Dos EUA a Suzano: como combater e prevenir mass shootings

Ensaio

Dos EUA a Suzano: como combater e prevenir mass shootings
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

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Tulio Kahn


16 de março de 2019

Há alguns traços recorrentes no perfil de autores de massacres. O problema é que eles são comuns a muitos jovens e seria impossível monitorar a todos eles

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Ataques como os da escola estadual Raul Brasil, em Suzano, levantam uma série de questões práticas, teóricas e mesmo filosóficas. Conseguimos entender que alguém roube um banco motivado por dinheiro ou mesmo quem, num momento de descontrole, agrida outro motorista numa briga de trânsito. O terrorismo, de todo injustificável, tem uma motivação política subjacente. Mas temos dificuldade em entender o sentido dos tiroteios de massa ou “mass shootings”, como são classificados nos Estados Unidos, onde são bastante frequentes.

Qual o sentido de entrar armado num local, sair atirando a esmo em desconhecidos e ao final se matar ou morrer nas mãos da polícia, o que ocorre em 70% dos casos? O que os autores “ganham” com isso? Trata-se de uma loucura gerada por distúrbio psiquiátrico e, portanto, inexplicável? Acontece, não mais do que de repente, como um raio em dia de céu azul? É um fenômeno totalmente aleatório e imprevisível?

Os casos no Brasil são raros. Mas os EUA já têm um volume de casos antigos e documentados, que permitem tirar algumas conclusões. Enorme disponibilidade de armas, tensões raciais e religiosas, cultura de resolução violenta de conflitos, milhares de veteranos de guerra, entre outras variáveis, ajudam a entender por que os EUA são o campeão mundial desta modalidade de homicídio.

Existem várias definições operacionais sobre o que seriam os “tiroteios de massa”, mas de um modo geral as definições apontam para:

1) Várias vítimas fatais e feridos (quatro ou mais, por exemplo, excluindo o autor)

2) Premeditação da ação (em geral estão calmos na hora da ação)

3) Escolha aleatória das vítimas (mas não dos locais)

4) Locais públicos (escolas, shoppings, Igrejas, etc., incluindo locais de trabalho)

5) Um mesmo incidente, ou seja, mortes são próximas no espaço e no tempo

Além dessas características definidoras, os episódios costumam compartilhar alguns traços comuns. Homens brancos estão sobrerrepresentados entre os autores. A morte do autor ao final é comum, seja por suicídio, seja nas mãos da polícia. É comum também o envolvimento prévio dos autores com situações de violência doméstica e no caso dos agressores em escolas, de histórico de bullying. É também frequente, nesse perfil, um passado de distúrbios psiquiátricos, dos mais diversos espectros: depressão, esquizofrenia, tendências suicidas, síndrome de asperger, bipolaridade e vários outros. É praxe um gosto por jogos e filmes violentos assim como por armas de fogo. Mas é talvez uma predisposição anterior à violência que explica o interesse por jogos e filmes violentos e não o contrário.

Alguns desses dados sobre “mass shootings” nos EUA estão compiladas pelo site de jornalismo investigativo Mother Jones.

Pelas informações colhidas pela polícia, os autores do atentado em Suzano se inspiraram nesse tipo de ataque, em especial o de Columbine, de 1999, praticado por dois adolescentes e que deixou 37 vítimas, entre mortos e feridos.

Vários dos autores deixaram pistas sobre suas motivações em anotações, cartas ou redes sociais. Em muitos casos observou-se que o autor se sentia injustiçado por uma situação ou instituição e seu ato seria uma espécie de revanche. Assim, embora a escolhas das vítimas em particular seja aleatória, observa-se que a escolha do tipo de vítima ou tipo de instituição não é do todo aleatório.

É bastante provável que o bullying dos colegas na escola em Suzano tenha sido um fator decisivo para a escolha da sua própria escola como local do ataque e não um shopping center ou outro local público. Desentendimento com chefes e colegas e ter sido despedido é um antecedente comum dos ataques que ocorrem em locais de trabalho.

Racismo e ódio às minorias um elemento que explica o ataque em locais religiosos. Percebe-se nesses casos um sentimento difuso de vingança com relação a algo que o agressor identifica como causa de seu dissabor ou fracasso: colegas de escola, professores, chefes, imigrantes, minorias. O local do ataque e o tipo de vítimas ajudam assim a entender em parte a “motivação” subjacente, como no ataque a mesquitas na Nova Zelândia, que deixou 49 mortos.

Nessas pistas deixadas propositalmente ou não pelos agressores (chamadas de vazamento) identifica-se também um componente narcísico e o desejo de notoriedade. Sou um “Zé ninguém”, com espinhas no rosto, mas vocês em breve vão ouvir falar de mim, quando meu rosto estiver estampado em todos os jornais do país. É importante lembrar desse aspecto quando a mídia tratar do caso pois a exposição dos autores e suas fotos são como uma espécie de recompensa e podem implicar em contágio, plantando ideias nas mentes dos jovens que já se encontram “em risco”.

Alguns autores notaram ainda que o estresse econômico pode ser um detonador de eventos: mobilidade descendente, desemprego, dívidas acumuladas, fracasso profissional ou estudantil, fazem parte do cenário comum a muitos dos agressores.

Agora, com tantos dados assim sobre o fenômeno, é possível antecipar-se a eles de modo a agir preventivamente, assim como se faz no caso de terrorismo? O problema é que aqui estamos diante de “marcadores” que são bastante comuns e atingem muitos jovens. Monitorar jovens homens brancos, que gostam de jogos violentos, sofrem bullying e têm algum distúrbio mental? Trata-se de um perfil demasiado genérico e comum. Talvez seja possível monitorar pelas redes sociais falas explícitas e fotos postando armas. Mas nem sempre os autores deixam evidências tão óbvias e com antecedência, de modo a permitir uma intervenção em tempo hábil.

Assassinos seriais, terrorismo, “mass shootings” existem há décadas e continuarão a existir, por melhor que sejam nossos mecanismos de monitoramento. Não existe uma única solução, mas um conjunto integrado de soluções para tentar minimizar o problema: programas para redução do bullying nas escolas, reforço no controle de acesso às escola, diminuição da disponibilidade de armas, monitoramento das redes sociais, programas de saúde mental nas escolas, evitar a divulgação dos autores dos atentados, responder eficazmente aos casos de violência doméstica. Essas medidas podem talvez contribuir para redução de futuros casos.

Não adianta demonizar videogames e transformar escolas em bunkers. Como disseram Fox e DeLateur em estudo sobre o tema, um pouco de insegurança é o preço que temos que pagar para vivermos em sociedades democráticas.

Tulio Kahn é doutor em ciência política, consultor da Fundação Espaço Democrático e autor de diversos livros sobre criminalidade e segurança

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