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O debate sobre o funcionamento das instituições no Brasil está concentrado nas relações entre os poderes. Poderia ser resumido como orientado à seguinte questão: dado que o Brasil elegeu um presidente que não esconde seu desapreço pela democracia, têm as instituições sido capazes de conter suas investidas contra os demais poderes, em particular o Congresso (nos dois primeiros anos de mandato) e o STF (um dos alvos prediletos do bolsonarismo)? Têm as instituições sido capazes de conter aspectos nitidamente retrógrados de sua agenda de governo?
As instituições estão funcionando, respondem alguns, porque os demais poderes (bem como a imprensa e a opinião pública) têm operado como freios às ameaças autoritárias do presidente, sendo sua conversão à montagem de uma base de sustentação no Congresso a maior evidência dessa eficiência. Não estão funcionando, respondem outros, porque o presidente tem sido bem-sucedido em aparelhar as instituições para obter um Estado ”pra chamar de seu”, para não mencionar sua capacidade de evitar a responsabilização pela tragédia de seu (des)governo. A ameaça que Bolsonaro representa para a democracia tem sido contida, respondem os primeiros. A qualidade de nossa democracia está seriamente ameaçada, alegam os segundos.
Se entendemos as instituições como portadoras de uma eficiência própria, não há solução para a controvérsia. As instituições brasileiras têm produzido ambos os resultados.
O Legislativo e o Judiciário têm infringido derrotas não triviais e recorrentes a Bolsonaro, sendo a aprovação da CPI da Covid apenas a mais recente delas. Foi derrotado pelo STF quando pretendeu impedir governadores e prefeitos de adotarem medidas de distanciamento social. Foi derrotado pelo STF no inquérito das fake news. Sua taxa de sucesso na arena congressual é sofrível. Não é raro que seus vetos sejam vetados pelo parlamento. Tem grandes dificuldades para apresentar e aprovar legislação. Trata-se de um presidente fraco e ineficaz na relação com os demais poderes.
Por outro lado, coube a um membro do próprio STF, o ministro Edson Fachin, em entrevista à Folha de S.Paulo, listar a militarização do governo civil, as intimidações contra os demais poderes e a imprensa, a recusa antecipada do resultado eleitoral e o incentivo às armas como evidências, entre outras, de que a democracia corre riscos no Brasil. Essa ameaça tem um nome. Chama-se Jair Bolsonaro. Tem também uma causa: conta com a aquiescência de atores políticos relevantes.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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