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Alicia Kowaltowski
Boas festas nos laboratórios, onde a ciência nunca para
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Num piscar de olhos já é dezembro, época do ano em que decoramos tudo com temas natalinos, incluindo, no caso de nós cientistas, nossos laboratórios, com cordões de tubos de ensaio com conteúdo colorido e outros motivos laboratoriais. É nessa época do ano, que nada mais é que a passagem da Terra pelo mesmo ponto em suas voltas ao Sol, que examinamos o que fizemos, e repensamos nosso trabalho para a próxima rodada. Grandes achados em ciência caminham devagar em cada laboratório, se não pelas dificuldades inerentes de ser cientista no Brasil, mas também pela dificuldade que é realmente avançar as fronteiras do conhecimento humano. Mas como coletivo, os avanços que fizemos em 2024 são impressionantes, e relembro aqui alguns dos mais impactantes e curiosos na minha grande área.
Em 2024, descobrimos que humanos desenvolveram o gosto por amido (carboidrato presente nos pães e massas, grãos e batatas) cerca de 45 mil anos atrás, e, portanto, muito antes da agricultura. Esse gosto por amido aconteceu por causa do aumento de uma enzima chamada amilase salivar, que faz com que se libere açúcares na nossa boca, dando uma sensação prazerosa. Embora sejam percebidos como deliciosos por nosso cérebro, açúcares (que, ao contrário do amido, têm gosto doce na ausência da amilase salivar) em excesso são conhecidamente desinteressantes do ponto de vista nutricional. Um estudo de grande porte sobre a relação entre consumo de alimentos ultraprocessados e risco cardíaco concluiu que açúcar e carnes processadas são os componentes dos alimentos ultraprocessados que aumentam o risco cardíaco.
Um estudo interessante de 2024 usou um experimento natural decorrente de racionamento de açúcar na Inglaterra pós-guerra, e demonstrou que não consumi-lo apenas nos primeiros anos de vida levou a uma diminuição significativa dos riscos de diabetes e hipertensão ao longo da vida, mesmo após o retorno do seu consumo. Essa mudança de risco se deve, provavelmente, a efeitos epigenéticos, ou mudanças na maneira em que nossos genes atuam promovidas pelo ambiente, sem alterar a sequência do nosso DNA. Em 2024, cientistas comprovaram que mudanças epigenéticas ocorrem após a perda de peso em nossos adipócitos (as células da nossa “gordurinha” corporal), facilitando que essas novamente armazenem gorduras quando há oferta maior de alimentos. Esse estudo contribui para o entendimento do “efeito sanfona” que muitas pessoas obesas apresentam ao tentar perder peso.
Sabemos que o gosto por não somente carboidratos, mas comida em geral, associado à facilidade de obtê-la na vida moderna, está nos levando a ter mais obesidade, e várias doenças associadas. Uma consequência problemática da obesidade é o acúmulo de gordura no fígado. Aprendemos neste ano que essa produção de gordura no fígado de humanos se dá primariamente pelo excesso de consumo de proteínas. Embora não seja surpresa que proteína em excesso seja transformada em gordura (todo alimento em excesso é armazenado primariamente como gordura), o fato de que seja tão central para o desenvolvimento de doença gordurosa do fígado traz indicações de que essa condição possa ser melhor controlada através de intervenções dietéticas específicas. Importantemente, para proteger o fígado, aprendemos também que precisamos perguntar sobre o uso de suplementos herbais e monitorá-los melhor: um estudo de grande porte nos EUA indica que cerca de 5% da população tomou suplementos herbais potencialmente tóxicos ao fígado nos últimos 30 dias.
Não somente dietas ajudam a perder peso: a exposição ao frio, algo que o brasileiro raramente experimenta nessa época do ano, nos leva a queimar calorias e gerar calor. Essa queima de calorias se deve a um mecanismo parecido com um curto circuito nas nossas baterias intracelulares, as mitocôndrias. Um estudo deste ano demonstrou que a exposição ao frio leva a mudanças na maneira com que as proteínas das mitocôndrias interagem, fazendo-as mais capazes de gerar calor. Também aprendemos que mitocôndrias assumem dois tipos de formas estruturais diferentes, uma relacionada à produção de energia para a célula, e outra relacionada à produção e moléculas que fazem as células crescer em tamanho, como os “tijolos” moleculares necessários para construirmos proteínas e gorduras.
Alicia Kowaltowskié médica formada pela Unicamp, com doutorado em ciências médicas. Atua como cientista na área de Metabolismo Energético. É professora titular do Departamento de Bioquímica, Instituto de Química da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. É autora de mais de 150 artigos científicos especializados, além do livro de divulgação Científica “O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos”. Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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