Acadêmico

A exploração do trabalho juvenil em redes de restaurantes

Kelem Ghellere Rosso

28 de novembro de 2024(atualizado 28/11/2024 às 21h44)
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Trabalhando no Madero: estratégias de controle e a centralidade do trabalho juvenil no capitalismo dependente

Autoria

Kelem Ghellere Rosso

Lattes

Área e sub-área

Ciências Humanas/Sociologia

Publicado em

05/09/2022

Conforme detalhado em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos no terceiro trimestre de 2024 foi 13,4%, número que supera em mais de duas vezes a taxa de desocupação geral da população brasileira (6,4%). 

 

Esta pesquisa defende que a alta vulnerabilidade ao desemprego e, por conseguinte, maior flexibilidade para aceitar oportunidades de entrar no mercado de trabalho registrada nessa faixa etária leva a situações de exploração de mão de obra profundas e lucrativas. Para investigar como se dão as estratégias de controle nessas relações empregatícias, foi analisado o caso da rede de restaurantes do Grupo Madero.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

Quais motivações levam redes de restaurantes, como a do Grupo Madero, a contratar uma mão de obra predominantemente juvenil e nordestina?

2Por que isso é relevante?

A juventude é, historicamente, um dos grupos sociais mais atingidos pela desigualdade do mercado de trabalho. Por conta da pressão causada pela ameaça do desemprego, jovens em busca de inserção profissional são impelidos a aceitar empregos cada vez mais precários e que impõem limites à continuidade dos seus estudos. Em contextos de crise econômica, a situação se intensifica e torna mais urgente a reflexão sobre o tema e a tomada de medidas para a superação dessa problemática. 

 

FOTO: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Pessoas comendo em restaurante

 

Entender qual o lugar ocupado pela população jovem no mercado de trabalho brasileiro atual revela as raízes da formação da classe trabalhadora e do caráter da burguesia brasileira e demonstra a permanência de estratégias de exploração da força de trabalho que remontam ao período escravocrata.

3Resumo da pesquisa

A pesquisa trata do caso da rede de restaurantes do Grupo Madero, empresa que emprega cerca de 8.000 funcionários e já conta com mais de 250 restaurantes presentes em todas as regiões do país. Tudo isso sem a contratação de trabalhadores terceirizados ou sistema de franquias, aspectos que contrariam a tendência de restaurantes do ramo ao mesmo tempo que mantêm algo em comum: a mão de obra predominante juvenil. De igual modo, não sem particularidades: os funcionários da rede são recrutados em cidades interioranas do país, com grande destaque para a região nordeste, e vivem em alojamentos mantidos pela empresa nas cidades onde os restaurantes operam.   

 

O objetivo da pesquisa foi analisar as estratégias de exploração e controle da força de trabalho na rede, principalmente através do sistema de alojamentos e do recrutamento direto, entendendo a centralidade da condição juvenil para o sucesso da marca. 

 

Para isso, investigou-se a constituição da empresa, a gestão dos processos de produção e trabalho e a trajetória do fundador da Madero e sua família, articulando tais aspectos com os fundamentos da estrutura social brasileira, em especial com o processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e da formação da burguesia no país. 

4Quais foram as conclusões?

Existe uma articulação entre mecanismos de exploração da força de trabalho considerados arcaicos e modernos que é vantajosa aos empregadores, pois sua dinâmica permite a ampliação da expropriação do valor produzido ao longo da cadeia produtiva. 

 

Como exemplo, o sistema de alojamentos combina-se com formas de exploração próprias da atual lógica de flexibilização das relações laborais. Ele opera um conjunto de recursos de controle sobre o trabalho: permite que os trabalhadores sejam deslocados entre unidades e tenham suas jornadas de trabalho flexibilizadas, a depender da necessidade da empresa; realiza um processo de “desterritorialização programada” ao deslocar os jovens de sua localidade natal e retirá-los de sua rede de apoio familiar; coloca-os numa “condição permanente de migrante”, o que, é sabido pelos estudos da área, amplia a vulnerabilidade desses trabalhadores perante os ditames da empresa; e permite ainda a extensão do controle e vigilância para a sua vida privada, adentrando o seu local de moradia. 

 

Essa estratégia revela que a condição juvenil é central para a reprodução de capital da empresa: é preciso ser jovem para aceitar os deslocamentos constantes e a vida em alojamentos.

 

A análise da constituição e expansão da marca e, ainda, da reprodução do capital da família permitiu observar a permanência de elementos que são estruturantes da formação social brasileira, como a desigualdade regional, que abre vantagem para o emprego de mão de obra das regiões e grupos sociais mais atingidos pelo desemprego e informalidade, e a desigualdade racial, que até os tempos atuais segue sendo um marcador fundamental de exclusão do mercado de trabalho.

5Quem deveria conhecer seus resultados?

Jovens em busca de inserção no mercado de trabalho, professores da rede básica e ensino superior, sindicalistas, profissionais da assistência social e pesquisadores da área. 

Kelem Ghellere Rosso é coordenadora do curso de ciências sociais do IFPR (Instituto Federal do Paraná), bem como do PIBID/IFPR, e docente do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional da UFPR (Universidade Federal do Paraná). É membro do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade, da UFPR, e líder do Grupo de Pesquisa Ensino e Ciências Sociais (CNPq/IFPR). Orienta pesquisas sobre juventude, trabalho, burguesia brasileira e ensino de sociologia.

Referências

  • ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.
  • FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2005.
  • IANNI, Octavio. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.
  • KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
  • OLIVEIRA, Francisco de. A questão regional: a hegemonia inacabada. Estudos Avançados. v. 7, n. 18. 1993.

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