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Claudio Ferraz

Quem quer política pública de boteco?

07 de agosto de 2019

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Afirmações que seriam aceitáveis somente numa discussão de bar passaram a fazer parte do discurso oficial do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros

A implementação de políticas públicas efetivas requer diagnósticos precisos. E para isso precisamos de dados e informações. Podemos ter opiniões diferentes sobre como melhorar a educação, reduzir taxas de criminalidade ou se a maconha deve ser legalizada ou não. Podemos inclusive sentar num botequim durante horas para discutir esses assuntos. Mas para tomar decisões que afetam milhões de pessoas precisamos de um diagnóstico correto e isso só é possível com dados e estudos que nos digam as possíveis consequências de políticas alternativas.

Uma forma de ofuscar essa necessidade é acabar com a confiabilidade dos dados e das instituições que os produzem. Num mundo onde agências de governo coletam dados equivocados, políticas públicas não precisam mais ser guiadas por esses dados. Isso permite que os governantes façam qualquer coisa e não precisem prestar contas. Afinal, se não existem dados confiáveis, não podemos julgar se uma política melhora ou não a vida das pessoas.

Essa é precisamente a estratégia do presidente Jair Bolsonaro e de vários dos seus ministros – jogar lama em qualquer pessoa ou instituição que possa servir de freio aos seus devaneios. Os eventos da semana passada, quando o presidente e o ministro do Meio Ambiente atacaram o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a forma como é medida a taxa de desflorestamento da Amazônia ilustram bem a forma do presidente de fazer política pública. Se há algo que não condiz com sua visão do mundo – muito limitada por sinal – ataca-se a pessoa ou instituição que produz a informação.  

A estratégia de ignorar dados e evidência científica não é exclusividade do presidente Bolsonaro. Parece que é condição para pertencer ao gabinete de ministros e membros do alto escalão do governo. O ministro da Cidadania Osmar Terra atacou a FioCruz por sua pesquisa sobre uso de drogas dizendo que não confiava no estudo e na instituição . O presidente do Ipea defendeu o acesso a armas durante a apresentação do Atlas da Violência, ignorando as evidências sobre seus efeitos. O chanceler Ernesto Araújo nega a existência do aquecimento global com base na sua visita a Roma em maio. Os exemplos abundam e acontecem quase que semanalmente. Afirmações que seriam aceitáveis somente numa discussão de boteco passaram a fazer parte do discurso oficial do presidente e ministros.

A onda antidados e anticiência acontece em diversos países do mundo, dos EUA de Donald Trump à Itália de Matteo Salvini. Mas em democracias emergentes, onde as instituições ainda estão se consolidando, essa onda é um enorme passo atrás. O Brasil evoluiu muito desde os anos 1990. Em áreas como educação, meio ambiente, saúde, mercado de trabalho, combate à pobreza e muitas outras o governo federal passou a sistematizar informações e usá-las para o monitoramento de políticas públicas.

Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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