Coluna

Yasmin Thayná

No debate sobre apropriação cultural, turbante e permissões, eu preferi ouvir

20 de fevereiro de 2017

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Teve de tudo nessa discussão. Inclusive muita cagação de regra. É nessas horas que a gente vê o quanto de ‘historiador’ de Facebook surge para passar vergonha

Nas duas últimas semanas, um assunto sacudiu as redes sociais e as amizades de uma galera: o caso da menina que relatou ter sido criticada por ser branca e usar turbante. Uma discussão antiga, longa e que, volta e meia, ressurge de uma maneira diferente. Dessa vez, o debate esteve mais acalorado, pelo menos na minha bolha virtual. Eu decidi ouvir. Para quem me perguntou o que eu achava, eu disse que não tinha respostas e estava, realmente, refletindo sobre a questão. Foi a melhor coisa que fiz.

“Ouvir é participar”, certa vez ouvi essa frase, não me lembro quem disse e nem em que situação, mas é uma sabedoria que tem me regido desde o início do planeta 2017. Como é bom participar de um debate, seja ele qual for, ouvindo. Primeiro, porque é um exercício incrível para melhorar as ideias que você tem sobre o mundo. Segundo, porque quando a gente não domina um tema, a melhor coisa que temos a fazer é ouvir. A gente pode até duvidar de um argumento, mas ouvir pode ser bom. Terceiro, é porque se o assunto tem a ver ou não com o seu universo, e você não tá tão seguro assim para opinar, lembra da tua avó dizendo: “em boca fechada não entra mosca”? Então.

Teve de tudo nessa discussão. Inclusive muita cagação de regra. É nessas horas que a gente vê o quanto de “historiador” de Facebook surge para passar vergonha: aqueles que dizem que o turbante veio da Índia, por exemplo. Risos. Ou aqueles que acham que debate é a mesma coisa que um ringue de luta: ganha quem deixar o adversário tonto o mais rápido possível. Parem as máquinas: tá tudo errado! Como podemos entrar num debate para ganhar? Para ver quem tem argumento mais forte? Pra ver quem sabe mais? Pra ver quem tem mais likes no comentário, na publicação? Quem expõe mais o outro na rede social? Quem perde mais amigos? Desde quando debate é feito de perdedores e vencedores? É isso que a gente chama de descolonizar o pensamento e o nosso jeito de agir no mundo?

Parece que até no espaço de aprendizado estamos capturados e colonizados, não sabemos mais ouvir e desaprendemos o sentido real do debate, que é aprender com o outro.

Não proponho um mandamento de “vamos dar as mãos, sermos todos irmãos, andar na mesma direção”. Não, eu sei que isso não vai rolar. O mundo é feito de diferenças e eu acho interessante experimentá-lo dessa perspectiva. O ruído que corta as nossas vidas pode ser capaz de nos deslocar para um lugar melhor. Debate, para mim, é isso e ser participante dele como ouvinte é uma maneira bastante eficaz de tornar essa passagem proveitosa e imensa.

Yasmin Thaynáé cineasta, diretora e fundadora da Afroflix, curadora da Flupp (Festa Literária das Periferias) e pesquisadora de audiovisual no ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro). Dirigiu, nos últimos meses, “Kbela, o filme”, uma experiência sobre ser mulher e tornar-se negra, “Batalhas”, sobre a primeira vez que teve um espetáculo de funk no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a série Afrotranscendence. Para segui-la no Twitter: @yasmin_thayna

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