Tribuna

Ireuda Silva

Reduzir os casos de feminicídio: um desafio para 2022

21 de janeiro de 2022

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Uma mulher pode ser assassinada mais de uma vez: quando a culpam por ter sido morta, quando a culpam por ser mulher
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Nos anos de 2020 e 2021 houve uma explosão dos casos de violência contra a mulher e feminicídio, muito em razão, como já apontamos anteriormente, da maior proximidade do agressor com suas vítimas, uma proximidade ocasionada pela pandemia. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Em 2020 houve um aumento de 22% da ocorrência desse tipo de crime: entre março e agosto, um feminicídio era cometido a cada nove horas. Já no primeiro semestre de 2021, os assassinatos de mulheres atingiram o maior patamar desde 2017, somando pelo menos quatro por dia. Diante desse trágico cenário, devemos assumir o compromisso de baixar essa curva em 2022.

As mulheres vivem em perigo 24 horas por dia, e os feminicídios bárbaros ocorridos na noite da virada de ano evidenciam isso. São um problema grave, motivado pelo sentimento machista de posse, considerando que mais de 50% dos feminicídios são praticados por homens insatisfeitos com o fim do relacionamento. Diante disso, esforços precisam ser somados.

De acordo com Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nosso país vive hoje situação semelhante à que enfrentaram países europeus, Estados Unidos e China, onde a violência contra a mulher sempre cresceu em momentos de crises econômicas, sociais e sanitárias. Nesse sentido, a estratégia de combate à pandemia deve incluir medidas de prevenção à violência contra a mulher e ao feminicídio, bem como de amparo às vítimas. Sugerimos, em projeto direcionado ao prefeito de Salvador e ao governador da Bahia, a criação do Núcleo de Atendimento a Crianças e Adolescentes Órfãos do Feminicídio. A ideia é fortalecer as políticas públicas de enfrentamento e amenização do impacto do feminicídio na sociedade.

Se a vida humana é um sopro, a vida da mulher brasileira é uma pluma suspensa no ar, prestes a cair

Como já apontamos aqui neste espaço, muitas são as mulheres assassinadas por seus companheiros agressores e que deixam filhos menores de idade. São pessoas que precisarão de apoio material para que possam seguir em frente com suas vidas. Além disso, o acompanhamento psicológico é de suma importância, diante da violência que presenciaram e, provavelmente, também sofreram.

As mulheres têm consciência do perigo que correm. De acordo com a pesquisa “Percepções da população brasileira sobre o feminicídio”, dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, divulgada pelo G1, 90% dos brasileiros consideram que o lar é o local de maior risco de assassinato para as mulheres. Se a vida humana é um sopro, a vida da mulher brasileira é uma pluma suspensa no ar, prestes a cair. Essa pesquisa só mostra que o machismo não nos dá descanso, nem na rua nem dentro de casa. E que não existe lugar seguro para as mulheres, que precisam viver em alerta 24 horas por dia. E há outro dado chocante: para 33% dos entrevistados, a vítima é a culpada pelo feminicídio.

Ou seja, o machismo mata duas, três, quatro vezes. Essas mentes alienadas e cruéis são capazes de assassinar a mulher duas vezes, quando a culpam por terem sido mortas. Quando a culpam por ser mulher.

Mais uma vez, reforçamos que a denúncia é fundamental, tanto para a proteção da vítima de ameaças quanto para diminuir as chances de o agressor sair impune. De acordo com o último levantamento citado, apenas 34% das mulheres ameaçadas procuraram a polícia. Precisamos lutar para que esse número chegue a 90%, 100%. O homem que tem a audácia de ameaçar a companheira de morte, poderá muito bem ter coragem de executar a promessa, mesmo que vá se suicidar em seguida, como muitas vezes acontece. Além disso, precisamos ter solidariedade e sororidade e nos importarmos com o próximo. Se soubermos de alguma mulher que seja vítima constante de agressão, ou esteja em risco de vida, devemos sim intervir, chamar a polícia. Caso contrário, poderemos vir a ser coniventes com um crime bárbaro.

Ireuda Silva

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