Uma etnografia institucional do processo de aferição racial na UFBA
Autoria
Ícaro Jorge da Silva Santana
LattesOrientação
Prª Drª Georgina Gonçalves e Prª Drª Rita Dias
Área e sub-áreaInterdisciplinar/ Políticas Públicas
Publicado em
30/06/2023
Como participar?
As ações afirmativas de cotas étnico-raciais no Brasil foram fruto de lutas dos movimentos sociais. Legislada e amplamente discutida a partir da Lei nº 12711, de 2012, a sua implementação responde a um entendimento de que a igualdade racial depende de garantias materiais e simbólicas a grupos minorizados.
A nível institucional, as ações afirmativas são fatores de construção de um novo perfil de universidade brasileira, não apenas voltada à formação da elite, mas com novas interrelações associadas à presença de pessoas negras e trabalhadoras na universidade.
Esta pesquisa analisa um dos mecanismos criados em volta da implementação das cotas raciais na educação superior brasileira, as comissões de heteroidentificação racial, utilizando como objeto as bancas de aferição da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Qual a metodologia da Comissão Permanente de Heteroidentificação Racial da Universidade Federal da Bahia?
Em busca de garantir uma melhor eficiência das ações afirmativas de cotas étnico-raciais na universidade, a UFBA projetou um instrumento que teria como competência a aferição racial e a apuração de fraudes nas inscrições.

Universidade Federal da Bahia, Campus Ondina
A Comissão Permanente de Heteroidentificação Racial foi pensada após diversos debates com a comunidade universitária. Sua importância está na necessidade de garantir a segurança jurídica dessas ações afirmativas.
Nos processos de discussão sobre o projeto no Conselho Universitário, foi perceptível a aprovação de grande parte dos estudantes diante da medida. Além disso, gestores, professores, funcionários técnico-administrativos e representantes dos movimentos sociais negros também foram envolvidos na construção de um grupo de trabalho para pensar e produzir estudos sobre as cotas étnico-raciais nas universidades.
A pesquisa, portanto, se inseriu numa agenda de debates acerca dos desafios do pós-implementação das cotas, sendo um dos primeiros trabalhos a tratar da metodologia do processo de aferição da UFBA.
Os discursos de democracia racial, mestiçagem e cordialidade impactaram a forma como as políticas de ações afirmativas étnico-raciais foram compreendidas no Brasil. A fragilização das políticas de cotas étnico-raciais por conta das fraudes na autodeclaração racial é uma consequência desses discursos. Igualmente, os resquícios dessa lógica implicaram institucionalmente na demora da resolução desses problemas pela UFBA, que tardou em oferecer medidas coibidoras de fraudes.
A partir de 2019, nos processos seletivos de ingresso na graduação, a UFBA, em vista de garantir a entrada dos estudantes negros cotistas, adotou, como procedimento complementar à autodeclaração racial, as bancas de aferição racial, administradas pela CPHA (Comissão Permanente de Heteroidentificação Complementar à Autodeclaração).
A pesquisa visa investigar e analisar as práticas institucionais e discursivas da CPHA/UFBA, por meio da investigação das práticas sociais dos seus participantes, focando nos anos entre 2019 e 2022. Para isso foram feitas análises de diários de campo institucionais e entrevistas com múltiplos agentes envolvidos no processo: gestores, avaliadores das bancas de aferição, estudantes ingressos por cotas étnico-raciais, dirigentes do movimento estudantil e dirigentes de movimentos negros.
No que tange à análise do contexto, compreende-se que as tentativas de fraudes nas cotas étnico-raciais sempre estiveram presentes na realidade da universidade, desde a sua criação. Elas motivaram, ao longo do tempo, denúncias do movimento estudantil e do movimento negro, que culminaram na criação da CPHA.
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A UFBA utiliza o método “Oju Oxê”, formulado pela professora Marciele Garcia. Seu primeiro passo é o acolhimento dos estudantes negros a partir de uma breve explicação sobre conceitos que envolvem as relações étnico-raciais e sobre o procedimento das bancas de aferição racial. Essa formação é importante para a recepção dos estudantes.
Logo após, há o processo de fotografia, que é utilizado a partir da perspectiva de afirmação e reconhecimento das pessoas negras que ingressaram na universidade.
Por último, é realizado o encontro com a banca de aferição, na frente da qual os estudantes afirmam a sua identificação étnico-racial para análise dos aferidores.
A avaliação da pesquisa é que o método adotado nas bancas de aferição tem implicado uma diminuição da tensão racial e ajuda no processo de acolhimento das/os candidatas/os negras/os na UFBA.
A comunidade universitária e o público geral.
Ícaro Jorge da Silva Santana é advogado e professor colaborador do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de Brasília. É mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Universidade e está realizando doutorado em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília, com período sanduíche no CICS.NOVA.UÉvora (Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade de Évora, em Portugal). Além disso, é pesquisador do Geppherg (Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero) e ativista do MNU/BR (Movimento Negro Unificado brasileiro).
Referências
- AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, SP: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 152 p.
- VERAS, Renata Meiras. (2014). Introdução à etnografia institucional: mapeando as práticas na assistência à Saúde. Salvador: EDUFBA. 1ª Edição. 2014.
- SOUZA, Marcilene Garcia de. (2020). Bancas de aferição, fraudes e seus desafios na educação superior e nos concursos públicos. Revista Educação em Debate, Fortaleza, ano 42, n. 83, p. 85-97, set./dez. 2020.
- VAZ, Lívia Maria Sant’Anna. As comissões de verificação e o direito à (dever de) proteção contra a falsidade de autodeclarações raciais. In: Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos – Canoas: IFRS campus Canoas, 2018.
- GOMES, Nilma Lino. Tempos de lutas: as ações afirmativas no contexto brasileiro. 1. Ed. Brasília: MEC/SECAD, 2006. 152 p.