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Rodrigo Portela Gomes


22 de janeiro de 2022

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Foto: Divulgação

O professor e advogado Rodrigo Portela Gomes indica livros que exploram os direitos quilombolas no Brasil

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Em minha curta trajetória na docência e na pesquisa na área do direito, tenho me engajado na tarefa de traduzir valores e práticas da população negra em instrumentos jurídicos que enfrentem as desigualdades sociais. Para tal, me apoio nas escritas negras que narram lutas por direitos. Das experiências de luta negra por direitos no Brasil, os quilombos constituem uma história e uma realidade pouco conhecida. Entretanto, é possível se aproximar desse contexto por meio de registros, orais ou escritos, que demonstram como a cidadania, a democracia e, principalmente, o direito são colocados à prova para os quilombolas.

A agência dos quilombos ensina sentidos e práticas que podem ajudar na promoção de relações mais democráticas e justas – autonomia, pertencimento e solidariedade. Com isso, convido as leitoras e os leitores a se aproximarem desses registros, da experiência quilombola, uma organização fundamental para a constituição da sociedade brasileira, em especial às múltiplas existências negras.

Colonização, quilombos – Modos e significados

Antonio Bispo dos Santos (Ayó, 2019)

A obra é um relato de saberes que integram o ponto de vista quilombola. Nego Bispo, do quilombo Saco-Curtume (PI), discute temas recorrentes nos estudos sobre formação social do Brasil. Apesar da linguagem escrita, o enredo transporta o leitor para uma roda de conversa sobre a colonização e a luta contra-colonial por meio de poesias, ditados e memórias. A partir da visão quilombola, a interpretação histórica sobre o Brasil compõe um arranjo teórico do processo de dominação racial que leva a uma série de guerras – cognitivas, religiosas, econômicas, culturais, etc. – que se desdobram do regime colonial até o democrático.

Mulheres quilombolas: Territórios de existências negras femininas

Org. Selma dos Santos Dealdina (Jandaíra, 2020)


Trata-se de uma obra coletiva que reúne produções de mulheres quilombolas de diversos territórios sobre temas como políticas culturais, econômicas e jurídicas. Os artigos, ensaios, poemas e manifestos são organizados por Selma Dealdina, do quilombo Angelim 3 (ES) – uma das principais referências políticas do movimento quilombola brasileiro. O livro reorienta as análises sobre o papel das mulheres quilombolas, quase sempre circunscritas ao cuidado da família. O próprio sentido de cuidado é posto em termos mais abrangentes, que dão conta da economia, da gestão territorial, da memória, da cultura, da justiça e da política como dimensões da vida quilombola. Com esse livro é possível identificar os principais eventos e personagens dos movimentos por constitucionalização dos direitos quilombolas, seja na Assembleia Constituinte, dos anos de 1980, ou com as litigâncias mais recentes junto ao Poder Judiciário. Entendo essa obra como um registro da geopolítica desenvolvida por mulheres quilombolas para o enfrentamento do racismo, que tem elaborado mecanismos de luta por igualdade, justiça e cidadania.

Aquilombar-se: Panorama sobre o movimento quilombola brasileiro

Bárbara Oliveira Souza (Appris, 2015)


Esta é a única indicação que faço de uma obra em que a autoria não é quilombola. Avalio o livro como o mais denso registro da constituição do movimento quilombola, no pós-1988. A antropóloga Bárbara Souza não só mobiliza uma série de lideranças fundamentais nesse processo, como percorre eventos e territórios que são focais para a tecitura de um movimento social que se orienta a partir da efetividade de princípios e práticas antirracistas. A personagem principal do texto é a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), no seu papel na consolidação política da recente agência quilombola no Brasil. A caracterização desse movimento social se faz a partir das memórias de lideranças locais. Com a categoria “aquilombar-se”, a autora revela traços políticos importantes do processo de reivindicação de direitos dos quilombolas, como suas estratégias, demandas e organização. O panorama da pesquisa ajuda a dimensionar como o quilombo é uma experiência transnacional e que no Brasil encontra-se enraizado por todo território, sendo constituído por núcleos que se articulam em redes políticas.

Educação e luta política no quilombo de Conceição das Crioulas

Givânia Maria da Silva (Appis, 2016)


A educação é uma agenda constante no processo de mobilização protagonizado pelos quilombos brasileiros. Nos primeiros eventos das organizações políticas no pós-1988, ainda que localmente – como o 3º Encontro das Comunidades Negras Rurais do Maranhão e nas primeiras agendas do movimento quilombola -, a preocupação com a educação nos territórios conduziu as principais frentes de atuação, expressa atualmente no Coletivo de Educação da CONAQ. O livro de Givânia Silva, do quilombo Conceição das Crioulas (PE), relata os resultados da pesquisa de sua dissertação de mestrado, na qual a autora analisa a experiência do território quilombola pernambucano para desenvolver uma proposta educacional orientada pelo ponto de vista partilhado pelas comunidades. O itinerário do livro relata o processo de reivindicação, formulação e implementação de uma política pública no campo educacional. Esse movimento local tem retorno político importante para o fortalecimento da memória e da cultura comunitária quilombola, o que afeta não apenas aquelas pessoas diretamente envolvidas com a gestão educacional, mas o território e os agentes que se relacionam com ele.

Racismo e violência contra os quilombos no Brasil

CONAQ e Terra de Direitos (2018)

O livro-dossiê é um documento de denúncia do movimento quilombola contra os impactos do racismo estrutural ao seu modo de vida. Além disso, é uma pesquisa desenvolvida por uma rede de organizações da sociedade civil, que, articuladas pela CONAQ, atuam na defesa dos direitos quilombolas e formam o coletivo Jurídico Joãozinho do Mangal. Realizada em parceria com a ONG Terra de Direitos, a publicação traz a sistematização de dados sobre a violência nos territórios quilombolas no período entre 2008 e 2017, destacando o aumento exponencial e o agravamento das situações de violência nos últimos anos. A investigação envolve um esforço coletivo, considerando que as informações foram coletadas e sistematizadas a partir da atuação direta dos próprios quilombos. Por essa configuração metodológica é possível identificar a importância da autonomia reivindicada pelo movimento social, que cria recursos aptos a sustentar suas reivindicações, na maioria das vezes provocadas pela omissão dos poderes públicos. Essa condição torna as comunidades mais suscetíveis aos conflitos territoriais provocados por invasões, grilagens e empreendimentos de natureza pública ou privada. Ainda, o livro apresenta uma análise interseccional da violência nesses territórios, perspectiva que seria fundamental às políticas públicas voltadas à redução dos casos de assassinatos, violência doméstica, ameaça, tortura e prisão ilegal. Também acredito que seria importante mobilizar esses dados para questionar as interpretações mais correntes sobre a violência e o racismo no Brasil, ainda muito restritas ao espaço urbano.

Rodrigo Portela Gomes é professor universitário, com atuação na formação jurídica. Doutorando em direito na UnB (Universidade de Brasília). Mestre em Direito, Estado e Constituição pela mesma universidade. Assessor jurídico popular, principalmente na litigância em direitos humanos de comunidades quilombolas. Coordenador de atividades do Centro de Documentação Quilombola – Ivo Fonseca, projeto de extensão da UnB. Autor do livro “Constitucionalismo e quilombos: famílias negras no enfrentamento ao racismo de estado” (Lumen Juris).

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