Não é novidade para ninguém que no Brasil enfrentamos grande dificuldade para encontrar dados oficiais confiáveis sobre segurança pública e sistema carcerário . A questão se agrava quando pensamos em gestão e produção de leis sem essa base tão importante: uma análise superficial dos projetos de lei da Câmara dos Deputados , por exemplo, deixa clara a dificuldade de sustentar os argumentos de maneira sólida, fugindo do senso comum.
Com o aumento nos índices de violência e o anseio legítimo da população por respostas à sensação de insegurança, começaram a pipocar, no início de 2018, projetos de leis que previam recrudescimento penal. Um breve olhar em duas das principais comissões da Câmara dos Deputados, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania , mostra que poucos são os projetos que apresentam dados para embasar a proposta de alteração legislativa ou um estudo de impacto positivo que justifique a proposta. Isso é preocupante.
Para ficarmos em um exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia , determinou a criação de um grupo de trabalho, composto por dez deputados (metade da base aliada e metade da oposição) “destinado a receber propostas de parlamentares sobre segurança pública”. A ideia, superimportante, mas não muito inovadora – dado que já há comissão permanente na Casa para discutir tal assunto – ainda assim forneceu um fio de esperança de encontrarmos ali um espaço para debate sério, embasado e participativo. O que novamente não aconteceu.
Com composição muito similar à da Comissão de Segurança e apenas três reuniões dentro de um prazo de três semanas, o relator do grupo de trabalho elegeu 15 proposições , entre as apresentadas pelos membros , para serem adotadas como prioridade. Sem plano de trabalho para o funcionamento do grupo, debate, participação popular ou critério para escolha das proposições, as atividades foram encerradas com um relatório enviado à Presidência da Câmara.
Em paralelo a esse grupo de trabalho de segurança pública, estava em fase de discussão no Plenário da Câmara o então PL 3734/12, que institui o Sistema Único de Segurança Pública, conhecido como Susp . Ocorre que tal projeto foi anunciado para votação sem sequer ter sido mencionado no grupo de trabalho. O fato foi questionado pelo deputado Paulo Teixeira e a resposta obtida do presidente da Casa, Rodrigo Maia, foi que era “prioridade daquela Presidência a votação do SUSP e da sugestão do ministro Alexandre de Moraes”.
O que fica de questionamento é: qual texto do Susp era a prioridade, já que o parecer do relator ainda não havia sido publicado? Como se já não bastasse a votação pouco debatida do projeto na Câmara, sua aprovação no Senado foi feita sem revisão e com uma análise absolutamente rasa. Tudo isso para não “atrasar a tramitação”.
Outra iniciativa igualmente importante, mas que passou longe dos debates, foi a criação de uma comissão de juristas . Com a finalidade de ser “responsável pela elaboração de anteprojeto de legislação de medidas investigativas, processuais e de regime de cumprimento de pena em relação a criminalidade organizada relacionada ao tráfico de drogas e armas”, trazia no seu documento de criação a previsão de realização de audiências públicas e reuniões, além do estabelecimento de “canal de comunicação direto com a sociedade”, o que seria um ótimo espaço para trocas, avaliações e construção conjunta. Porém, a comissão nunca se reuniu .
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes chegou a protocolar uma sugestão de alteração legislativa , mas de forma autônoma. A proposta até recebeu atenção da imprensa , mas silenciosamente foi protocolada por parlamentares. O Projeto de Lei aguarda instalação de uma Comissão Especial para analisá-lo. Independentemente de o formato do debate já ser prejudicial à elaboração de leis e políticas públicas no campo da segurança pública, o problema se acentua quando a disputa de poder é colocada em xeque – mas esse pode ser assunto para um próximo artigo.
Esses são exemplos rotineiros de como a produção legislativa no país, no que se refere a justiça e segurança, é exercida de maneira ilusionista – e silenciosa – nos corredores de Brasília. É importante lembrar que o Legislativo tem papel também como órgão fiscalizador da aplicação de recursos públicos, com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Sem planejamento de curto, médio e longo prazo, embasado em dados e estudos que comprovem os impactos das leis na sociedade, é impossível pensar em legislação responsável que realmente busque soluções efetivas para problemas complexos. A falta de responsabilidade política acarreta em consequências graves, que potencializam os já conhecidos problemas do sistema carcerário .
Para evitar que a construção de uma política de segurança continue sendo feita com base no senso comum, a Rede Justiça Criminal lançou a Campanha #EleiçõesSemTruque . Por meio dela é possível questionar candidatas e candidatos sobre propostas para o problema da segurança, não apenas na escolha do Executivo como também lembrar a importância da escolha do seu representante na Câmara e do seu estado no Senado. E como diz o mote da campanha, que deveria ser adotado como mote para a exercício da cidadania: questione, acompanhe e monitore as propostas e atuação de seus candidatos e candidatas. A participação política da sociedade é essencial para a construção de um cenário diferente para justiça e segurança.
Ana Navarreteé jornalista formada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Atua, desde a formação, com comunicação focada na defesa de direitos humanos e atualmente é assessora de comunicação da Rede Justiça Criminal
Andresa Porto é bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Ciência Política e ênfase em política pública pelo Centro Universitário do Distrito Federal. Atua com relações institucionais perante os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como assessora de advocacy da Rede Justiça Criminal