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Histórias que me contam. Essa teria acontecido com a vizinha da prima da concunhada da ex-colega de faculdade da mãe da amiga de uma amiga – certo? Foi numa noite dessas do último carnaval. Os nomes são fictícios, até porque essa amiga que me contou a história não deu nome aos bois. Nem aos boys. E é possível que eu mesmo tenha ficcionado um pouco a história.
Toalete das mulheres de um bar chique de descolados bem de vida a meia quadra da Paulista. Cheio de foliões desmobilizados de seus blocos.
Às vistas da faxineira uniformizada que dá plantão ali, uma colombina choraminga diante do espelho horizontal que abarca as três pias. Duns quarenta anos, toda ela salpicada de confete e purpurina, com uma elegante máscara preta levantada sobre a testa, faz figura, a colombina, num tutu de bailarina que lhe deixa as longas e saradas pernas de Cid Charisse de fora, e com um sutiã meia-taça preto que lhe serve de top, exibindo com generosidade o bronzeado dos ombros, braços e o muito que se pode ver dos peitos possivelmente siliconados dentro do sutiã.
Meio oscilante, a carnavalesca tem na mão direita um copo de uísque on the rocks do qual parece depender pra se haver com a gravidade terrestre.
Lágrimas borram seus olhos carregados de pintura teatral. A colombina se recrimina diante da própria imagem no espelho, com uma voz de rouquidão etílica:
Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.
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