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Rosangela Schulz
Este ensaio analisa os efeitos do discurso conservador do presidente. O texto é o quinto de uma série sobre o governo federal em 2019 — e é parte de uma parceria entre o ‘Nexo’ e a Associação Brasileira de Ciência Política
Todo discurso é uma tentativa de fixar sentidos, constituir uma “verdade”. O discurso político é por excelência um discurso antagônico, para construir uma “verdade” tem de desconstruir ou ressignificar o discurso do adversário e, para ser vitorioso, tem de interpelar o maior número possível de indivíduos para que se tornem enunciadores. Nas eleições presidenciais de 2018, o candidato Jair Bolsonaro introduziu um discurso baseado no conservadorismo moral como antagônico ao discurso focado nas agendas igualitárias e da diversidade, que hegemonizaram o campo político democrático brasileiro por quase duas décadas.
As condições de emergência do discurso conservador sempre estiveram presentes na sociedade brasileira. Há um terreno fértil para sua emissão, recepção e reprodução tanto no campo social quanto no campo político, que pode ser exemplificado pelos violentos enunciados direcionados a Dilma Rousseff, nas ruas e no Congresso Nacional, antes e durante o processo de impeachment.
Os discursos conservadores têm como constante o sujeito desprovido de poder e saber. O discurso do candidato Bolsonaro, enunciado em suas falas e em seu próprio corpo, apresentava o sujeito que queria interpelar a imagem de si mesmo: o “homem comum” desprovido de saber e poder, intolerante a tudo e todos que não (re)conhece. Esse discurso interpelou e constituiu como enunciadores homens e mulheres conservadores desprovidos de saberes e poderes e que se sentiam amedrontados, ameaçados e confrontados com a agenda dos direitos de igualdade e de diversidade.
Na posse, Jair Bolsonaro enuncia novamente o combate ao que chama de “ideologia de gênero”. Não há nenhum compromisso com o saber, com o extenso debate da teoria feminista sobre a categoria gênero, não há sequer definição da expressão. Seu uso constante trata-se de uma tentativa de ressignificar o debate de gênero, ou seja, desconstruir as lutas dos feminismos por direitos igualitários, à diferença, políticos, sexuais e reprodutivos, de controle dos próprios corpos. Para isso, basta colocar a categoria gênero sob o guarda-chuva de outra constantemente enunciada e ressignificada no discurso bolsonarista: ideologia.
Não se trata mais de um discurso enunciado por um candidato na tentativa de vencer um pleito eleitoral, mas de um discurso que se pretende prática de um governo e que, para isso, opta por manter o corte antagônico da campanha, nomeando inimigos a destruir e estimulando a intolerância. Entre os diversos inimigos, encontram-se as mulheres, particularmente as feministas. Não é difícil compreender as razões dessa escolha.
Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.
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