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O aborto como cartada recorrente da direita no Congresso

Aline Pellegrini e Suzana Souza

11 de junho de 2024(atualizado 14/06/2024 às 19h26)

Urgência de projeto que criminaliza procedimentos permitidos em lei mobiliza deputados. Câmara tem homenagem ao Movimento Pró-Vida, de ações contra a interrupção da gravidez

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O tema do aborto mobilizou deputados na Câmara nesta terça-feira (11). Estava prevista a votação da urgência de um projeto que cria limites para o procedimento mesmo em situações já permitidas em lei, mas a análise foi adiada. Parlamentares também participaram de uma homenagem ao Movimento Pró-Vida, de ações contra a interrupção da gravidez. O Durma com Essa explica como o cerco ao aborto movimenta os  conservadores. O programa tem também Mariana Vick contando como a inteligência artificial tem mudado as práticas de pesquisas científicas.

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Edição de áudio Brunno Bimbati

Produção de arte Lucas Neopmann

Transcrição do episódio:

Aline: Uma pauta que parlamentares conservadores tentam há anos emplacar no Congresso. Um projeto de lei que dificulta o acesso ao aborto legal. Eu sou a Aline Pellegrini e esse aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo

Suzana: Olá, eu sou a Suzana Souza e tô aqui com a Aline pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Aline: Terça-feira, 11 de junho de 2024. Dia em que a discussão sobre o aborto mobilizou o Congresso. O tema veio à tona pela possibilidade da votação do requirimento de urgência do projeto de lei que quer modificar o Código Penal Brasileiro e equiparar abortos após a vigésima segunda semana de gestação ao crime de homicídio, inclusive nos casos em que o procedimento é legalizado. O projeto de lei é de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante, do PL do Rio, e de outros 31 deputados e deputadas, a maioria homens integrantes do partido PL. A votação foi adiada e deve ficar pra outro dia desta semana. Caso seja aprovada, a proposta vai diretamente ao plenário, ou seja, não precisa passar pela análise de comissões, o que agiliza a tramitação.  

Suzana: No Brasil, o aborto é permitido em três situações, segundo o Código Penal: quando não há outro meio de salvar a vida da mulher; quando a gravidez é resultante de estupro; e em casos de fetos com anencefalia, ou seja, ausência total ou parcial de cérebro. 

Aline: Essas regras fazem com que o país seja considerado pela organização americana Center for Reproductive Rights uma das nações com legislação mais restrita no direito ao aborto. 

Suzana: No texto atual do Código Penal, não há um limite de semanas para a realização de aborto legal, algo que seria modificado se a proposta de Sóstenes Cavalcante, com a chancela da base bolsonarista, for analisada e aprovada pela Câmara. 

Aline: Segundo o projeto, “quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima das 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme delito de homicídio simples”. De acordo com o texto, a pena pode ser mitigada conforme análise e decisão do juiz no caso. 

Suzana: Na prática, a mudança no Código Penal criminalizaria o aborto legal acima de 22 semanas, o que faria com que meninas e mulheres vítimas de estupro fossem obrigadas a seguir com uma gestação. A fixação do período de 22 semanas também é válida nos outros casos de aborto legal, ou seja, estabelece o período como um prazo máximo para o procedimento também nos casos de anencefalia e risco de morte para a mulher. 

Aline: Também nesta terça os deputados participaram no plenário da Câmara de uma homenagem ao Movimento Pró-Vida, grupo que faz ações contra o aborto. Chris Tonietto, do PL do Rio, foi a responsável pelo pedido pra realização do evento. Pra justificar o tributo no plenário, a deputada disse que a organização promove o valor e a dignidade da vida desde a concepção.

[áudio Chris Tonietto]

Nós estamos aqui porque, primeiro, a vida é um dom de deus. O milagre da criação acontece em primeiro lugar dentro do ventre de uma mulher. Um lugar que deveria ser um berço, deveria ser um santuário de vida, não um sepulcro, não uma sepultura, mas, muitas vezes, os promotores da cultura da morte, tentam transformar o berço, o ventre da mulher em verdadeiros sepulcros.

Suzana: O Movimento Pró-Vida é conhecido por espalhar desinformação sobre o uso de métodos contraceptivos e por suas postagens com teor religioso nas redes sociais, como descreveu a revista Veja. A sessão desta terça-feira na Câmara durou mais de duas horas e teve discursos de membros do grupo e de deputados da bancada evangélica, como a própria Tonietto, que a gente ouviu agora, e Carla Zambelli, do PL de São Paulo. 

[mudança de trilha]

Aline: A Ana Costa, médica e diretora-executiva do Cebes, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, disse em entrevista ao site da entidade que, na prática, o projeto “é uma reedição do Estatuto do Estuprador, que obriga mulheres a gestarem fruto de estupro, sob pena de prisão”. 

Suzana: A deputada Erika Hilton, do PSOL de São Paulo, disse algo parecido em publicação nas redes sociais. Segundo ela, o apelido da proposta é PL do Incentivo ao Estupro, ou PL da Gravidez Infantil. Ela afirmou que o projeto de lei: “Faz com que crianças estupradas sejam obrigadas a ter filhos de quem as estuprou. E que mulheres, meninas e pessoas que gestam que realizem o aborto sejam acusadas de um crime com uma pena maior do que o próprio estupro”. A advogada Hanettie Sato explicou essa afirmação da parlamentar em entrevista ao portal UOL.

[áudio Hanettie]

São duas agressões: primeiro a agressão contra o seu corpo cometida por uma outra pessoa e depois uma uma segunda agressão, que é a agressão do Estado contra aquela pessoa. O Estado, que deveria estar protegendo essa mulher, a está agredindo. Hoje a pena média estupro é de 6 a 10 anos. Com esse PL, a pena para mulheres que cometem, que fazem o aborto, um aborto legal, legal que eu digo previsto pela lei há 80 anos, é de 20 anos. 

Aline: O pedido de urgência do projeto na Câmara também gerou reações na sociedade civil, contra e a favor da matéria. Nas redes sociais, muitos famosos se manifestaram sobre o projeto de lei de Sóstenes Cavalcante. A atriz Samara Felippo, por exemplo, disse que deixar o texto avançar é de “uma crueldade bisonha e que quem não entende isso passou do nível do que é ser humano”. A cantora Teresa Cristina disse pros seus seguidores cobrarem os deputados.   

[áudio Teresa Cristina]

Se esse projeto for aprovado, essas crianças que já sofreram abuso infantil, vão perder o direito ao aborto legal. No caso da violência da infância, às vezes é muito difícil a gente perceber. Então, a criança demora a falar, a denunciar. Isso na maioria dos casos acontece dentro das casas. 

Suzana: A pauta também fez com que 68 entidades, entre organizações feministas e órgãos de saúde, se juntassem pra enviar uma carta aos deputados e deputadas com o título: “vocês querem que crianças sejam mães?”. A frase é uma referência aos índices alarmantes de abuso infantil. 

Aline: E todas as manifestações contrárias à proposta trazem a questão do abuso infantil por que geralmente os estupros contra crianças costumam ocorrer dentro de casa e, em sua maioria, são feitos por familiares ou conhecidos das vítimas. E crianças em muitos casos não conhecem o seu corpo pra saber que ele tá se modificando, pra poder entender que esse corpo tá gestando um feto. Por causa desse contexto, quando um estupro contra uma criança resulta numa gravidez, há demora até que essa gestação seja descoberta. 

Suzana: Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75,8% dos casos de estupro notificados no Brasil são de menores de 14 anos, e a maioria das crianças violentadas são meninas. 

Aline: A carta das entidades diz que são mulheres e meninas pobres e negras as mais afetadas. Sabe-se que a busca pelo aborto em idades gestacionais acima de 22 semanas se dá, em geral, por mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade que moram em locais com acesso inexistente ou dificultado à saúde. 

[mudança de trilha]

Suzana: O presidente da Câmara Arthur Lira, do PP de Alagoas, disse que a inclusão da proposta na pauta atendeu a um pedido da bancada evangélica. O governo Luiz Inácio Lula da Silva se colocou contra a matéria. Na segunda-feira, o Alexandre Padilha, que é ministro das Relações Institucionais, disse que o projeto de lei não deveria estar nesse momento entre os temas prioritários da Câmara, porque a discussão gera o que ele chamou de clima beligerante. 

Aline: A proposta de Sóstenes Cavalcante está relacionada a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes concedeu uma liminar e suspendeu provisoriamente no dia 17 de maio uma resolução do Conselho Federal de Medicina publicada em 3 de abril que proibia que médicos realizassem assistolia, o procedimento que causa a morte do feto, em gravidezes acima de 22 semanas provocadas por estupro. 

Suzana: Moraes também suspendeu processos administrativos e disciplinares ocasionados pela resolução do Conselho Federal de Medicina. Aí o Sóstenes Cavalcante protocolou o projeto de lei no mesmo dia da decisão de Moraes e negociou com Lira a inclusão da pauta na urgência. 

Aline: Cavalcante afirmou em entrevista à Revista Oeste que uma aprovação do projeto na Câmara seria “um recado muito claro ao STF, que sempre em matérias de costumes, visa usurpar a competência do Poder Legislativo”. 

Suzana: O Conselho Federal de Medicina recorreu da suspensão de Moraes e agora o caso tá sendo analisado por todos os ministros do Supremo. Nesta terça-feira, o Kassio Nunes Marques pediu destaque. A medida faz com que o processo que estava no plenário virtual passe a ser julgado no plenário físico.

Aline: O encaminhamento do projeto à urgência na Câmara ocorre num contexto de derrotas pro governo nas chamadas pautas de costume, como o endurecimento penal com a derrubada dos vetos presidenciais à lei que restringia as saídas temporárias de presos do semi-aberto. 

Suzana: Projetos de lei que endurecem a pena em relação ao aborto ou que restringem e dificultam o acesso ao aborto legal no Brasil não são uma novidade. Entre janeiro de 2021 e junho de 2022, foram apresentadas na Câmara dos Deputados pelo menos sete propostas que endurecem o acesso ao aborto legal, segundo levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria. 

Aline: Em 2019, 43% dos projetos de lei que mencionavam a palavra aborto eram contra a interrupção da gravidez e existe uma tendência ao longo dos últimos anos, de acordo com o centro, de aumento no número de projetos que restringem o direito e uma diminuição de projetos que ampliam o acesso ao procedimento. 

Suzana: Em 2013, o então deputado e presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PTB do Rio, apresentou um projeto de lei que dificultava o acesso ao aborto legal e tipificava como crime induzir gestante à prática de aborto. Um trecho do texto também abria brechas que poderiam dificultar o acesso à pílula do dia seguinte. 

Aline: Na época, o projeto gerou reações e protestos de mulheres nas ruas contra o texto e a permanência de Cunha na presidência da casa. Em 2021, a deputada Chris Tonietto, a mesma que viabilizou a homenagem ao movimento pró-vida, apresentou um projeto de lei que institui o Estatuto do Nascituro.

Suzana: Esse estatuto prevê a instituição de direito à vida desde a concepção, e atribui ao nascituro o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. O conteúdo defendido pela deputada no projeto baseia-se em uma ideia religiosa de que células fecundadas são uma vida. O projeto foi anexado a outra proposta, de 2018, e aguarda despacho do presidente da Câmara. 

Aline: A cientista política Larissa Peixoto Vale Gomes, pesquisadora na Universidade de Edimburgo disse em entrevista ao Nexo que projetos como o de Sóstenes Cavalcante e tantos outros que tramitam na Câmara dos Deputados são interessantes para grupos políticos conservadores porque eles chamam atenção da base com facilidade. 

Suzana: A pesquisadora disse que: “essencialmente, cria-se um problema, o aborto nas 22 semanas. E já tem a solução: a pena de homicídio. Mas o aborto no Brasil é ilegal em quase todas as circunstâncias, e extremamente difícil de conseguir quando é legal. Um grande número de abortos nas 22 semanas não é um problema real. Enquanto isso, eles podem ignorar problemas reais e a base acredita que ações estão sendo tomadas, e que seus políticos são bons e ativos”.

Aline: O Durma com Essa volta já.

[trilha da ponto futuro]

Aline: A inteligência artificial vem ganhando cada vez mais espaço na ciência. Áreas como as de saúde, materiais e meio ambiente têm obtido avanços importantes a partir do uso da tecnologia. A Mariana Vick escreveu sobre o tema pra editoria Ponto Futuro. Mariana, como a inteligência artificial tem mudado as práticas de pesquisas científicas? 

Mariana: A inteligência artificial não é nova na ciência. As primeiras formas de IA, chamadas de descritivas (ou primárias), já eram usadas em pesquisas para descrever dados que recebiam. Mas o cenário mudou bastante nos últimos anos, com a introdução das tecnologias generativas, que têm o diferencial de serem capazes de gerar novos textos, imagens ou outras formas de linguagem e foram popularizadas com o lançamento do ChatGPT. Os modelos usados hoje na academia fazem “um pouco de tudo”. Todas as etapas da produção científica têm se beneficiado de seu uso, da geração de hipóteses para pesquisas até a simulação de experimentos, a análise de dados, a publicação científica e a comunicação. Pesquisadores já conseguiram encontrar novos potenciais antibióticos, mapear milhões de proteínas e fazer previsões do tempo mais precisas com o uso de inteligência artificial. Essas mudanças são acompanhadas por vários benefícios para a ciência, mas também por algumas preocupações. Eu contei lá no meu texto um pouco desse panorama.

Aline: O texto da Mariana você lê em nexojornal.com.br/pontofuturo.

Suzana: Do aborto como cartada recorrente da direita no Brasil aos impactos da inteligência artificial nas descobertas científicas, durma com essa.

Aline: Com roteiro, apresentação e produção de Aline Pellegrini, apresentação e edição de texto de Suzana Souza, roteiro de Isadora Rupp, participação de Mariana Vick, edição de áudio de Brunno Bimbati e produção de arte de Lucas Neopmann, termina aqui mais um Durma com Essa. Até amanhã!   

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