Coluna

Reinaldo Moraes

A castidade ao alcance de todos

28 de abril de 2016

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Quando se fala em sexo, são os órgãos sexuais que, em geral, recebem toda a luz dos holofodes. Digo, fotes.

Sexo, de um modo geral, é um negócio engraçado. E os órgãos sexuais podem ser negócios engraçadíssimos. Ou trágicos. Engraçados ou trágicos, a verdade é que pênis, vagina, ânus, peitos, boca et allia estão entre os órgãos e detalhes anatômicos que costumam se deleitar, e também padecer, com as decisões tomadas pela cabeça da pessoa — a de cima — embora todos saibamos que eles são apenas os executantes das ordens mentais provindas da nebulosa libido, essa cabrita desgovernada.

Acabo de ler aqui que uns cientistas franceses identificaram a região do cérebro humano que exerce papel dominante na excitação sexual. É um tal de claustro, uma região do lobo temporal ainda pouco estudada. Claustro é um nome em si excitante, remetendo ao setor do convento em que religiosos ficam confinados, sejam padres ou freiras — ou ambos, na calada da noite. De Aretino a Carlos Zéfiro, há muita literatura erótica, de alta, média e baixa qualidade, com tramas ambientadas nas alcovas abafadas dos claustros, à luz de velas bruxuleantes. Imagine você ter um claustro desses dentro da sua cabeça, que já é, em si, um claustro ósseo onde a mioleira doida se abriga. Puro Marquês de Sade.

Mas, quando se fala em sexo, são os órgãos sexuais que, em geral, recebem toda a luz dos holofodes. Digo, fotes. Ou seja, o claustro da pessoa bola todo tipo de estripulias sexuais, e quem leva a culpa é um pênis distraído, uma inocente vagina ou, subsidiariamente, uma boca, um ânus etc. É muito comum, entre homens, sobretudo, tentar resolver seus perrengues sexuais agindo diretamente sobre os órgãos executores das ordens advindas do diabólico claustro. Gente da minha geração, ou seja, nascida depois do gabinete Cotegipe, no apagar das luzes do Segundo Império, lembra-se do popularesco e divertido jornal Notícias Populares, que estampou numa de suas edições a famosa manchete “Broxa torra pênis na tomada”. A notícia dava conta de um homem impotente que, em desespero de causa, enrolou um fio elétrico descapado em seu pênis e meteu o plug na tomada. O idiota morreu com o pênis torrado, mas ainda em estado de repouso. Nem com tal sacrifício extremo o sujeito conseguiu uma ereção, trágica ironia. Ele devia é ter dado um choque no claustro dentro da cabeça dele, e não em pinto, um mero ajudante de ordens.

De outra feita, um cidadão casado e evangélico praticante, numa crise terrível de consciência por ter executado os mais transgressivos planos sexuais traçados no claustro, deitou seu pênis pecador numa guilhotina de cortar papel e o decepou. Isso foi em Guarulhos, na Grande São Paulo, já faz uns anos. Com uma hemorragia brutal e fortes dores, o cara foi levado na correria a um pronto-socorro. Enquanto recebia os primeiros cuidados dos médicos, uma pessoa da família do “decapintado” apareceu no hospital com o bilau decepado do paciente, na esperança de que pudesse ser reimplantado. Esse bom samaritano, agindo com racionalidade, sabia que o pênis em si era apenas um inocente útil, tornado agora inútil pela guilhotina de cortar papel. Afinal, um pênis é um pênis é um pênis, como poderia ter dito a poetiza americana Gertrude Stein. (“Rose is a rose is a rose is a rose,” é um de seus versos mais famosos, em que a poeta procura recuperar a presença da coisa nomeada através da repetição do seu nome, ao mesmo tempo banalizando a carga simbólica da flor lírica.)

Um dos médicos da equipe que operou o homem — sete horas e meia de cirurgia e 32 pontos — teria comentado que nunca viu um homem e seu pênis chegarem em carros separados ao hospital. Imagino que um médico socorrista acabe vendo de tudo nessa vida. O risco pós-cirúrgico pro paciente reimplantado era o da rejeição, comum nesse tipo de cirurgia. Como foi rejeitado, o pênis do evangélico poderia dar o troco rejeitando seu antigo dono. Mas o cara deu sorte e o pênis dele acabou se readaptando à sua antiga morada, pronto para o que desse e viesse, e vice-versa. Se fosse católico, o fulano poderia simplesmente ter confessado seus pecados e cumprido uma réles penitência — pênis-tência, diria um trocadilhista inveterado como eu. Um punhado de ave-marias e padre-nossos dariam conta do recado, sem sangue nem cirurgias.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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