Esta pesquisa investiga se o atual sistema eleitoral brasileiro faz com que muitos candidatos com votação inexpressiva se elejam para cargos legislativos. Alguns casos notórios de puxadores de votos, como o do deputado federal Tiririca, difundiram o mito de que uma parcela significativa dos parlamentares não estaria sendo eleita por mérito próprio.
Este estudo busca identificar, entre vereadores (2008 e 2012) e deputados estaduais e federais (2010 e 2014) eleitos, quantos não estavam entre os mais votados e a distância de sua colocação individual em relação ao número de vagas em disputa. Segundo o autor, ao mostrar que se trata de um fenômeno quase residual, a pesquisa pretende contribuir para a discussão sobre qual é a reforma política necessária para o país.
Quais os efeitos do atual sistema eleitoral brasileiro, utilizado para eleição de cargos proporcionais? Existe um mito difundido na opinião pública brasileira de que uma parcela significativa dos parlamentares seria eleita não com votos próprios, mas com votação inexpressiva, “puxada” pela votação dos partidos. Alguns casos notórios (como o dos deputados federais Enéias e Tiririca) popularizaram o fenômeno de eleitos que, apenas com sua votação, ajudaram a eleger correligionários sem votação expressiva. O objetivo deste estudo é identificar entre os eleitos – vereadores em 2008 e 2012, deputados estaduais e federais, ambos em 2010 e 2014 – quantos estavam, na ordem de votação nominal, dentro do número de vagas em disputa (portanto, seriam eleitos mesmo em um sistema de “mais votados”) e quantos não. Também se identifica, entre os eleitos que não estavam dentro dos mais votados, a que distância estiveram das posições principais, para verificar o grau da alegada “injustiça” do sistema. Será que o sistema eleitoral brasileiro realmente leva a que candidatos com votação inexpressiva elejam-se para cargos legislativos? Ou será esse um fenômeno residual?
Isso é importante para o entendimento dos eleitores e dos analistas políticos sobre como ocorrem as eleições no Brasil. Primeiro, porque saber como realmente os representantes obtêm sua eleição joga luz na compreensão de seu comportamento parlamentar. Para os analistas que acham que esses representantes apenas estão lá porque “não foram realmente escolhidos pelo povo”, a crítica fácil é que, como eles não têm votos, não prestam contas. Mas será que é verdadeira essa alegação de que os eleitos não foram majoritariamente votados? Em caso negativo, a explicação sobre os seus comportamentos deve residir em outro lugar, que não a ausência de votos. Segundo, um eleitorado melhor informado sobre esse aspecto do sistema eleitoral não só poderá tomar melhores decisões ao votar, como também poderá, potencialmente, se sentir menos injustiçado pelo sistema a respeito de suas escolhas. Por último, mas não menos importante, esses resultados ajudam a orientar o debate em torno das propostas de reforma eleitoral, já que esse fenômeno está na origem de diversas propostas de reforma, que visariam corrigir essa distorção, como o “distritão”, derrotado no Congresso em 2015.
Este artigo investiga o fenômeno dos “puxadores de votos”, apresentando os resultados para o tratamento de dados de seis eleições: vereadores em 2008 e 2012, deputados estaduais e federais, ambos em 2010 e 2014. Argumento que existe uma confusão conceitual entre quociente eleitoral, cuja obtenção não deveria ser esperada por parte dos candidatos, as posições finais na competição e o papel exercido pelos votos do partido/coligação. Contrariando a noção difundida de que os candidatos dependeriam dos votos partidários para eleger-se, demonstro que apenas entre 8% e 13% dos eleitos não estiveram, na ordem final de votação nominal, em uma posição até o limite do número de cadeiras em disputa. Os resultados jogam nova luz sobre a compreensão acerca do sistema eleitoral brasileiro, argumentando que a importância da transferência de votos intralista tem sido superestimada. Ao fim, sugerem-se questões de debate, à luz de potenciais propostas de reformas eleitorais.
Parlamentares eleitos entre os mais votados
Posicionamento dos eleitos na ordem dos mais votados
Será que o sistema eleitoral brasileiro realmente leva a que candidatos com votação inexpressiva elejam-se para cargos legislativos? Nos resultados, descobrimos que a porcentagem média nacional dos eleitos que não foram, respectivamente, os mais votados dentro do número de vagas disponível, varia entre 8% e 13%, conforme o ano e a eleição. Para vereadores, a porcentagem gira em torno de 12%; para deputados estaduais, em torno de 13%; e para deputados federais, 9%. A parcela verdadeiramente “proporcional” no sistema proporcional brasileiro é baixa, com apenas uma minoria dos eleitos tendo alcançado essa condição mesmo sem estar entre os mais votados em suas disputas. Compreender esses resultados tem implicações para o debate público. Algumas questões: 1) Uma vez que apenas candidatos com ampla votação (e, portanto, amplamente conhecidos pelos eleitores) conseguem eleger-se, isso pode nos ajudar a compreender o perfil dos eleitos. 2) Os dados reforçam a compreensão sobre o enfraquecimento dos partidos políticos e o personalismo na política, com candidatos necessitando maior exposição individual.
Potencialmente, esta pesquisa interessa a todos os eleitores brasileiros, pois são diretamente afetados pelos efeitos do sistema eleitoral. Mas, especificando mais, as informações apresentadas e os resultados desta pesquisa são especialmente importantes para três grupos: a) as organizações e os cidadãos engajados no debate público; b) analistas políticos e jornalistas, especialmente os que cobrem política; c) legisladores, operadores do direito e outros atores envolvidos de alguma forma na discussão e elaboração de propostas de reforma política e eleitoral. Nos debates travados na sociedade civil, existe uma longa discussão sobre os aspectos da tão propalada reforma política no Brasil. Um dos aspectos mais criticados é o atual sistema proporcional para eleição de deputados federais, estaduais e vereadores, que propiciaria que parlamentares sem votação expressiva se elegessem. Este, inclusive, já foi ponto central de discussão recente no Congresso. Mas, como esta pesquisa demonstrou, esse fenômeno possui baixo impacto, quase residual.
Márcio Carlomagnoé cientista político. Mestre em ciência política pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), com período sanduíche na Université de Montréal (Canadá). Doutorando em ciência política pela UFPR. Graduado em comunicação social e em gestão pública. Seus interesses de pesquisa incluem eleições e métodos quantitativos.
Referências
- Nicolau, Jairo. Sistemas eleitorais. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
- Nicolau, Jairo; Schmitt, Rogério. Sistema eleitoral e sistema partidário. Lua nova, n. 36, 1995.
- Santos, Fabiano. Instituições eleitorais e desempenho do presidencialismo no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 42, n. 1, p. 111-138, 1999.