Agenda 2030 da ONU no contraponto à omissão federal

Ensaio

Agenda 2030 da ONU no contraponto à omissão federal
Foto: Ricardo Moraes/Reuters - 24.fev.2021

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Ergon Cugler, Gabriela Chabbouh, Guilherme Lamana, Juliana Corrêa e Maria Gedeon


31 de outubro de 2021

Avançam no Brasil experiências municipais e até estaduais de implementação do plano adotado em 2015

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Que o Governo Federal tem sido omisso às pautas nacionais, não é novidade. Ainda em 2019, a omissão já era vista como método do governo Bolsonaro. ]Segundo a professora Gabriela Lotta, o método se dá, por exemplo, quando o Governo ‘senta em cima das decisões’ , retarda pronunciamentos, não libera recursos e, assim, paralisa a cadeia decisória”. Com a pandemia, tal omissão e descoordenação foi extrapolada.

Foi necessária articulação via FNP (Frente Nacional de Prefeitos) para construção de consórcio com prefeitos de 1.703 cidades para buscar vacinas enquanto o governo federal não respondia à demanda . Com governadores e prefeitos assumindo o papel da União , governos estaduais e municipais ficam órfãos de um norte condutor em suas políticaslevando cada um para um caminho diferente, como um “salve-se quem puder”.

Por outro lado, avançam experiências municipais e até estaduais de implementação da Agenda 2030 da ONU como articuladora do planejamento local. Seria tal alternativa um caminho para articular metas em plataforma comum entre estados e municípios diante da omissão federal? Quais as potenciais implicações de tal rumo?

Adotada após ampla discussão de 193 países em Nova York (EUA), em 2015, a Agenda 2030 é um plano de ação que tem como objetivo buscar vias para o desenvolvimento sustentável, reconhecendo a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões como um de seus principais desafios.

Este debate não começou em 2015 e nem deve terminar em 2030. Ainda em 1987, o relatório “Nosso Futuro Comum” definiu o termo desenvolvimento sustentável. Em que pese a Agenda 2030 contenha outros aspectos como uma declaração, o ponto alto desta é a definição de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável que carregam, ao todo, 169 metas a serem cumpridas. Ou seja, uma experiência mais madura já não mais chamada ODM (Objetivos do Milênio), e sim ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

Em 2020, o município de São Paulo instituiu uma Comissão Municipal para os ODS, paritária e deliberativa, que municipalizou 135 das 169 metas da Agenda . Nesse processo participativo foram selecionados 545 indicadores para o avanço nas metas municipais junto à elaboração de um Plano de Ação para Implementação da Agenda Municipal 2030. Neste mesmo ritmo, diversos municípios passaram a se articular pela aproximação do planejamento municipal à Agenda 2030. Como exemplo: Teresina (PI) , Rio de Janeiro (RJ) , Curitiba (PR) , Cuiabá (MT) e outros, inclusive via consórcios e associações .

Às custas da ausência de coordenação nacional, os municípios buscam seu apoio em atores especialistas e organizações mobilizados em prol da Agenda 2030. Um desses casos pode-se ver dentro do Estratégia ODS , que compila esses materiais de forma a disponibilizar publicamente , ou mesmo o Banco de Experiências de Políticas Públicas , construído pela Associação Brasileira dos Municípios , para apresentar iniciativas da administração pública e seu diálogo com a meta da Agenda 2030.

Com a ausência de coordenação nacional, municípios buscam apoio em organizações e especialistas mobilizados em prol do plano da Organização das Nações Unidas

Porém, ainda que existam apoios na sociedade civil para a implementação da Agenda 2030, a falta de coordenação nacional faz com que muitos municípios não tenham um norte, um conhecimento sobre a Agenda, ou mesmo não saibam por onde começar. Segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, grandes desigualdades territoriais persistem no país , como exemplo, as 20 cidades que são líderes nacionais em cumprimento da Agenda 2030 estão todas situadas nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Não à toa, o Relatório Luz 2021 aponta que 54,4% das metas estão em retrocesso a nível federal , com sequer nenhuma das metas, dentre as 169, com qualquer progresso satisfatório.

Podemos dizer que o avanço da Agenda 2030 tem papel fundamental para o enfrentamento das desigualdades. No entanto, com o olhar à construção da cidade do futuro, mais do que ações de destaque ou cases, é preciso um esforço colaborativo de construção de planos e objetivos a fim de alcançar o que está proposto nas metas.

A construção do planejamento municipal deve integrar os instrumentos norteadores (como, por exemplo, o Programa de Metas, Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual, entre outros) que servirão como subsídio para a construção de uma estratégia de gestão, compondo características multissetoriais, transversais e plurivalentes, aparelhada às diversas agendas locais e globais para seguir um sentido ordenado de onde se pretende chegar nos próximos anos.

A Agenda 2030 pode ser uma estratégia para que municípios avancem com políticas públicas mais economicamente, ambientalmente e socialmente sustentáveis, principalmente diante da pandemia da covid-19. Assim sendo, a Agenda 2030 se apresenta como uma plataforma comum que entes subnacionais podem adotar para determinar um rumo comum diante da omissão federal. Além disso, articuladora das peças orçamentárias, especialmente pela abordagem intersetorial, propiciando o olhar para políticas que toquem aos governantes futuros e que necessitam de um mapeamento dos problemas presentes.

Apesar de algumas vezes o planejamento no setor público ser visto como mero instrumento burocrático e exigência legal, é necessário que exista alinhamento que sintetize os objetivos, estratégias e ações dentro de um tempo, espaço e limitações que permeiam as capacidades públicas. Pois, sem rumo, cada município irá caminhar para um objetivo diferente, propiciando assincronias e potencializando desigualdades.

Neste sentido, a adoção da Agenda 2030 por municípios tem servido para nortear um rumo comum do planejamento diante da omissão federal. Porém, faz-se necessário engajar a população no processo de monitoramento dos indicadores da Agenda 2030 nos governos locais e mobilizar esforços para que a Agenda 2030 seja respeitada e cumprida também pelo Governo Federal. Caso contrário, seguiremos fragmentados enquanto nação, sem projeto próprio e dependentes exclusivamente de referências internacionais, com esforços locais que tornam-se ameaçados a cada descuido federal.

Ergon Cugler é pós-graduando do Consórcio Internacional AUCANI da USP (Universidade de São Paulo). Graduando em gestão de políticas públicas (USP) e representante da sociedade civil na Comissão da Agenda 2030 da ONU para São Paulo.

Gabriela Chabbouh é mestre em políticas públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em desenvolvimento local e objetivos de desenvolvimento sustentável (Escola Nacional de Administração Pública), organizadora da rede de especialistas em ODS – Local Lab ODS e analista de políticas públicas e gestão governamental na Prefeitura de São Paulo.

Guilherme Lamana é graduando em gestão de políticas públicas na USP. Representante da Sociedade Civil da Câmara Educacional da Agenda 2030 em São Paulo, agente de Governo Aberto de São Paulo e Conselheiro Municipal dos Direitos da Juventude de São Paulo.

Juliana Romualdo Corrêa é bacharela em relações internacionais, profissional do marketing, representante da sociedade civil na Comissão da Agenda 2030 da ONU para São Paulo e a 1ª mulher brasileira a ser Secretária Executiva da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes.

Maria Luiza Gedeon é graduanda em gestão de políticas públicas (USP), coordenadora da Câmara Temática “SP Segura, Bem Cuidada e Ágil” na elaboração do Plano de Ação para implementação da Agenda 2030 na cidade de São Paulo, representante do poder público na Comissão Municipal para o Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030 da ONU e Assessora Especial de Planejamento na Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo.

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