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Denis R. Burgierman

As tragédias de um país doente

13 de fevereiro de 2019

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Uma desgraça é uma desgraça, e acontece. Mas a sequência delas pode indicar um padrão

Tragédias acontecem. Infelizmente, é de se esperar que aconteçam, neste mundo complexo, cheio de gente e de perigos. Tanto é assim que acontecem em qualquer parte do mundo.

Mesmo numa cultura metódica e cuidadosa como a do Japão, pode ser que a soma de um evento geológico com uma série de pequenas negligências resulte num desastre nuclear, como aconteceu na usina de Fukushima , em 2012. Mesmo num lugar pacífico e rico como a Dinamarca, não é impossível que a combinação de condições climáticas desfavoráveis com um excesso de empolgação da multidão termine num dos piores desastres da história do rock , como aconteceu no Festival de Roskilde, em 2000, quando nove pessoas morreram pisoteadas num show do Pearl Jam e dezenas ficaram feridas. Mesmo num país zeloso pelo ambiente e atento a normas de segurança, como a Nova Zelândia, a fiscalização pode falhar e um vazamento de gás pode causar uma explosão, como aconteceu na Mina de Pike River , em 2010, matando 29 pessoas.

Por mais improvável que um evento seja, vai chegar o dia em que ele vai ocorrer, porque o tempo é infinito, e nossa capacidade de controlar as coisas não. Humanos foram programados pela evolução para enxergar relações de causa e consequência no mundo. Se algo horrível acontece, nosso cérebro logo conclui que deve ser culpa de alguém. Nossos ancestrais cansaram de sacrificar animais — e humanos — inocentes, acreditando que era o único jeito de acalmar os deuses e evitar outras desgraças. É prudente não cair nessa tentação e desconfiar dessa nossa tendência. Às vezes, uma tragédia é só uma tragédia. Cabe a nós chorar os mortos, investigar as causas, aprender e fazer o possível para que não aconteça de novo.

Mas às vezes é mais que isso. Se é inevitável que, de tempos em tempos, eventos extremos e improváveis aconteçam, é suspeito quando eles começam a se repetir mais do que a lei das probabilidades indicaria. Em isolamento, uma desgraça ambiental e humana como a causada pela Samarco , em 2015, é uma tragédia, e acontece. Se, três anos depois, acontece de novo, por culpa da Vale , passa a ser outra coisa: um padrão. Obviamente, há algo errado na mineração brasileira. Se essas duas tragédias acontecem em meio a outras tantas, grandes e pequenas, em todas as esferas da vida — do incêndio que carbonizou a história do Brasil, no Museu Nacional , ao outro que queimou o futuro do esporte que este país mais ama, no Flamengo — há que se ao menos suspeitar que o que quer que haja de errado não seja um problema só da mineração. Que seja um problema do Brasil.

Muita gente tem dito que não há novidade nenhuma aí. Que este país nunca foi diferente: é a terra do improviso, da incapacidade técnica, da gestão ruim, do descuido. Passamos a vida negligenciando tudo que importa, qual a surpresa quando algo queima, ou desmorona?

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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