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O que o caso da baleia mais sozinha do mundo diz para nós

Avery Schuyler Nunn

03 de abril de 2025(atualizado 03/04/2025 às 17h04)

Sons de mamífero marinho foram ouvidos pela primeira vez há quase 40 anos no Oceano Pacífico. Ele nunca foi visto

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ARTIGO ORIGINAL

What ‘the world’s loneliest whale’ may be telling us about climate change

Grist

2 de abril de 2025

Autoria de: Avery Schuyler Nunn

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FOTO: Thomas Kelley /UnsplashBaleia azul saindo para a superfície do mar

Baleia jubarte saltando na superfície do mar

Há quase 40 anos, nas profundezas do Pacífico, uma voz entoou uma canção diferente de todas as outras. O som reverberou nas profundezas a 52 hertz, intrigando aqueles que ouviam esse canto solo na sinfonia do oceano. 

A frequência era muito mais alta do que a de uma baleia azul ou de sua parente, a baleia-comum, o que levou os cientistas a refletir sobre o mistério da Baleia 52.

Desde então, esse leviatã foi ouvido muitas vezes, mas nunca foi visto. Alguns suspeitam que ela possa ter alguma deformação que altere sua voz. Outros acham que ela pode simplesmente apresentar uma vocalização altamente incomum, um tenor entre barítonos. 

Porém, o biólogo marinho John Calambokidis, do Cascadia Research Collective, sugere outra possibilidade: a “baleia mais solitária”, chamada assim porque talvez não exista ninguém para responder ao seu chamado único, pode não ser uma anomalia, mas uma pista.

Calambokidis, que passou mais de 50 anos estudando cetáceos (mamíferos marinhos), suspeita que a Baleia 52 possa ser um híbrido: parte baleia-azul, parte baleia-comum.

Criaturas como a Baleia 52 estão se tornando mais comuns com o aquecimento dos oceanos. O fenômeno empurra as baleias-azuis para novos locais de reprodução, onde é cada vez mais provável que elas se acasalem com suas parentes de barbatanas

Uma pesquisa sobre as baleias azuis do Atlântico Norte, publicada no ano passado, constatou que elas compartilham até 3,5% de seu genoma com as baleias comuns. Um número surpreendente, já que as duas espécies divergiram há, pelo menos, 8,35 milhões de anos

Se a Baleia 52 for, de fato, um híbrido, sua existência sugere que as espécies Balaenoptera musculus (baleia-azul) e a Balaenoptera physalus (baleia comum) vêm se misturando, no mínimo, há décadas. 

As descobertas do Atlântico Norte indicam que isso está se acelerando.

A hibridização de baleias

O cruzamento entre cetáceos já foi documentado anteriormente, principalmente entre baleias narvais e belugas e entre duas espécies de baleias-piloto. 

Essas combinações são atribuídas, em grande parte, ao aquecimento dos oceanos, que empurra esses animais para novos territórios, fazendo-os conviver com maior proximidade. 

A hibridização tem sido estudada mais de perto entre criaturas terrestres, como os ursos-pardos nascidos de ursos-pardos e ursos-polares. 

Ela é pouco compreendida quando se trata dos mamíferos marinhos, e pouco se sabe sobre o que essa mistura significa para a genética e para o comportamento e sobrevivência do maior animal que já existiu.

“As baleias azuis ainda estão lutando para se recuperar de séculos de caça, sendo que algumas populações permanecem com menos de 5% de sua população histórica”, disse Calambokidis. 

O número de híbridos confirmados é baixo, mas mudanças contínuas dos habitats podem torná-los mais comuns. Isso corrói a diversidade genética e reduz a resistência das populações que enfrentam dificuldades de adaptação. 

Antes do avanço das pesquisas genômicas, há 30 anos, os biólogos marinhos identificavam os híbridos principalmente por meio da morfologia, a partir do estudo das características físicas.

Se um animal apresentasse as características de duas espécies — a pele manchada de um narval e o corpo robusto de uma beluga, por exemplo —, ele poderia ser rotulado como híbrido com base em características da aparência ou medidas do esqueleto.

Evidências anedóticas também podem ter um papel importante: os registros históricos da caça às baleias sugerem que as baleias azuis e as comuns ocasionalmente se cruzaram, embora esses pares não tenham sido confirmados.

Na melhor das hipóteses, no entanto, a morfologia pode revelar apenas a descendência de primeira geração de duas espécies distintas.

Ao analisar o DNA, biólogos marinhos, como Aimee Lang, podem agora identificar o cruzamento que ocorreu há gerações, revelando uma história muito mais complexa do que se entendia anteriormente. 

Esse novo nível de detalhe, no entanto, complica o quadro: as misturas estão se tornando mais comuns ou os pesquisadores estão simplesmente mais bem equipados para encontrá-las?

Riscos do cruzamento entre espécies

Ao investigarem as assinaturas genéticas das baleias em todo o mundo, os cientistas esperam distinguir se a hibridização é uma tendência emergente impulsionada pelas mudanças climáticas ou se é uma faceta antiga e negligenciada da evolução dos cetáceos.

De qualquer forma, alguns biólogos marinhos consideram o fenômeno preocupante, pois as baleias híbridas são praticamente incapazes de se reproduzir: embora algumas fêmeas sejam férteis, os machos tendem a ser estéreis. 

Esses híbridos representam uma pequena fração das baleias-azuis do mundo — das quais restam menos de 25 mil —, mas a população desequilibrada das duas espécies sugere que eles podem aumentar. 

Há quatro vezes mais baleias comuns do que baleias-azuis em todo o mundo, e uma estimativa das águas ao redor da Islândia encontrou a proporção de 37 mil comuns para 3.000 azuis.

“Três mil não é uma densidade muito alta de animais”, disse Lang, geneticista da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica. 

“Assim, podemos imaginar que, se uma fêmea azul estiver procurando um parceiro e não encontrar uma baleia azul, mas houver baleias comuns por toda parte, ela escolherá uma delas.”

O contexto afeta profundamente a conservação: se não for possível identificar facilmente as baleias híbridas, as estimativas das populações de baleias-azuis podem se tornar imprecisas e dificultar a eficácia dos programas de conservação.

O mais preocupante é que os animais estéreis não podem contribuir para a sobrevivência das espécies das quais descendem. Em termos simples, a hibridização representa a própria ameaça à viabilidade da espécie, a longo prazo.

“Se isso se tornar muito frequente, os genomas híbridos podem acabar suplantando os genomas das baleias azuis verdadeiras”, disse Lang. 

“Pode ser que os híbridos não sejam tão bem adaptados ao ambiente quanto uma baleia azul, o que significa que qualquer descendência produzida pode significar um beco sem saída evolutivo.”

Isso pode ter consequências para ecossistemas inteiros. Cada espécie de baleia desempenha um papel específico, que garante o equilíbrio do ecossistema marinho — gerenciando, por exemplo, as populações de krill ou fornecendo nutrientes essenciais para o ambiente, como ferro.

A evolução não deu aos híbridos um papel ecológico: “Esses indivíduos e seus descendentes não estão preenchendo totalmente o nicho ecológico de nenhuma das espécies que lhes deu origem”, disse Calambokidis.

Tudo isso aumenta a incerteza causada pelas mudanças climáticas, já em andamento. 

Muitos ecossistemas marinhos estão passando por mudanças de regime, que são impulsionadas pelo aquecimento das águas, acidificação e mudanças na oferta de alimento. 

Essas mudanças resultam em alterações abruptas e, muitas vezes, irreversíveis na estrutura e na função que cada ser vivo desempenha no ambiente. 

Tais alterações estão empurrando algumas espécies de cetáceos para locais de reprodução menores e mais isolados.

Baleias híbridas e conservação

Há motivos de preocupação para além das baleias azuis. Por exemplo, uma população de 76 orcas está ameaçada de extinção. O grupo vive ao sul do Noroeste Pacífico — região que perpassa o norte da Califórnia até o sudoeste do Alasca — e é geneticamente distinto. 

O cruzamento desenfreado entre as orcas está reduzindo a sua expectativa de vida quase à metade, colocando-as criticamente em ameaça de extinção. 

Há, nesse grupo, um aumento da chance das crias das baleias de apresentar características genéticas prejudiciais: sistemas imunológicos enfraquecidos, fertilidade reduzida e maior mortalidade. 

Tahlequah, a orca residente do sul que ficou conhecida mundialmente em 2018 por carregar a sua cria morta por 17 dias, perdeu outra cria em janeiro. As quase 370 baleias-francas do Atlântico Norte que ainda restam podem enfrentar desafios semelhantes.

À medida que as espécies se adaptam às alterações climáticas, o cruzamento e a hibridação entre cetáceos pode se tornar inevitável. Algumas dessas interações podem, inclusive, ser benéficas. 

A verdadeira preocupação é saber se essas alterações vão possibilitar a capacidade de sobrevivência das baleias. As baleias-híbridas podem ser uma anomalia, mas sua existência é um sintoma de perturbações antropogênicas mais amplas. 

“Há exemplos de populações que vão bem, embora tenham baixa diversidade genética, e há exemplos em que não vão bem”, disse Vania Rivera Leon, que pesquisa genética de populações no Center for Coastal Studies, em Provincetown, Massachusetts. 

“Elas podem estar bem sob as condições atuais, mas se e quando as condições mudarem, isso pode mudar. O efeito pode ser o que chamamos de gargalo”, acrescentou ela. “Ou seja, uma perda completa da diversidade genética.”

Essas mudanças geralmente se desenvolvem de forma muito gradual, dificultando a rápida percepção humana. As baleias não são como os peixes, que, por sua vez, vivem pouco e têm aumentos ou quedas populacionais rápidas e muito perceptíveis. 

As baleias vivem por décadas, com gerações que se sobrepõem umas às outras. Não é fácil verificar as tendências genéticas de maneira imediata. 

Os pesquisadores talvez precisem do dobro do tempo para entender como essas pressões estão moldando as populações de baleias. O mistério da Baleia 52 pode ser uma pista.

A seção “Externo” traz uma seleção de textos cedidos por outros veículos por meio de parcerias com o Nexo ou licenças Creative Commons.

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