Coluna
Januária Cristina Alves
Novas diretrizes da Meta: será o fim da Educação Midiática?
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Mal o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou as mudanças nas políticas de moderação de suas plataformas, muitos educadores, comunicadores e jornalistas presentes nos diferentes grupos dos quais faço parte começaram a questionar a eficácia da Educação Midiática. O que podemos diante de um Musk e um Zuckerberg? De que adianta educar para a checagem de notícias se agora “abriram-se as porteiras” e nenhum de nós vai dar conta de distinguir o que é verdadeiro ou falso, de remover conteúdos agressivos, preconceituosos, de construir referenciais seguros para obtermos informações íntegras e confiáveis? É enxugar gelo, nadar contra a corrente, melhor a gente se preparar para viver no caos, diziam alguns, já ameaçando sair de vez das redes, boicotar a Meta, banir o digital de vez do seu cotidiano. Enquanto lia todos os comentários e tentava entender melhor o alcance e o impacto das medidas anunciadas, eu refletia sobre o princípio básico da educação. Afinal de contas, educamos para quê? Ou para o quê? Por que a educação permanece como um grande motor da evolução da humanidade, independente dos rumos que tomamos ao longo da nossa trajetória?
Se as chamadas big techs nos abandonam à própria sorte, cabe a cada um de nós entender qual é o nosso papel nesse ecossistema
Eu poderia citar aqui alguns dos grandes pensadores da educação que responderam brilhantemente a essa questão e teríamos uma lista robusta e inspiradora, repleta de princípios que garantem que educar sempre vale apena. Porém, ao me deparar com os comentários de que não havia saída para a Educação Midiática – minha prática há mais de 30 anos! – me veio à memória um autor de quem gosto muito, o filósofo e escritor espanhol Fernando Savater, autor de um livro que contém reflexões muito profundas sobre a educação intitulado “O valor de educar” (Planeta). Já em seu título a obra nos traz duas importantes questões: de um lado, sobre o valor como moeda, como algo valioso materialmente falando; de outro, sobre os valores como princípios, que regem o ato de educar. Educar é válido e valioso. Creio que pensar sobre isso é de fundamental importância nos dias de hoje. “Como educadores, porém não nos resta outro remédio senão sermos otimistas…”, diz Savater, no prólogo da obra “Educar é crer na perfectibilidade humana, na capacidade inata de aprender e no desejo de saber que anima, é crer que há coisas (símbolos, técnicas, valores, memórias, fatos…) que podem ser aprendidas e merecem sê-lo, que nós, homens, podemos melhorar uns aos outros por meio do conhecimento”. Para mim, esse é o motor da educação: a crença de que vale a pena educar porque sempre podemos melhorar uns aos outros.
Nesse sentido, entendo a Educação Midiática como um importante e potente elemento para que possamos lidar com todos os desafios presentes no mundo digital – e de resto, no mundo real, que o reflete. Ela é uma alternativa viável e segura que todos nós, que desejamos continuar a viver civilizadamente em sociedade, podemos tomar em nossas mãos. Se as chamadas big techs nos abandonam à própria sorte, cabe a cada um de nós entender qual é o nosso papel nesse ecossistema. Definitivamente, a saída é coletiva, seja regulando o uso do celular nas escolas, cobrando leis que regulamentem os conteúdos das plataformas ou promovendo um uso mais saudável dessas tecnologias a partir de uma mediação parental mais atenta e bem informada. Todas essas ações fazem parte da educação para as mídias e, se não se traduzem em resultados imediatos como muitos de nós gostaríamos, são estruturas que estão sendo construídas para que possam surgir novos modelos de interação. Vale sempre lembrar que sair delas, proibir e censurar seu uso, buscar um mundo idílico porém impossível de habitar, não são alternativas factíveis nesse momento. O mundo digital está aí e veio para ficar. A consciência desta realidade leva a ações mais verdadeiras e que certamente produzirão resultados concretos.
A leitura do livro “O mundo do avesso – Verdade e política na era digital” (Ubu), da professora e pesquisadora Letícia Cesarino, me trouxe o otimismo e a esperança característicos dos educadores. Sua obra, além de explicar com lucidez e acurácia científica o que acontece nesse momento, nos mostra que há uma luz no fim do túnel. Isso porque a autora constata que não há novidade alguma nesse mundo pelo avesso. “Nada que existe hoje foi criado do zero: são transformações a partir do que já existia. Muitos se apressam em afirmar que a internet não criou a polarização política, os conspiracionismos, a hesitação vacinal ou os distúrbios da saúde mental”, escreve Cesarino. “Nenhuma tecnologia jamais foi capaz de inventar realidades. Elas são, fundamentalmente, mídias ou mediações. Enquanto tal, não causam nenhum fenômeno, mas introduzem vieses que favorecem certos direcionamentos latentes na sociedade e não outros.”
Partir desse pressuposto só evidencia que educar para a compreensão das mídias é libertador. Mais do que isso, confere a resistência e a resiliência necessárias para que sigamos fazendo o que acreditamos, sem nos entregar à apatia. A mesma apatia que tem preocupado pais e educadores, que não veem ânimo (alma) nas novas gerações para pensar os futuros possíveis. Como afirma Cesarino: “Se nossas sociedades (ainda) não entraram em colapso, significa que há processos de reestruturação em andamento. Pode ser que parte das contradições esteja sendo reabsorvida pela própria infraestrutura que a produz, permitindo assim que o sistema como um todo vá se organizando sem grandes rupturas”. Há uma reorganização em curso que permitirá que haja uma outra relação com o universo digital.
Finalizo a coluna com um convite enfático para todos nós: que não desistamos da educação, da grande aposta na humanidade, que acontece quando estamos em grupo, educando uns aos outros mediatizados pelo mundo, como dizia o nosso educador mestre Paulo Freire. E gostaria de frisar que prosseguir, no contexto em que vivemos, está profundamente ligado a este ato, à crença de que construímos o futuro a partir das escolhas que fazemos agora. Como diz outro grande professor, o português Antônio Nóvoa: “O mais importante é sermos capazes de libertar o futuro”, escreve em “Professores: Libertar o futuro” (Diálogos Embalados). “Ninguém sabe como será o futuro e nem sequer vale a pena tentar adivinhá-lo. Mas, temos a obrigação de tudo fazer para não fechar as possibilidades de futuro, para garantir a liberdade das próximas gerações”.
É nosso dever ampliar as possibilidades das nossas crianças e jovens atuarem com consciência, ética e espírito crítico no mundo real e no digital, enfrentando desafios que, se não são novos, são imensos. Mas não impossíveis de serem equacionados, lembrando-os de que é possível driblar os algoritmos se seguirem curiosos e ávidos por aprender e conhecer. Este, com certeza, é um dos futuros possíveis que podemos lhes favorecer.
E aproveito para recomendar dois conteúdos relevantes e concretos de Educação Midiática: o “Guia para Influenciadores e Comunicadores: como apoiar a proteção de crianças e adolescentes online?” publicação gratuita lançada pelas organizações Redes Cordiais e Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS) e o curso, também gratuito, “Geração Ansiosa: o efeito das redes sociais na saúde mental”, promovido pelo ITS, do qual faço parte como docente.
Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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