O Brasil foi exemplo de condução da pandemia na educação?

Ensaio

O Brasil foi exemplo de condução da pandemia na educação?
Foto: Sam Balye/Unsplash

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Ernesto Martins Faria


05 de dezembro de 2023

Após um longo período de escolas fechadas por causa da crise sanitária, a educação brasileira pouco piorou na principal avaliação internacional de aprendizagem do mundo — um cenário bem diferente do observado nos países desenvolvidos

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Foram divulgados, nesta terça-feira (5), os resultados do Brasil no Pisa (Programme for International Student Assessment) 2022, a principal avaliação internacional de aprendizagem dos estudantes, que existe desde 2000 e, na última edição, contou com a participação de cerca de 690 mil estudantes de 15-16 anos de 81 países ou economias. Os números eram muito aguardados, já que mostrariam o impacto da pandemia de covid-19 na aprendizagem dos estudantes. Em um primeiro momento, eles trouxeram algum alento: houve uma pequena queda na pontuação média dos estudantes em Matemática (de 384, em 2018, para 379, em 2022), um queda ainda menor em Leitura (de 413 para 410) e um cenário de estagnação em Ciências (de 404 para 403).

Assim, após um longo período de escolas fechadas por causa da crise sanitária, a educação brasileira pouco piorou na principal avaliação internacional de aprendizagem do mundo — um cenário bem diferente do observado nos países desenvolvidos. A média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) caiu 15 pontos em Matemática, 10 pontos em Leitura e 2 pontos em Ciências. Isso significa que o Brasil é exemplo de contenção do impacto da pandemia na educação? A resposta é complexa.

Uma reflexão importante para nós, enquanto sociedade, é se o trabalho pedagógico das escolas públicas brasileiras não é nivelado ‘por baixo’,dadas as enormes defasagens acumuladas pelos estudantes ao longo de suas trajetórias escolares e o fato de as avaliações nacionais e locais cobrarem a aquisição desses domínios anteriores

Em Matemática, especialmente, não parece ser o caso. É importante, primeiro, entender que, na disciplina, os estudantes brasileiros estão,em aprendizagem, cerca de 3 anos atrás dos estudantes dos países desenvolvidos (cada 30 pontos representam cerca de um ano de aprendizagem). E, em 2022, o percentual de alunos nos níveis mais altos na escala do Pisa, que sempre foi baixo, diminuiu ainda mais. Houve uma queda de 26,5% no índice de estudantes que chegaram pelo menos no nível 3 (de 13,6% para 10%) e de 30,2% no daqueles que alcançaram ao menos o nível 4 (4,3% para 3%). Estar no nível 3 significa que o aluno “é capaz de elaborar estratégias de soluções, incluindo aquelas que exijam tomada de decisão sequencial ou flexibilidade na compreensão de conceitos familiares. Nesse nível, os alunos normalmente mostram habilidades para lidar com porcentagens, frações e números decimais e para trabalhar com relações proporcionais” (OECD, 2023). A escala do Pisa vai até 6, mas são raríssimos por aqui os chamados “top performers” em Matemática, que alcançam os níveis 5 ou 6: menos de 1%. A média dos países desenvolvidos é de 9%, mas muito mais alta em algumas economias asiáticas, chegando a impressionantes 41% em Singapura.

No entanto, se analisarmos o percentual de alunos de baixíssimo desempenho em Matemática (abaixo do nível 1A) no Brasil, o cenário piorou pouco: passamos de 41% para 43,1%. Um estudante nesse nível é capaz de “responder a questões que envolvam contextos de fácil compreensão, em que toda a informação necessária é dada claramente em uma representação simples (tabela, gráfico ou imagem). Além disso, realizam cálculos simples com números inteiros” (OECD, 2023). Ter mais de 40% dos nossos estudantes abaixo desse nível não é, evidentemente, algo a ser celebrado. Porém, a pouca variação desse índice após uma pandemia não deixa de indicar o esforço das redes de ensino em garantir ao menos algumas habilidades básicas aos alunos.

Uma reflexão importante para nós, enquanto sociedade, é se o trabalho pedagógico das escolas públicas brasileiras não é nivelado “por baixo”, dadas as enormes defasagens acumuladas pelos estudantes ao longo de suas trajetórias escolares e o fato de as avaliações nacionais e locais cobrarem a aquisição desses domínios anteriores.Recentemente, visitamos diversas escolas pelo país no âmbito do estudo “ O cenário do ensino de matemática no Brasil: o que dizem os indicadores nacionais e internacionais ”, feito por nós, com a parceria técnica do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social da FEA-RP/USP (Lepes) e apoio da B3 Social. Ao assistirmos a aulas do Ensino Médio, em unidades tidas como de destaque em Matemática, nos chamou a atenção o fato de os professores ensinarem habilidades que já deveriam ter sido consolidadas em anos anteriores: no 6º, 7º, 8º e 9º ano.

A equação não é, obviamente, de fácil solução, já que para a compreensão de conteúdos mais difíceis é preciso o domínio de conceitos matemáticos mais básicos. Porém, não seria possível promover equidade, elevando a barra geral e aumentando a exigência? As escolas de tempo integral, que dispõem de mais tempo pedagógico, conseguem apontar bons caminhos para o país? Agora é o momento de pedagogos e matemáticos se debruçarem sobre esses dados, pois precisamos de respostas pedagógicas. Por que nossos alunos não chegam à proficiência esperada no Pisa? Como conseguiremos reverter esse cenário?

Em Leitura e Ciências, a situação, de fato, parece mais positiva. Em Leitura, há uma queda importante no percentual de alunos nos níveis mais altos da escala, mas, ainda assim, bastante inferior à verificada em Matemática. Em Ciências, houve, praticamente, uma estagnação. O cenário de 2018 para 2022 não parece ter mudado consideravelmente nas duas áreas.

Temos, então, duas notícias: uma positiva e outra negativa. A primeira é que o país parece ter criado uma estrutura para garantir algumas habilidades básicas (nível 1A) à maioria dos alunos. A segunda é que isso ainda é pouco, muito pouco, e distante do mínimo aceitável.

Voltemos novamente à Matemática, área foco dessa edição do Pisa e um dos pontos mais críticos da nossa educação: segundo a OCDE, o nível dois é considerado o mínimo esperado de estudantes na etapa. Nesse patamar, os jovens conseguem interpretar e reconhecer uma situação simples, representada de forma matemática, como comparar a distância entre duas rotas e converter preços em escalas diferentes. Nos países desenvolvidos, 69% dos estudantes são capazes de fazer isso. No Brasil, 27%. É um cenário que impede a educação de gerar grandes transformações no país.

Não haver uma queda brusca em 2022 no Pisa traz algum alento, mas isso não pode nos fazer esquecer dos grandes desafios que temos na educação brasileira, em especial em Matemática. E que, mesmo com a queda considerável na média dos países desenvolvidos, seguimos muito atrás deles. A educação precisa viabilizar projetos de vida, e isso não será possível se os estudantes não tiverem ao menos os conhecimentos mínimos esperados para a sua idade.

Ernesto Martins Faria é diretor-fundador do instituto de pesquisas Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) e doutorando em educação pela Universidade de Coimbra (Portugal).

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