As empresas de tecnologia de grande porte têm passado por momentos de reestruturação, sobretudo no tocante à contratação de talentos. É nesse contexto que alguns líderes passam a rever os conceitos e as decisões tomadas anteriormente – o que nem sempre se revela uma reflexão acertada. Um exemplo do equívoco de um pensar em meio à crise é a ideia de que quanto mais pessoas LGBTI+ houver no ambiente de trabalho, mais conflitos serão gerados. Ou seja, se existir um espaço com mais colaboradores cis e héteros reinará a ordem absoluta no cotidiano laboral. Essa é uma forma de enxergar bastante complexa – para dizer o mínimo! Nessa estrutura de pensamento, as pessoas LGBTI+ são a fonte permanente de conflitos relacionados ao gênero, às sexualidades, à moral e aos bons costumes – questões típicas das interações humanas entre a diversidade. Aqui, entende-se a diversidade como todas as pessoas, em sua totalidade, sem distinção alguma.
No Brasil, as pessoas LGBTI+ enfrentam uma série de vulnerabilidades e violências em diferentes esferas da vida; uma delas é, inclusive, a fatídica “saída do armário”. A narrativa é que esses indivíduos eram pessoas totalmente invisibilizadas antes de se assumirem. A verdade é que, posteriormente, passam a ser parcialmente invisibilizadas. A saída do armário simboliza um marco na vida de cada LGBTI+; essa é a primeira vez que essa pessoa se sente vista e reconhecida como ela é! Claro que isso vale quando a decisão de assumir-se para a sociedade é voluntária, afinal, retirar pessoas do armário é, também, um ato de extrema violência. Mas, essas pessoas logo voltam à invisibilidade, especialmente quando assumem as identidades e passam a ser excluídas dos espaços sociais e de poder. Estou falando do mercado de trabalho, por exemplo.
Em uma sociedade ocidental, cisgênera e heterossexual, a ideia de que exista um “armário” está baseada em uma construção social de encarceramento do que é diferente. Esse pensar, inclusive, tem implicações profundas na forma como outras identidades são percebidas e vividas hoje em dia. Em outras palavras, nós, seres humanos, temos uma tendência a separar e classificar as pessoas com base em suas identidades de gênero e sexualidade – e a atribuir a elas diferentes níveis de valor e poder. Assim, antes de saírem do armário e viverem as próprias identidades em plenitude, faziam parte do grupo “majoritário”; ao saírem do armário, passarão a ser uma “minoria” com pouco poder ou valor. O fato é que a discriminação e o preconceito são ainda mais violentos com pessoas que se declaram e que não se reconhecem neste perfil majoritário. Isso é didaticamente ilustrado pelos comportamentos opressores dentro do ambiente corporativo.
Em 2020, um estudo realizado pela FIA (Fundação Instituto de Administração) – em parceria com a Aliança Empreendedora – mostrou que pessoas LGBTI+ têm mais dificuldades para encontrar empregos formais e com boa remuneração. Além disso, o estudo aponta que essas pessoas enfrentam mais dificuldades para serem promovidas ou assumirem posições de liderança. As pessoas trans, em particular, são expostas a uma problemática ainda mais grave: dados de 2021 da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) apontam que apenas 6% da população trans no Brasil ocupa algum cargo formal em empresas. Essas dificuldades se relacionam com a violência e a discriminação que muitas vezes são direcionadas a pessoas LGBTI+ – o que pode gerar medo de exposição e até mesmo de serem demitidas caso sejam assumidas suas identidades de gênero ou orientações sexuais.
Muitas empresas ainda não têm políticas claras de diversidade e inclusão que garantam a equidade de oportunidades para pessoas LGBTI+ e que promovam um ambiente de trabalho livre de preconceito e discriminação. Isso pode fazer com que essas pessoas não se sintam confortáveis em expor suas identidades e/ou não vejam oportunidades reais de crescimento. Entretanto, não há um movimento de reflexão sobre quem é responsável pela inclusão de pessoas dessas comunidades como parte indissociável das relações e interações interpessoais para a redução das desigualdades sociais.
Muitas empresas ainda não têm políticas claras de diversidade e inclusão que garantam a equidade de oportunidades para pessoas LGBTI+ e que promovam um ambiente de trabalho livre de preconceito
Quando a gente reivindica a inclusão por meio de termos como “cis”, por exemplo, não queremos com isso criar uma nova identidade, mas mostrar que existe um processo de subjetivação que entende as identidades de gênero de pessoas que estão de acordo com o gênero designado no nascimento como um dado prestigiado. Ou melhor: como uma identidade que é privilegiada pelas construções sociais. Entender que por conta de uma condição social ou privilégio de uns exclui-se outros é importante para a criação de espaços corporativos, educacionais e/ou de convívio comum verdadeiramente inclusivos. Por isso, é fundamental que as empresas criem um ambiente inclusivo e respeitoso para todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero – seja por meio de revisão da cultura organizacional e/ou por meio de programas de formação e desenvolvimento pessoal.
Sabemos que um ambiente inclusivo pode trazer diversos valores e benefícios tanto para as diversidades quanto para a própria organização, mas sem esse processo de reflexão e educação social mais profundo, dificilmente a diversidade e a inclusão terão futuro. A criação de um ambiente inclusivo para pessoas LGBTI+ dentro das organizações é muito importante, pois permite que esses funcionários se sintam valorizados, respeitados e confortáveis em seu ambiente de trabalho. Isso pode ajudar a aumentar a produtividade, a retenção de talentos e a imagem positiva da empresa. Sobretudo, a luta pela inclusão de pessoas LGBTI+ não é uma luta pela exclusão de outras pessoas, mas é a criação de um futuro melhor.
Em uma perspectiva propositiva, enumero três dicas práticas para que os gestores criem um ambiente inclusivo para pessoas LGBTI+. A ideia é ajudar as empresas a “saírem do armário” e assumirem uma postura mais afirmativa.
- Incentive a diversidade de pensamento e perspectivas – pode ser feito por meio da promoção da escuta ativa e da abertura a críticas e a sugestões de todos os funcionários, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, é importante que a liderança esteja comprometida com a diversidade e a inclusão, e que sejam implementadas políticas inclusivas que incentivem a expressão de diferentes perspectivas e ideias;
- Crie um ambiente seguro e livre de preconceito – faça com que políticas contra a discriminação e o assédio baseado em identidade de gênero e/ou orientação sexual sejam parte da cultura da organização, oferecendo palestras e treinamentos sobre essas diversidades para informar e conscientizar todas as pessoas sobre o próprio papel para a inclusão de pessoas LGBTI+; além de, também, fornecer ferramentas aos gestores e líderes para uma comunicação mais inclusiva;
- Promova a inclusão de pessoas LGBTI+ em todos os níveis da empresa – as empresas devem promover a inclusão de pessoas LGBTI+ em todos os níveis da organização, incluindo a criação de programas de aceleração de carreiras para cargos de liderança. Isso pode ajudar a garantir que todas as vozes sejam ouvidas e que todas as perspectivas sejam levadas em conta na tomada de decisões.
Por fim, gostaria de reforçar que a criação de um ambiente de trabalho inclusivo para pessoas LGBTI+ é um processo contínuo e que requer comprometimento da liderança e das políticas da organização. Empresas que se preocupam em criar um ambiente seguro e livre de preconceito para todas as pessoas – independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero – podem aumentar a produtividade, a retenção de talentos e a imagem positiva. Não é apenas uma questão de ética, moral ou justiça social, mas também de negócios.
Judá Nunes é graduada em licenciatura em teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, especialista em diversidade, equidade e inclusão e em futuros com foco em educação, movimentos sociais, trabalho e transformação humana. Atua como educadora, gestora de projetos, comunicadora, escritora, palestrante e consultora de empresas sobre o tema diversidade e inclusão.