Coluna

João Paulo Charleaux

Celso Amorim está errado sobre a Rússia e a Ucrânia

25 de março de 2025

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Assessor de Lula compra de Moscou uma versão distorcida da guerra e mostra insensibilidade com as ameaças reais que a Europa enfrenta

Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para relações exteriores, deu duas importantes entrevistas à imprensa, nas quais comentou a guerra na Ucrânia. A primeira foi concedida à colunista Mônica Bergamo e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo no dia 22 de março. A segunda foi feita pelo editor do Nexo, Antonio Mammi, dois dias depois, e deve ir ao ar na última semana de março.

Amorim é um cavalheiro, de espírito republicano: merece elogios por, nas duas ocasiões, ter se sentado frente a frente com jornalistas e por ter respondido a perguntas difíceis, de maneira muito gentil, clara e objetiva. Parece pouco, mas não é, pois, nos últimos anos, figuras públicas têm trocado o escrutínio crítico da imprensa por entrevistas forjadas em podcasts e outros simulacros de currais de opinião, nos quais podem brilhar em paz, tecendo teorias criativas sem serem incomodados pelos limites da realidade. Não foi o caso dele.

Em ambas entrevistas, o assessor de Lula foi questionado sobre a guerra na Ucrânia, e, nas duas ocasiões, repetiu uma explicação que contém três erros factuais fundamentais. Esses erros estão baseados na forma russa de interpretar os fatos, alinhando-os de maneira a apresentar o que seria uma justificativa para as agressões à Europa.

O primeiro erro é o mais comum: considerar que a Rússia atacou a Ucrânia para barrar uma expansão agressiva da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Na verdade, “a agressão da Rússia não foi provocada pela ampliação da Otan, mas pela sensação russa de que, com o tempo, foi se tornando cada vez mais difícil retomar o controle sobre suas antigas repúblicas, especialmente a Ucrânia”, me disse em Wojciech Lorenz, coordenador do Programa de Segurança Internacional do PISM (Instituto Polonês de Relações Exteriores), de Varsóvia, numa conversa que tivemos sobre essa questão em 25 de fevereiro. 

Amorim sabe, pois citou, que a Otan havia incorporado países do báltico em 2004 e analisava, de fato, a incorporação da Ucrânia, mas ele não ressalvou que a Aliança não havia colocado nenhum material militar ofensivo nos países que fazem fronteira com a Rússia, desde então. Na verdade, a Europa vinha descapitalizando todo seu orçamento militar e apostando numa integração, sobretudo energética, com a Rússia. O ambiente não era, absolutamente, de desconfiança e ameaça. 

João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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