Coluna
Movimento Pessoas à Frente
Uma reforma para melhorar a gestão e os serviços públicos
Temas
Compartilhe
No momento em que o Congresso Nacional analisa a revisão das estruturas da administração pública, cabe questionar quais são as prioridades de uma reforma administrativa que de fato promova a melhoria do funcionamento do Estado brasileiro. A implementação de políticas para lideranças, gestão do desempenho e uso de critérios de equidade étnico-racial e de gênero na seleção de servidores, avanços reconhecidamente necessários no cenário brasileiro, são exemplos que independem de mudanças constitucionais. Podem surgir de dentro do serviço público, a partir de mudanças gerenciais, ou mesmo de alterações legislativas mais simples, algumas que até já estão tramitando no Congresso Nacional.
A ideia de eficiência e redução do gasto público normalmente comanda as discussões quando o tema é reforma administrativa. Mas, apesar de ser um assunto relevante, sabemos que as noções de “custo-benefício” e de corte de despesas não são as únicas medidas que interessam aos cidadãos. A maior eficácia e qualidade das entregas dos serviços públicos, bem como sua efetividade, têm sido cada vez mais valorizadas pela população, que busca uma melhor qualidade de vida e precisa desses serviços para obtê-la. Nesse sentido, importa não apenas aprovar a legislação que combata os supersalários — o que significará uma economia de R$2,6 bilhões ao ano – mas também fazer com que o Estado que temos hoje funcione melhor, para quem precisa dele.
Precisamos de um Estado que seja mais eficaz e efetivo, aplicando bem os recursos disponíveis. A principal forma de conquistar isso é com boa gestão
Para que os serviços públicos que dependem fortemente de pessoas para serem entregues melhorem em qualidade, não podemos mais adiar a discussão de desempenho. Segundo uma pesquisa encomendada ao Datafolha pelo Movimento Pessoas à Frente, 93% dos entrevistados concordam que os servidores públicos deveriam ter seu trabalho avaliado constantemente e ser recompensados de acordo com seu desempenho. Além disso, praticamente o mesmo percentual — 92% das pessoas ouvidas pela pesquisa — entendem que esses mesmos funcionários precisam de apoio, principalmente de suas lideranças e chefias, para realizarem melhor o seu trabalho. A combinação dessas duas respostas nos leva à conclusão de que a população percebe que há um problema grave de insuficiência de desempenho no setor público que não é gerido e nem mesmo mensurado, e que o caminho para enfrentar esse problema passa pelo aperfeiçoamento da gestão de pessoas, gestão essa realizada por lideranças que, para 74% dos entrevistados, demonstram não estar preparadas para realizar seu trabalho.
Nesse sentido, ter uma política específica para recrutamento, seleção e acompanhamento desses dirigentes públicos, que leve em conta não apenas aspectos de preferência política, mas também as competências dos que vierem a ocupar essas posições, é uma das reformas mais relevantes para o setor público brasileiro. Isso porque essas lideranças poderão coordenar processos internos de mudança que são fundamentais para a melhoria da gestão do desempenho, que ocorre desde a elaboração de um bom planejamento estratégico, com metas claras e mensuráveis, até seu desdobramento no dia a dia de cada organização, com o engajamento dos servidores, com a possibilidade de feedbacks contínuos, seguidos de bons planos de capacitação e desenvolvimento — ciclo que tende a resultar na melhoria do serviço público como um todo. A percepção da relevância da liderança é apoiada por experiências de diferentes países, considerando que 75% dos países membros da OCDE adotam sistemas de seleção por competências para cargos de alta direção.
O caso brasileiro, como um país complexo e com grandes desigualdades, traz ainda outros desafios. Além da importância da liderança na melhoria do desempenho, a pesquisa do Datafolha identificou que, para 90% dos entrevistados, mais mulheres tornariam o serviço público melhor e, para 82%, essa melhoria viria com mais diversidade racial. Ou seja, a dimensão de gênero e raça também é relevante para os cidadãos. Uma das respostas oferecidas pelo Estado brasileiro a essa questão foi a lei de cotas, que em 2024 completa 10 anos, e o decreto 11.443/23, que estabelece o mínimo de 30% de pessoas negras em cargos e funções comissionadas no governo federal.
Em suma, precisamos de um Estado que seja mais eficaz e efetivo, aplicando bem os recursos disponíveis. A principal forma de conquistar isso é com boa gestão. Gestão de pessoas que inclua gestão de desempenho, com engajamento dos servidores efetivos e foco em resultados. Para coordenar esse processo, as lideranças são fundamentais, e, por isso, é importante pensar em uma reforma que priorize sua qualificação, tanto no caminho das competências, quanto na capacidade de representar melhor a diversidade racial e de gênero da população brasileira.
Cibele Franzese é g raduada em direito pela Universidade de São Paulo e é mestre e doutora em administração pública e governo pela FGV EAESP, com estágio de pesquisa no Centro de Estudos de Federalismo da Universidade de Kent, Inglaterra. Foi secretária adjunta de Gestão Pública e de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado de São Paulo. Atualmente é coordenadora do curso de graduação de administração pública da FGV EAESP, professora e pesquisadora na mesma instituição e integra o Comitê de Governança do Movimento Pessoas à Frente. Leciona e pesquisa nas áreas de gestão de pessoas no setor público, gestão pública e federalismo e relações intergovernamentais.
Movimento Pessoas à Frenteé uma organização da sociedade civil, plural e suprapartidária. Com base em evidências, ajuda a construir e viabilizar propostas para aperfeiçoar políticas públicas de gestão de pessoas no setor público, com foco em lideranças. A rede de membros do Movimento Pessoas à Frente une especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor, que agregam à rede visões políticas, sociais e econômicas plurais.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas