Coluna

Claudio Ferraz

Desigualdade e sua transmissão intergeracional

01 de setembro de 2021

Temas

Compartilhe

Evidências científicas mostram que nível de educação e renda das pessoas depende do nível de educação e renda dos seus pais

Um dos aspectos menos discutidos quando se fala de desigualdade no Brasil é sua persistência ao longo do tempo. Não me refiro aqui ao fato de que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo há muitas décadas, nem ao fato da desigualdade regional persistir. Refiro-me à transmissão intergeracional de vantagens econômicas individuais que faz com que o nível de educação e renda das pessoas dependa, em grande parte, do nível de educação e renda dos seus pais.

Mas como podemos medir isso? Uma das formas mais usadas por economistas e sociólogos é estimar a relação entre a educação (ou renda) de filhos e dos seus pais através de uma regressão. Se o coeficiente da regressão se aproxima de zero isso quer dizer que, na média, a educação de pais e filhos tem pouca relação e que há muita mobilidade social. Se por outro lado o coeficiente se aproxima de 1 isso quer dizer que a educação de pais e filhos está muito relacionada e que há pouca mobilidade social.

Num dos trabalhos pioneiros sobre o tema no Brasil, publicado em 2003, os economistas Sérgio Ferreira e Fernando Veloso encontraram coeficientes de aproximadamente 0,7. Eles mostram que o grau de mobilidade intergeracional de educação no Brasil, pelo menos usando dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1996, era menor do que o observado nos países desenvolvidos e na maioria dos países em desenvolvimento. Além disso, eles estimam que a persistência intergeracional de educação é significativamente mais elevada entre filhos de pais com baixa escolaridade. Num trabalho recente que usa dados de 2014, “ Revisitando a Mobilidade Intergeracional de Educação no Brasil ”, os mesmos autores junto com Rodrigo Mahlmeister, Naercio Menezes Filho e Bruno Kawaoka Komatsu encontram que a persistência educacional tem caído ao longo do tempo, mas que continua alta e que o grau de mobilidade continua baixo para filhos de pais com poucos anos de estudo.

Esses estudos feitos para o Brasil olham somente para a influência de pais sobre filhos, mas em muitas famílias outros parentes podem ter um efeito significativo em decisões educacionais. Uma tia engenheira ou um tio médico podem influenciar as decisões de sobrinhas e sobrinhos, seja via exemplo ou via investimento educacional. Mas como é possível testar se isso acontece e se é relevante? Num trabalho recente intitulado “ Dynastic Human Capital, Inequality, and Intergenerational Mobility ”, publicado na American Economic Review, economistas suecos usam informações de milhares de indivíduos e suas famílias para estimar a persistência intergeracional de educação e renda entre diversos membros de uma mesa família através de quatro gerações. Eles fazem isso com dados administrativos que permitem medir de 1968 até 2009 educação, salário e ocupação, além de codificar quem é filha, neta, sobrinha de quem.

Com essa base de dados riquíssima os autores encontram que a transmissão intergeracional de capital humano, quando somadas às influências de todos os membros da família, é muito mais forte do que quando ela é medida da forma tradicional com uma regressão pai-filho. Eles mostram que ao restringir a análise para os efeitos parentais perde-se pelo menos um terço da persistência familiar de educação e renda. No Brasil, onde as famílias são maiores e as relações familiares são mais próximas do que na Suécia, o efeito de persistência familiar pode ser ainda maior.

Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas