"Só a cirurgia plástica pode consertar o seu nariz": Racismo e eugenia na coluna Elegância e Beleza de O Cruzeiro na década de 1940
Autoria
Julio César Sanches
LattesÁrea e sub-área
História da Comunicação/Comunicação e Raça
Publicado em
31/01/2023
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Espelhando-se nos países europeus, a primeira sociedade eugênica a surgir no Brasil – em 1918, na cidade de São Paulo – tinha interesse em desenvolver um projeto de identidade cultural civilizatório que pulverizasse a realidade multirracial do povo brasileiro. No início do século 20, foram colocadas em prática políticas públicas que impulsionavam o branqueamento dos brasileiros, impedindo o aumento das populações negras, indígenas e pobres. Essas políticas recebiam apoio da elite econômica e intelectual, uma vez que o projeto “civilizatório” compreendia indivíduos não brancos como responsáveis pelo subdesenvolvimento da nação. Os meios de comunicação da época, por sua vez, que refletiam as relações de poder na sociedade, deixaram rastros da sistematização política, social e cultural do embranquecimento no país.
Esta pesquisa mostra como a mídia jornalística atuou diante do projeto de branqueamento no Brasil durante o século 20.
Qual o papel dos meios de comunicação na produção do discurso racial brasileiro?

A coluna “Elegância e Beleza” recomendava cirurgias plásticas de caráter estético como estratégias de formação da beleza eugênica
Trata-se de pensar o modo de produção do discurso racial no Brasil a partir dos meios de comunicação e da imprensa. Nesse sentido, a relevância da pesquisa está em demonstrar que o projeto de branqueamento da população brasileira também circulava em periódicos como jornais e revistas de grande circulação nacional, na primeira metade do século 20, implicando numa disseminação do ideal de branqueamento e na propagação do discurso eugenista para além dos ambientes intelectuais da época.
A pesquisa buscou indicar, sobretudo, como a imprensa atuou na produção e reiteração de um discurso racial baseado na exaltação da brancura como símbolo de beleza e qualidade moral em contraposição à negrura como marginal, defeituosa e indesejável.
Assim, o texto analisou os discursos produzidos na coluna “Elegância e Beleza”, veiculada durante a década de 1940 na revista O Cruzeiro, um dos mais importantes periódicos do Brasil na primeira metade do século 20.
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A partir da análise das recomendações de embelezamento presentes na coluna, identificamos que as cirurgias plásticas eram entendidas como fórmulas de produção de uma imagem feminina branqueada.
A análise identificou que a jornalista Elza Marzulo, responsável pela editoria da coluna “Elegância e Beleza” da revista O Cruzeiro, recomendava cirurgias plásticas de caráter estético como estratégias de formação da beleza eugênica. Nesse sentido, observou-se que o discurso de embelezamento feminino era compatível com os interesses do movimento eugenista brasileiro. Concluímos que a produção da beleza feminina no Brasil da época estava eivada de uma concepção afromisógina, enquanto as características fenotípicas das mulheres negras estavam sendo compreendidas como defeituosas, imorais e indesejáveis. O ideal de beleza estava amplamente ligado às concepções do racismo científico que vigorou até a primeira metade do século 20 no país.
Estudantes universitários e pesquisadores das áreas de ciências sociais e ciências humanas, professores de história e comunicação, artistas, políticos e agentes públicos.
Julio César Sanches é professor adjunto da FCS/UERJ (Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Doutor em Comunicação e Cultura pela PPGCOM-UFRJ (Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Realizou estágio pós-doutoral na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo).
Referências
- FLORES, M. B. R. A política da beleza: nacionalismo, corpo e sexualidade no projeto de padronização brasílica. Diálogos Latianomericanos, n. 1, p. 88-109, 2000.
- JARRIN, A. E. Os novos arquitetos da miscigenação: o legado eugênico na na cirurgia plástica brasileira. Revista Magistro, v. 1, n. 1, p. 64-74, 2011.
- KEHL, R. A cura da fealdade: Eugenia e Medicina Social. São Paulo: Monteiro Lobato & Co., 1923.
- MARQUES, V. R. B. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994.
- SANCHES, J. C. Convocações biopolíticas e imperativos da boa forma: corpo, saúde e mídia no Brasil (1930-2000). 2022. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.