Coluna

Marta Arretche

A extrema direita está longe de ter sido derrotada

15 de dezembro de 2022

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O bolsonarismo conta com uma estratégia de recrutamento e mobilização de discípulos, em estreita articulação com o extremismo internacional de direita

Diplomados o presidente e o vice-presidente, o risco de uma ruptura democrática no Brasil se aproxima do zero. A auditoria dos militares limitou-se a não rejeitar a hipótese de ter havido fraude. Ao partido do presidente, coube o papel de refutar apenas parte da agregação de votos operada pelas urnas: exatamente aquela que não comprometeria a eleição de sua própria bancada. No dia da diplomação, irromperam violentos protestos em Brasília, em resposta à prisão de um líder indígena investigado por incitação a atos de protesto contra o resultado das eleições. Prisões e multas se seguiram às violentas manifestações de segunda-feira (12) à noite em Brasília. A autoridade da presidência do Tribunal Superior Eleitoral foi testada até o limite, mas se impôs.

O candidato derrotado está trancado em casa. Abandonou de vez o papel – pelo qual de fato manifestou pouco interesse – de presidente da República. Nesse meio tempo, o presidente eleito já assumiu as rédeas do governo antes mesmo de tomar posse. O futuro ministro da Justiça, Flavio Dino, declarou já na noite dos protestos violentos que não haverá tolerância com atos antidemocráticos.

Descrita deste modo por parte expressiva da imprensa, a resposta bolsonarista à derrota eleitoral parece ser de fraqueza e isolamento, quando não de patético ridículo. Suspeito, contudo, que esta interpretação insiste em subestimar a extrema direita brasileira.

Convém não esquecer que Bolsonaro perdeu a eleição – para alívio em escala planetária -–, mas seu desempenho eleitoral está longe de ser considerado um fracasso. Foi por um triz: dois milhões de votos de diferença em uma eleição com 118,5 milhões de votos válidos. Dos 10 milhões de votos válidos que foram conquistados entre o primeiro e o segundo turnos, 70% foram para Bolsonaro. A despeito da amplíssima frente democrática que se agregou em torno da candidatura de Lula, Bolsonaro obteve mais que o dobro do conquistado por Lula entre as duas votações. Entre o primeiro e o segundo turnos, Lula obteve 3 milhões de votos adicionais. Bolsonaro obteve 7 milhões.

Se você pensou que Bolsonaro alcançou esta vantagem por ter usado a máquina do governo para sua reeleição como “nunca antes neste país”, estou de acordo. É verdade que Bolsonaro implementou políticas do modo mais despudoradamente eleitoreiro que qualquer candidato de nossa memória recente. A liberação do crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil pela Caixa Econômica Federal foi muito provavelmente a mais irresponsável de todas.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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