Acadêmico

Como pessoas com deficiência intelectual consomem telejornais

Felipe Collar Berni

18 de dezembro de 2024(atualizado 19/12/2024 às 23h24)
O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

A recepção telejornalística de pessoas com deficiência intelectual

Autoria

Felipe Collar Berni

Lattes

Área e sub-área

Comunicação/Jornalismo

Publicado em

31/08/2022

A acessibilidade para PCDs (pessoas com deficiência) é um direito assegurado por diversos documentos oficiais que guiam tanto esferas internacionais quanto estados e municípios brasileiros. Promover a acessibilidade envolve, por exemplo, disponibilizar maneiras adaptadas de circular no espaço urbano, facilitar o acesso ao mercado de trabalho ou utilizar linguagens de mais fácil assimilação de acordo com as competências de cada indivíduo, e tem o objetivo de permitir que pessoas que vivem em regimes de desigualdade estruturais possam usufruir de maneira mais plena da cidadania. 

 

A fim de investigar que caminhos ainda podem ser percorridos na busca por uma ampliação da acessibilidade na área da informação, esta pesquisa analisa quais são os conteúdos jornalísticos televisivos mais consumidos entre pessoas com deficiência intelectual e que impacto esses materiais têm em suas vidas.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

De que forma pessoas com deficiência intelectual consomem conteúdos jornalísticos veiculados em telejornais e quais sentidos, significações e ressignificações produzem junto às suas relações sociais cotidianas?

2Por que isso é relevante?

A pesquisa explora o imbricamento entre cidadania e comunicação, abordando o papel crucial do jornalismo na construção do conhecimento público e na conscientização coletiva. 

 

FOTO: Domínio público/Rawpixel

Pessoa assistindo televisão

 

Em um momento em que o jornalismo enfrenta uma crise, parte dela causada pelo distanciamento em relação aos seus públicos, é importante pensar em como tornar as notícias acessíveis a todos, incluindo as pessoas com deficiência. 

 

Ao propor que o jornalismo deve se reconfigurar para cumprir sua função social de forma legítima e inclusiva, a pesquisa contribui para a manutenção da democracia e do exercício pleno da cidadania. E, além disso, destaca que, ao produzir conteúdos que agreguem e representem historicamente excluídos, o jornalismo pode promover uma verdadeira cidadania comunicativa, essencial para uma sociedade justa e igualitária. 

3Resumo da pesquisa

Realizou-se um estudo de recepção interessado em perceber os usos sociais que PCDIs (pessoas com deficiência intelectual) fazem dos conteúdos jornalísticos em suas relações cotidianas, discutindo hábitos de consumo, de apropriação e de acessibilidade para um público que tem especificidades e necessidades particulares. 

A pesquisa parte da perspectiva de que o jornalismo é uma forma de conhecimento capaz de fazer com que os acontecimentos tomem contornos na consciência das pessoas, e de que o direito humano à comunicação é garantia para o exercício do conjunto de direitos sociais. 

 

Além disso, reconhece a cultura como manifestação fundamental para perceber os sentidos e significações que os sujeitos pesquisados constroem a partir de suas experiências com jornais. Desse modo, mobilizando técnicas que valorizassem e explorassem a oralidade dos sujeitos pesquisados, articulou-se o desenvolvimento de uma pesquisa exploratória com a intenção de compreender a presença do jornalismo no cotidiano das PCDI. 

 

Por meio de entrevistas, traçou-se o histórico midiático dos sujeitos. Posteriormente, com os integrantes do corpus de pesquisa, constituiu-se um grupo de compartilhamento de notícias por meio do WhatsApp para materializar o consumo jornalístico dos membros. E, explorando as potencialidades do grupo focal, realizou-se um encontro de forma remota para provocar a interação entre os participantes, bem como observar como eles mobilizavam sua argumentação. O corpus de pesquisa foi constituído com residentes da Região Metropolitana de Maringá (no Paraná). 

4Quais foram as conclusões?

No conteúdo assistido, observou-se a presença de programações regionais das emissoras afiliadas a grandes redes, existindo uma aderência, entre os pesquisados, às pautas locais que os telejornais apresentavam. Além disso, foi possível observar o forte uso do jornalismo como uma mediação das pessoas com deficiência intelectual para com a vida em sociedade. 

 

Outra característica observada foi a aderência midiática: para eles, o conteúdo das pautas é mais importante do que os programas e emissoras específicas em que estão inseridas. As pautas que se sobrepunham geralmente eram as sensacionalistas — abordando assassinatos, roubos, atuação policial e acidentes —, as que envolviam diretamente suas vidas — ações em seus bairros, previsões climáticas, etc. — e, de maneira específica e pontual, as relacionadas à saúde provocadas pela pandemia de covid-19.

 

Quanto às pautas sensacionalistas, todos os pesquisados, sem exceção, de forma direta ou não, eram expostos a esse tipo de conteúdo. Há de se perguntar, no que se refere a essa dinâmica, se são os sujeitos que buscam esse tipo de jornalismo ou se é o jornalismo que faz uso dessa estratégia de narrativa de forma proposital. Algo que pudemos observar pelas análises de campo é que se trata de uma fonte que se retroalimenta. Quanto mais expostos às pautas sensacionalistas, mais essas ganham destaque e relevância na agenda pessoal de cada sujeito. 

5Quem deveria conhecer seus resultados?

Empresas jornalísticas e Escolas de Comunicação.  

Felipe Collar Berni é professor de jornalismo da UFRR (Universidade Federal de Roraima). Doutor em ciências da comunicação pela Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), mestre em jornalismo pela UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) e graduado em comunicação e multimeios pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Integra o Grupo de Pesquisa Processos Comunicacionais: Epistemologia, Midiatização, Mediações e Recepção (Processocom/Unisinos/CNPq) e a Rede Temática de Cooperação Científica: Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina (Rede Amlat). Pesquisa cidadania comunicativa junto de pessoas com deficiência.

Referências

  • BONITO, Marco. Processos da comunicação digital deficiente e invisível: mediações, usos e apropriações dos conteúdos digitais pelas pessoas com deficiência visual no Brasil. Tese (doutorado) — Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, São Leopoldo, 2015.
  • BONIN, Jiani Adriana. Processos e percursos de construção de pesquisas em recepção: algumas reflexões epistêmico-metodológicas. CONEXÃO: COMUNICAÇÃO E CULTURA, Dossiê, p. 13-25, 2018.
  • GUARESCHI, Pedrinho. O direito humano à comunicação: pela democratização da mídia. Petrópolis: Vozes, 2013.
  • MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2003.
  • MATA, María Cristina. Comunicación y ciudadanía: problemas teórico-políticos de su articulación. Fronteiras – Estudos Midiáticos, São Leopoldo, v. 8, n. 1, p. 5-15, 2006.

Navegue por temas