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A vida é dura. Para todo mundo, aliás, mas para uns mais do que para outros.
Ela é bem dura para quem deu o azar de crescer no meio da violência, em famílias desestruturadas, sofrendo abuso moral, sexual, ou físico. Para quem nunca viu uma oportunidade de nenhum tipo se materializar na sua frente: um professor de quem gostasse, uma pessoa que ajudasse, um adulto inspirador, uma bolsa de estudos, um talento revelado. Para quem não foi amado e cuidado o suficiente na primeira infância, seja porque ficou órfão, ou porque os pais foram presos, ou porque eles não aguentaram o peso do mundo e surtaram. Também é bem dura para quem perdeu tudo – os que viram a vida desmoronar sobre si, sem nenhuma mão estendida ao redor.
Os neurocientistas perceberam que seres humanos que cresceram em condições como essas não conseguem desenvolver propriamente um mecanismo fundamental do cérebro: o da recompensa. Sofrem eternamente com um buraco na alma que jamais conseguem preencher. Têm alta propensão a perder a motivação para viver e se afundar em comportamentos compulsivos, como a dependência. Se não tiverem perspectivas na vida, a coisa fica bem pior.
O Brasil tem uma população imensa de pessoas nessas condições – muito maior do que a média mundial. Afinal, é um ambiente muito propício a gerar gente traumatizada, deprimida, perturbada. É recordista mundial em homicídios , tem a quarta maior população prisional do mundo , é quinto do mundo em mortes no trânsito , tem uma educação de qualidade vergonhosa , além de níveis baixíssimos de confiança e altíssimos de desigualdade . É terra abundante em tragédias e carente de oportunidades. Num país assim, imagine quanta gente passou por algo devastador e não tem nada para se apegar. Muita gente, e está piorando: com o desemprego em alta, a turbulência na economia e o aumento da intolerância, a vida vai ficar mais dura para muita gente que já tem a vida dura. Tenha certeza: vai haver uma multidão desistindo de tudo, indo morar na rua para passar os dias se anestesiando com drogas muito fortes. Em outras palavras: vai haver mercado para quem vende crack.
Esta semana, o Estado brasileiro sinalizou com bastante clareza como pretende lidar com esse problema que vai aumentando: na porrada. A Prefeitura de São Paulo iniciou uma daquelas operações típicas, que acontecem no país há décadas, para remover moradores da rua que usam drogas na rua. Foi na chamada “Cracolândia”, região central da cidade. O Estado na forma de um exército – capacetes, armaduras, botas, rifles, explosões, fumaça. Prendeu dezenas, demoliu prédios, e logo políticos típicos brasileiros apareceram sorrindo para as câmeras de TV.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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