Coluna

Reinaldo Moraes

Bem-vindo à ducentésima idade

04 de fevereiro de 2016

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É meio desagradável a súbita percepção de que se está bem mais pra lá do que pra cá nesta vida

Um belo dia do mês passado, tomei a liberdade e fiz aniversário. (Desculpe não ter te convidado, mas a cerveja tava contada…) Se tivessem posto em cima daquele delicioso bolo de chocolate todas as velinhas correspondentes à minha idade, o velhinho aqui teria tido um ataque apoplético por insuficiência respiratória ali pela quinquagésima velinha. E ainda restariam algumas tantas velinhas a serem sopradas. Já fiz essa piadelha antes, num artigo que escrevi pra revista “Piauí” por ocasião dos 100 anos de nascimento do escritor argentino Júlio Cortázar, que, no entanto, morreu aos 70. Se ele ainda estivesse vivo, escrevi eu, emborcaria de cara no bolo ao tentar assoprar a quinquagésima velinha, morto de exaustão respiratória. Uso de novo a mesma gag por ser ela de minha lavra e porque o Cortázar é um dos meus escritores preferidos de todos os tempos. De qualquer forma, convenhamos, ninguém consegue ser original o tempo todo.

Quanto à minha idade atual, recém-celebrada, prefiro fazer boca de siri, numa clara demonstração de que o assunto começa a me incomodar. É meio desagradável a súbita percepção de que se está bem mais pra lá do que pra cá nesta vida, o lá sendo aquele lugar feito de nada e coisa alguma pra onde iremos todos um dia viver a eternidade do não ser. O cá, no caso, é este lugar aqui em São Paulo, Brasil, Terra, onde disponho de mulher, filhas, amigos, tempo, espaço, pastasciutta, bifes, cervejas, e um Sildenafilzinho vez por outra, que ninguém é de ferro. E aproveito pra comunicar à praça e aos meus queridos genes que pretendo continuar frequentando este lugar, o mundo dos vivos, por mais algum tempo ainda.

Mas, por quanto tempo? That’s the fucking question.

Bom, li outro dia no jornal que o homem mais velho do mundo pode ser um brasileiro, o seu José Coelho de Souza, que teria 131 anos de idade. Ele vive numa comunidade ribeirinha no interior do Acre, no meio do saladão amazônico, e vai completar 132 agora em março, no dia 10, pelo que diz sua certidão de nascimento. Pela foto divulgada na imprensa, o homem parece bem combalido. Talvez não desse conta de soprar nem 10 velinhas. E há controvérsias sobre a veracidade daquela certidão, que foi expedida apenas em 1974, quando ele foi a um cartório solicitá-la. Até então, seu José se fiava apenas em relatos familiares sobre a data de seu nascimento. Além disso, consta que o macróbio se casou efetivamente naquele ano de 74 com uma jovem de 20 anos, quando já teria 90 anos, e teve com ela 3 filhos. Uma proeza respeitável, mesmo se considerando o velho adágio popular, segundo o qual “homem velho, capim novo”. Haja capim novo, cá entre nós, pra tanta velhice, sobretudo naquela era a.v. — antes do viagra.

Só pra registro, se os 132 anos do Matusalém do Acre não puderem ser cabalmente comprovados, a pessoa mais velha do Brasil passa a ser a dona Alida Grubba Rudge, que  tem 112 anos bem certificados e vive em Santa Catarina. Mas torço pro seu José ter vivido de fato esses 132 anos todos, provando que é possível chegar lá. Voltamos a conversar sobre o assunto daqui a 66 anos, quando, se tudo correr bem, chegarei à alegada idade que o seu José afirma ter hoje. Ou seja, estou teoricamente “nel mezzo del cammin di nostra vita”, como disse o Dante Alighieri. E quem sabe se daqui a umas duas décadas, ou seja, nas imediações dos meus 90 anos, ainda estarei em condições de cortejar garotas de 20 anos, como o seu José.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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