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Alicia Kowaltowski

Quais os segredos das pessoas naturalmente magras?

24 de agosto de 2022

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A possibilidade de existirem variações pessoais na capacidade de engordar com excesso de comida foi testada experimentalmente em 1999, num trabalho científico bastante divertido

Todo mundo conhece aquele indivíduo que come quantidades enormes de comida e mesmo assim se mantém magro. Pessoas com essa resistência a engordar são raras, pois a evolução nos selecionou para sobreviver a épocas de escassez , depositando excesso de calorias como gorduras, essenciais para sobreviver a períodos de fome. Mas mesmo assim, todos parecemos conhecer pelo menos um indivíduo “magro de ruim”. Mas será que existem mesmo pessoas resistentes a engordar, mesmo comendo muito mais do que o necessário para manter seus corpos e atividades diárias? Ou será que é só uma impressão, e as pessoas “naturalmente magras” comem menos, apesar de termos a impressão de que comem muito?

A possibilidade de existirem variações pessoais na capacidade de engordar com excesso de comida foi testada experimentalmente em 1999 , num trabalho científico bastante divertido. O estudo recrutou voluntários naturalmente magros, e determinou quantas calorias eram necessárias para que mantivessem suas atividades normais diárias, sem ganho ou perda de peso. Depois, colocou cada um em uma dieta especial personalizada por dois meses, em que comiam 1.000 calorias por dia a mais do que suas necessidades, e o ganho de peso era monitorado. Era esperado que engordassem significativamente, pois estavam comendo cerca de 50% a mais do que o necessário. Para se assegurar que as pessoas envolvidas não estivessem burlando o estudo e diminuindo a comida ingerida de forma escondida, as refeições eram monitoradas, ocorrendo na presença dos cientistas, ou sendo filmadas. Até mesmo o lixo dos voluntários e os pacotes das refeições preparadas para eles foram vasculhados, garantindo que eles comiam tudo.

Os resultados demonstraram que existe uma variabilidade imensa na tendência pessoal de se ganhar peso em dietas com alta quantidade de calorias, mesmo entre pessoas naturalmente magras. Enquanto alguns voluntários ganharam mais de quatro quilos durante as oito semanas do estudo, outros ganharam apenas 300 gramas, basicamente se mantendo no mesmo peso apesar de estarem comendo muito mais do que o necessário. Essa diferença na tendência a ganhar peso não estava relacionada à maior prática de exercícios físicos, pois os participantes foram orientados a não alterar a atividade física, e monitorados para garantir que seguiam essa recomendação. Além disso, a prática de exercícios físicos propositais tem pouca repercussão no peso , pois se trata de um período muito curto do dia para não atletas, resultando em uso limitado de calorias perante o gasto total diário.

Os resultados de 1999 são corroborados por um novo estudo publicado em julho deste ano buscando entender as causas metabólicas de pessoas com peso abaixo do recomendado clinicamente, mas na ausência de doenças. O trabalho recrutou 150 pessoas clinicamente bastante abaixo do peso ideal e as estudou metabolicamente. Foi verificado que sua magreza de fato não tem relação com mais exercícios, pois os voluntários magros praticavam 23% a menos de atividade física organizada – eram também naturalmente sedentários. Interessantemente, este trabalho, ao estudar pessoas ultramagras, comprovou um motivo pelo qual possuem baixo peso: no total, comem 12% menos que voluntários com peso normal. Isso significa que pessoas “magras de ruim”, embora comam tanto quanto têm vontade, podendo dar a impressão de comer muito, de fato no total comem um pouco menos. Mas esse consumo um pouco menor de comida não é suficiente, sozinho, para justificar o baixo peso dos indivíduos estudados.

Em vez disso, tanto o trabalho de 1999 quanto o de 2022 demonstram, com técnicas diferentes (e obviamente mais elaboradas no estudo mais recente) que um fator central para conferir resistência a ganho de peso é o gasto energético basal, ou a quantidade de energia que os corpos destas pessoas gastam diariamente na sua manutenção normal. Manter um corpo humano “custa” bastante energia: fígados precisam metabolizar moléculas, rins precisam filtrar o sangue, cérebros precisam pensar, corações precisam bombear sangue, músculos precisam manter nossa postura. Embora a quantidade de energia necessária para isso não seja muito diferente entre pessoas de aproximadamente o mesmo tamanho, sabemos hoje que a quantidade de comida necessária para extrair a energia para completar essas tarefas é diferente entre indivíduos. É como comparar carros com eficiências de motores diferentes; alguns fazem bem mais quilômetros por litro que outros. Estudos metabólicos mostraram que as pessoas com baixo peso possuíam gasto metabólico basal 22% maior que o previsto para seu tamanho, sendo portanto mais ineficientes em obter energia da sua comida.

Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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