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O fim do pagamento do auxílio emergencial a partir de janeiro de 2021 implica em uma retirada da economia brasileira de mais de R$ 250 bilhões transferidos pelo programa em 2020, um montante que supera 3,5% do PIB. Para além de atuar como um freio de mão para nossas perspectivas de recuperação, a não aprovação de um programa mais amplo de transferência de renda antes da virada do ano é o caminho para o colapso social: a perda substantiva de renda do trabalho na base da pirâmide viria subitamente à tona na forma de uma escalada nos níveis de pobreza e desigualdade do país.
Nesse contexto, diferentes desenhos têm sido propostos dentro e fora do governo para ampliar o Programa Bolsa Família ou garantir de alguma outra forma um nível mínimo de renda para os mais vulneráveis. Para além das diversas propostas aventadas pela equipe econômica, um levantamento feito pela Frente Parlamentar da Renda Básica sugere que, só em 2020, 41 projetos de lei ou Propostas de Emenda Constitucional foram apresentados na Câmara e no Senado para tratar da ampliação das transferências. No entanto, sem desprezar as divergências relativas ao valor dos benefícios e ao universo de beneficiários, a dificuldade de financiamento desses programas vem se revelando como o maior entrave para que alguma dessas propostas saia do papel.
Partindo do pressuposto de que a mudança não deve contribuir para elevar desequilíbrios orçamentários, são duas as vias possíveis. A primeira é remanejar recursos destinados a outros itens do orçamento e, em particular, a outros benefícios sociais. Essa opção preservaria, ao menos por enquanto, o atual desenho do teto de gastos. A segunda é financiar a expansão das transferências por meio da tributação maior da renda dos mais ricos. Nesse caso, não é possível manter o atual desenho do teto de gastos, já que a arrecadação maior de impostos não cria nenhum espaço adicional dentro de um teto que já está asfixiando os gastos atuais.
Com base nos dados da POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) de 2017-2018, realizamos na Nota de Política Econômica 1/2020 do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades) algumas simulações que permitem avaliar o impacto potencial que a adoção de cada uma dessas vias têm sobre os índices de desigualdade. Em relação à primeira, do remanejamento de recursos dos programas existentes, consideramos três propostas atribuídas à equipe econômica do governo que aumentam em 30% o valor dos benefícios do Programa Bolsa Família e o número de beneficiários.
A primeira extingue programas como o Abono Salarial, Seguro Defeso, Salário-Família e Farmácia Popular e destina o total desses recursos para um Bolsa Família ampliado, que atenderia 3 milhões a mais de beneficiários. A segunda supõe uma desindexação do salário mínimo da taxa de inflação por dois anos, o que reduz também em termos reais os benefícios atrelados ao mínimo (Abono Salarial, Seguro Defeso, Seguro-Desemprego, Salário-Família, Benefício de Prestação Continuada e o piso das aposentadorias e pensões). Essa queda real dos gastos permitiria elevar em 20 milhões o número de beneficiários. Já a terceira proposta congela por dois anos em termos nominais todos os benefícios previdenciários, o que permitiria ampliar em 56 milhões o número de beneficiários.
Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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