas ainda livres de peixe-leão e o desenvolvimento de programas localizados de remoção da espécie.
Acredito que, assim como aconteceu no Caribe, o peixe-leão veio para ficar e com o tempo se integrará aos ecossistemas marinhos brasileiros. Diante dessa realidade, nossa estratégia mais pragmática e eficaz é reduzir as populações de peixe-leão abaixo dos níveis que causam danos ecológicos inaceitáveis.
As regiões ao longo da costa que ainda estão livres de peixes-leão podem se beneficiar de ações preventivas e precoces. Planos de vigilância abrangentes devem incluir programas de educação ambiental sobre espécies exóticas. Também podem ser usadas abordagens de detecção precoce, com técnicas como análise de DNA ambiental; iniciativas de ciência cidadã para monitorar, relatar avistamentos de peixes-leão, participar de abates organizados e coleta dos dados de pesquisa; além de levantamentos genéticos para identificar padrões de conectividade entre populações de peixes-leão ao longo da costa brasileira e populações brasileiras e caribenhas.
O Brasil perdeu a oportunidade inicial de impedir a invasão do peixe-leão, mas acredito que com ações estratégicas, rápidas e colaboração internacional, pode mitigar os impactos dessa espécie invasora e salvaguardar seus ecossistemas marinhos.
Osmar J. Luiz é pesquisador Sênior em Ecologia Aquática na Universidade Charles Darwin.