Coluna

Marta Arretche

É a vez da Lei de Cotas: os acertos na reserva de vagas

10 de março de 2022

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Diferenciais de desempenho no vestibular tendem a ser substancialmente reduzidos uma vez que os estudantes passam a frequentar a universidade

O Brasil tem uma política de ações afirmativas para o ingresso nas universidades públicas federais, por meio da Lei 12.711 de 2012, aprovada para ter validade por 10 anos. Esta lei prevê que 50% das matrículas por curso e turno sejam destinadas a estudantes que tenham feito todo o ensino médio em escolas públicas. Destas vagas, 50% devem ser destinadas a estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita (cerca de 75% dos domicílios brasileiros estão contemplados por este critério). Também da cota destinada aos alunos de escolas públicas, uma parcela correspondente ao tamanho da população autodeclarada preta, parda e indígena em cada estado deve ser reservada a estudantes com este perfil.

Há movimentação no Congresso para que a revisão ocorra até agosto deste ano. O princípio de que políticas públicas não sejam permanentes não deve ser interpretado como resultante da capacidade de veto de seus opositores. Toda legislação nova – como é o caso da Lei de Cotas – é desenhada em condições de incerteza, do que decorre que inevitavelmente produz efeitos não antecipados. Visto desta perspectiva, o princípio de que políticas devem passar por avaliações periódicas visa criar oportunidades para revisão de seu desenho.

As chances de sobrevivência da Lei de Cotas são bem altas. Em um ano eleitoral, é pouco provável que o Legislativo queira deixar suas digitais em um veto à renovação de uma legislação que atinge grupos concentrados de beneficiários com expressiva capacidade de mobilização. Se assim é, a pergunta não é se a lei está ameaçada, mas qual lei será aprovada.

Não por acaso já tramitam no Congresso proposições legislativas de deputados e senadores de diferente orientação ideológica. Representantes do PT, PSOL, PCdoB, PSB, DEM, PP, PSL, Podemos e PL assinam projetos de revisão da Lei 12.711/2012. A amplitude ideológica dos proponentes não implica, contudo, que haverá acordo fácil na tramitação desta legislação. Diferentemente, esta tende a ser intensamente conflitiva. Se os deputados do PCdoB, PT e PSOL pretendem tornar o programa permanente, a deputada professora Dayane Pimentel (PSL-BA) propõe que ele seja extinto.

O potencial para o conflito decorre do tipo de política em questão. A interpretação foi formulada por Theodore Lowi em seminal artigo publicado em 1964: políticas redistributivas ensejam a formação de grupos organizados com interesses opostos.

Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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