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“Comunidades imaginadas”. Essa foi a expressão que Benedict Anderson cunhou para explicar a maneira como as nações criam estruturas emocionais que fazem com que seus cidadãos se reconheçam a partir de verdadeiros laços de afeto.
Esse processo, como tudo na sociedade, não é apenas natural; há elementos que o constituem: as narrativas históricas que prometem um passado comum; os mapas que imaginam um território contínuo; os censos que estabilizam as populações de um país; os jornais que vendem a ideia de simultaneidade e contiguidade no tempo; as grandes manifestações cívicas que elevam a temperatura dos cidadãos.
Nessa época tão dada a afetos negativos, e maus exemplos de civilidade, o historiador e cientista político norte-americano debruça-se sobre estruturas de sentimento construídas socialmente, mas que, nem por isso, deixam de ter imenso impacto na realidade. Como culturaé o que elafaz, o certo é que certos “fatos” públicos acabam por se constituir em “eventos”, em função do conjunto de significações que aglutinam em torno de si.
Vou, assim, fazer um uso desautorizado da expressão para tentar descrever minha grande emoção ao participar da manifestação que ocorreu na Avenida Paulista, no dia 15 de maio de 2019. A qual, por sua vez, correspondeu apenas à versão paulista de um fenômeno mais amplo que inundou todos os estados brasileiros e foi repetido, segundo o jornal O Estado de São Paulo, em mais de 200 cidades de todo o país.
Milhares de brasileiros foram às ruas, na maior ordem e sem fazer balbúrdia, para usar um termo evocado (no sentido oposto) por nosso atual ministro da Educação. O ambiente era de tranquilidade, com todos compactuando de sentimentos se não iguais, ao menos parecidos. Afinal, estávamos todos lá, tomando parte dessa atividade cívica, que correspondeu ao ato de demandar pela melhoria da educação no Brasil; único setor capaz de se contrapor ao gatilho da desigualdade e de quebrar com o círculo vicioso da pobreza. Aliás, não há como esquecer que o Brasil caiu de 10º, para o 9º lugar no ranking de países mais desiguais do mundo, e que ocupa o vexaminoso 5º lugar na América Latina, no que se refere à desigualdade no uso da terra.
Lilia Schwarczé professora da USP e global scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O espetáculo das raças”, “As barbas do imperador”, “Brasil: uma biografia”, "Lima Barreto, triste visionário”, “Dicionário da escravidão e liberdade”, com Flavio Gomes, e “Sobre o autoritarismo brasileiro”. Foi curadora de uma série de exposições dentre as quais: “Um olhar sobre o Brasil”, “Histórias Mestiças”, “Histórias da sexualidade” e “Histórias afro-atlânticas". Atualmente é curadora adjunta do Masp para histórias.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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