Temas
Compartilhe
Dizem que as palavras que a gente diz revelam muito sobre nós. Mas provavelmente mais reveladoras ainda são as palavras que não dizemos nunca.
Um exemplo é a expressão em inglês “rule of law”, que é um conceito essencial da ciência política, um ingrediente básico de qualquer democracia digna das suas urnas, um valor indiscutível e fundamental. Numa tradução literal para o português, significaria “a regra da lei”, o “domínio da lei”, ou ainda “o reino da lei” – a ideia de que a lei é quem manda em todos nós, inclusive no governo, cujo papel nada mais é do que servi-la. Vou ficar aqui com “reino da lei”.
O reino da lei é um conceito moderno, que substituiu o reino do mais forte, e descreve uma ordem na qual nem mesmo quem tem poder pacas pode fazer tudo o que quer. Até ele tem que respeitar as regras.
Pois então, por incrível que pareça, essa expressão tão importante meio que nem existe aqui no Brasil (nossos patrícios portugueses até usam “reino da lei” de vez em quando). Quando precisam, os tradutores para o português costumam verter “rule of law” em “Estado de direito”, outro conceito importante, e que tem no seu significado vários elementos em comum. Mas, inegavelmente, não são sinônimos. Reino da lei é muito mais do que Estado de direito.
Para começar, o reino é bem maior que o Estado. A palavra inglesa “rule” refere-se a todo tipo de poder: tudo, no governo ou na comunidade, nas empresas ou nas igrejas, precisa ser regido pela lei. Na hora de passar para o português, essa vasta palavra acabou sendo reduzida para Estado. Taí uma primeira revelação da alma brasileira implícita na escolha das nossas palavras: por aqui acreditamos que poder é sinônimo de Estado.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Destaques
Navegue por temas